CPMF: 76% dos analistas veem baixas chances para volta do “imposto do cheque”

Levantamento do InfoMoney também indica cenário nebuloso para a aprovação de simplificação de impostos que contemple estados e municípios

Marcos Mortari

(Marcelo Camargo/Agencia Brasil)

SÃO PAULO – Um dos pontos mais polêmicos que envolvem a atual discussão da reforma tributária, a volta de um imposto sobre transações financeiras é vista com ceticismo pelos analistas políticos quanto às chances de ser aprovada no Congresso Nacional. É o que mostra a oitava edição do Barômetro do Poder, iniciativa do InfoMoney que compila mensalmente as avaliações e projeções das principais casas de análise de risco político e analistas independentes em atividade no Brasil.

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O levantamento, realizado entre 19 e 21 de agosto, mostra que 76% dos analistas consultados consideram baixas as chances de uma proposta que recrie uma tributação sobre movimentações financeiras, tal como a antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), avançar no parlamento. Ao passo que apenas 8% veem possibilidade alta de tal iniciativa prosperar.

Participaram desta edição do Barômetro do Poder dez casas de análise de risco político (4E Consultoria, BMJ Consultores, Control Risks, MCM Consultores, Medley Global Advisors, Patri Políticas Públicas, Prospectiva Consultoria, Pulso Público, Tendências Consultoria e XP Política) e três analistas independentes (Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe; Carlos Melo, professor do Insper; e Thomas Traumann, jornalista e consultor político). Conforme combinado com os colaboradores, os resultados são divulgados de forma agregada.

A aplicação de uma tributação sobre transações é uma das bandeiras do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, que trabalha na construção de uma proposta de reforma a ser encaminhada pelo governo ao Congresso. Tal posição, contudo, enfrenta resistências no próprio Poder Executivo, entre os parlamentares e na sociedade. A ideia do governo seria implementar um tripé formado por Imposto de Renda, imposto único sobre consumo e serviços e uma contribuição sobre movimentações financeiras.

Nos últimos dias, a volta desse tipo de imposto foi defendida pelo ministro Paulo Guedes (Economia), sob a alegação de que prefere “abraçar um imposto horroroso” se isso permitir a desoneração da folha de pagamento. Ele advoga que a mudança poderia ajudar o país na redução da taxa de desempregados e desalentados. Críticos, porém, dizem que essa forma de tributação, apesar de fácil de ser aplicada e da ampla base, é cumulativa e pode desarrumar a economia, inclusive estimulando a desintermediação financeira a médio prazo.

Tido como um dos obstáculos para o avanço da ideia do imposto sobre transações, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse, nesta quinta-feira (22), estar disposto a conversar com Guedes sobre o assunto, mas reiterou que não pretende recriar a CPMF. Essa modalidade de tributação tem como entusiastas empresários do Instituto Brasil 200, capitaneado por Flávio Rocha, dono da Riachuelo. O grupo, porém, tem uma proposta mais radical, com uma tributação sobre os fluxos de riqueza e sem impostos sobre bens e serviços.

Atualmente, há duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) em discussão no parlamento. Uma delas é de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), baseada nas sugestões apresentadas pelo CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), e propõe a unificação de cinco impostos: PIS, Cofins e IPI (federais); ICMS (estadual); e ISS (municipal). Ela foi aprovada na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) e agora é discutida no mérito em comissão especial.

Outra proposta, de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, tramita no Senado Federal e propõe a unificação de nove tributos. Além dos cinco anteriores, os federais IOF, Salário-Educação, Cide e CSLL. Assim como no caso da PEC em discussão pela Câmara, o texto precisa ser aprovado em dois turnos pelos senadores no plenário por maioria de 3/5, para depois ser deliberado pela outra casa legislativa.

O Barômetro do Poder mostra que o tom geral dos analistas é de dúvidas quanto à viabilidade política das principais propostas postas à mesa. Para 46%, chances altas de prosperar uma espécie de versão desidratada da PEC 45 (do deputado Baleia Rossi), apenas com unificação de impostos federais. Neste caso, o combate à chamada guerra fiscal ficaria em um segundo plano. Em contrapartida, as perspectivas de avanço do texto no parlamento aumentariam.

Mantendo os impostos estaduais e municipais, este grupo cai para 15%. As dificuldades também aumentam quando se considera a proposta de inclusão à lista do imposto único outros três tributos federais: IOF, CSLL e Cide. Apenas 8% apostam em êxito neste caso.

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O levantamento também perguntou aos especialistas sobre a importância do envolvimento do governo para a aprovação de uma reforma tributária pelo parlamento. As avaliações não foram consensuais, mas a maioria entende que as movimentações do Palácio do Planalto serão relevantes para o andamento desta matéria, a despeito do protagonismo assumido pelo Congresso Nacional.

“Estamos chegando em setembro e o governo ainda não mandou a sua proposta de reforma tributária, enquanto a Câmara tenta coordenar 513 vozes junto a empresários, governadores, prefeitos e sindicatos, e o Senado encara a sua própria reforma concomitante à reforma da Previdência”, observa um dos analistas consultados.

Para ele, a multiplicidade de pautas em discussão, a inexistência de uma base governista efetiva no parlamento e a prioridade dada pelo presidente a questões como a nomeação do filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), para a embaixada brasileira em Washington (EUA) poluem o ambiente político.

Outro analista vê um quadro mais complexo do que o enfrentado na aprovação da reforma previdenciária – debate mais amadurecido na sociedade, em que foi possível a construção de coalizões mais amplas em defesa da proposta. Dadas as dificuldades naturais que mudanças no sistema tributário implicam e considerando a diversidade de atores envolvidos e interesses antagônicos, a atuação do governo na construção de consensos torna-se indispensável.

“Há custos intertemporais, bem como grandes assimetrias entre os entes da federação, os quais precisam ser pagos e pactuados, para que uma reforma tributária de fôlego avance. A maneira mais fácil para resolver o problema de ação coletiva que isto acarreta é que um ente hegemônico, no caso a União, absorva parte destes custos e crie uma estrutura de incentivos que facilite a transição de modelo”, explica.

“Infelizmente, não vemos no atual Executivo Federal a disposição para liderar este processo, ficando a cargo do Parlamento resolver sozinho a questão. Todavia, a urgência e o chamado à ação são muito inferiores em relação à reforma da previdência, o que dificulta a capacidade das lideranças do Congresso promoverem – sem o apoio do Executivo – esta coordenação”, observa o analista.

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É consenso entre os analistas que os congressistas assumiram as rédeas da agenda de reformas e que este quadro não deve sofrer grandes modificações. Por outro lado, enquanto uns veem poucos espaços para avanços no caso de mudanças no sistema tributário caso não haja mudança na forma de atuação do governo, outros acreditam que é possível aprovar mudanças mesmo sem ajuda do Palácio do Planalto. A diferença, neste caso, está em qual reforma poderá ser implementada.

“A reforma tributária terá condições de ser aprovada no Congresso mesmo sem o envolvimento direto do governo. Apesar disso, a qualidade da participação do Palácio do Planalto na discussão do tema terá implicações diretas na aprovação de um texto que prejudique ou beneficie os interesses da União. Neste sentido, consideramos alta a importância da atuação do governo”, pontua.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.