CPI da Pandemia tem nova investida contra “gabinete paralelo” após divulgação de vídeos

Integrantes do chamado G7 pretendem votar requerimentos para convocação de Osmar Terra, Paolo Zanotto e Luciano Dias Azevedo

Marcos Mortari

Reunião do presidente Jair Bolsonaro com médicos defensores do chamado "tratamento precoce" com medicamentos contra a Covid-19, no Palácio do Planalto. O encontro foi organizado pelo deputado e ex-ministro Osmar Terra (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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SÃO PAULO – As apurações envolvendo a existência de um “gabinete paralelo” de aconselhamento extraoficial ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a pandemia do novo coronavírus devem ganhar uma nova investida na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado Federal.

O termo tornou-se conhecido há cerca de um mês, a partir do depoimento do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, demitido do Ministério da Saúde em meio a divergências com o mandatário, sobretudo em relação ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento de pacientes que contraíram a Covid-19.

A versão foi corroborada por depoimentos de outras testemunhas ouvidas pelo colegiado e por novos materiais que chegaram ao conhecimento dos senadores, passando a atrair a atenção dos integrantes do chamado G7 ‒ grupo majoritário da comissão, formado por parlamentares de oposição e independentes ao atual governo.

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Há relatos da participação dos filhos de Bolsonaro em reuniões estratégicas para o combate à pandemia, além de contatos frequentes de médicos defensores do uso de medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina com o núcleo próximo do presidente.

Um dos episódios narrados tanto por Mandetta quanto pelo diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, foi o de uma suposta tentativa de alterar a bula da cloroquina por decreto. Os dois falaram sobre a existência de uma minuta que tratava de tal modificação. A médica Nise Yamaguchi, porém, negou a articulação.

O chamado “gabinete paralelo” voltou aos holofotes na semana passada, com o ressurgimento de vídeo de reunião realizada no Palácio do Planalto em setembro de 2020 e transmitida nas próprias redes sociais de Bolsonaro, a partir de reportagem do site Metrópoles.

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O encontro foi organizado pelo deputado e ex-ministro Osmar Terra (MDB-RS) e não contou com a presença do general Eduardo Pazuello, à época ministro da Saúde.

A gravação mostra que o presidente recebeu de médicos defensores do uso da cloroquina no tratamento contra a Covid-19 a sugestão de criar um “gabinete das sombras” para participar das discussões envolvendo o enfrentamento à pandemia.

A indicação foi verbalizada pelo virologista Paolo Zanotto, que chegou a colocar em dúvida a eficácia e a necessidade de imunizantes contra a doença. “É como se fosse um ‘shadow cabinet’ (gabinete das sombras, em tradução literal), esses indivíduos não precisam ser expostos, digamos assim, à popularidade”, disse no vídeo.

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Na avaliação da cúpula da CPI da Pandemia, trata-se de mais uma prova da existência de aconselho alternativo sobre saúde no Palácio do Planalto ‒ e que muitas vezes ia de encontro com o que era recomendado pelo próprio Ministério da Saúde.

“Vídeo da reunião comandada por Bolsonaro para consagrar a cloroquina e demonizar a vacina levará a aterradora constatação. Talvez não mintam quando dizem não haver gabinete paralelo, mas sim ministério da saúde paralelo, que rejeitava a ciência, enquanto reinava o negacionismo”, afirmou o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da comissão.

O vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que a gravação é “a prova definitiva da existência do Gabinete Paralelo que a CPI já investigava”. O parlamentar é autor de requerimentos de convocação de Osmar Terra e Paolo Zanotto.

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Visão similar tem o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM). “Ele (Bolsonaro) sabe que o que estamos fazendo é mostrar fatos. E o fato de ter levantado que tinha um gabinete paralelo falando sobre saúde foi a CPI que levantou isso. Está aí. Quer prova maior do que essa reunião? Não tem”, disse em entrevista ao jornal O Globo.

Na última quinta-feira (3), reportagem do jornal Folha de S.Paulo também lançou luz sobre lives de aliados de Bolsonaro que detalhavam a atuação do “gabinete paralelo”. Apontado como idealizador do grupo, o ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub estimou em cerca de 300 o número de pessoas aconselhando o mandatário quanto ao uso da hidroxicloroquina.

Em ao menos duas lives, Weintraub e o anestesista Luciano Dias Azevedo, um dos médicos mais influentes entre os defensores do chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19, expõem detalhes da concepção e funcionamento da estrutura de aconselhamento paralelo.

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Integrantes da CPI da Pandemia decidiram analisar, nesta semana, os pedidos de convocação de integrantes do suposto “gabinete paralelo” ‒ apelidado pelo relator de “Ministério da Doença”.

Entre os nomes que podem ser chamados estão Osmar Terra, alvo de requerimentos de autoria dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Rogério Carvalho (PT-SE) e Randolfe Rodrigues. Paolo Zanotto também é algo de pedidos de Randolfe e do governista Luis Carlos Heinze (PP-RS), assim como Luciano Dias Azevedo, em requerimento assinado por Humberto Costa (PT-PE).

Duas semanas atrás, os membros da comissão também aprovaram requerimento para a convocação de Arthur Weintraub, que atualmente mora nos Estados Unidos como indicado pelo governo a um cargo na Organização dos Estados Americanos (OEA). Calheiros disse que a CPI pode mandar um representante ao país para ouvir o ex-assessor de Bolsonaro caso ele coloque empecilhos para vir ao Brasil depor.

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Além dos depoimentos, a CPI da Pandemia pode quebrar os sigilos telefônico e telemático de dois supostos integrantes do “gabinete paralelo”: o empresário Carlos Wizard e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República. Os requerimentos são do senador Alessandro Vieira.

De acordo com o parlamentar, Wizard deve ser ouvido para esclarecer a suspeita de que seria um dos financiadores do “ministério paralelo da saúde”. O parlamentar quer apurar ainda se “houve acréscimo no patrimônio” de Carlos Bolsonaro, que — segundo Alessandro Vieira — foi “chamado a participar e opinar em decisões que devem ser tomadas pelo governo federal”.

Outros depoimentos

A CPI da Pandemia tem 24 requerimentos na pauta. Além dos integrantes do “gabinete paralelo”, os parlamentares podem votar a convocação de outras seis testemunhas. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) sugere que o médico Antonio Jordão de Oliveira Neto seja ouvido no mesmo dia de Paolo Zanotto. Neto integra a Associação Médicos pela Vida, que em fevereiro pagou pela publicação de um anúncio pró-cloroquina em jornais de grande circulação.

A comissão pode votar ainda a convocação da médica Ludhmila Abrahão Hajjar, cotada para assumir o Ministério da Saúde após a demissão do general Eduardo Pazuello. O nome dela acabou sendo rejeitado pelo Palácio do Planalto, e o cardiologista Marcelo Queiroga assumiu o cargo. O senador Alessandro Vieira quer saber se o convite do presidente Jair Bolsonaro a Ludhmila Hajjar “pressupunha obediência a diretrizes” como “medidas e drogas contrárias ao consenso científico”.

O relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL), sugere a convocação de Felipe Cruz Pedri, secretário de Comunicação Institucional da Presidência da República. Segundo Calheiros, o órgão “tem, ou deveria ter, papel central nas ações de conscientização e informação da população”.

O senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou um requerimento para ouvir Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional. Ela deve apresentar dados do estudo “Mortes Evitáveis de Covid-19 no Brasil”. O senador Alessandro Vieira sugere ainda a convocação do desenvolvedor ou do técnico responsável pelo aplicativo TrateCov. Lançada pelo Ministério da Saúde em janeiro deste ano, a plataforma sugeria a prescrição de drogas como a cloroquina.

O último requerimento de convocação é para o presidente afastado da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo. O senador Randolfe Rodrigues quer ouvi-lo sobre a realização da Copa América, marcada para começar no dia 13 de junho. “O evento será sediado no Brasil, país que tem mais de 460 mil óbitos por covid-19, ocupa o segundo lugar do mundo em número de mortes e está na iminência de uma terceira onda da doença”, critica Randolfe.

Outras quebras de sigilo

Além do empresário Carlos Wizard e do vereador Carlos Bolsonaro, a CPI da Pandemia deve votar outros seis requerimentos para a quebra de sigilos. Entre os alvos estão ex-ministros Eduardo Pazuelo (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores).

Todos os pedidos de quebra de sigilo são apresentados pelo senador Alessandro Vieira. Ele afirma que houve “uma lamentável negligência do ex-chanceler (Ernesto Araújo) para conseguir vacinas e insumos para o Brasil”. Ainda de acordo com o parlamentar, sem os dados de Eduardo Pazuello, seria “praticamente impossível à CPI alcançar a verdade dos fatos”.

A comissão pode votar ainda a quebra dos sigilos de outros quatro auxiliares do Palácio do Planalto:

Pedidos de informações

A CPI da Pandemia também pode votar seis pedidos de informação — cinco deles apresentados pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM). No primeiro requerimento, o parlamentar quer acesso a dados sobre testagens da população para o diagnóstico da covid-19.

Em outros quatro pedidos, Aziz busca esclarecer pontos do depoimento da oncologista Nise Yamaguchi, que falou à CPI em 1º de junho. O presidente pede ao Ministério da Saúde informações sobre eventuais contratos ou repasses de recursos para pessoas jurídicas que tenham a médica como sócia. O senador requer ainda que as companhias aéreas Latam, Gol e Azul informem os registros de voo realizados com destino a Brasília por Nise Yamaguchi e dois irmãos dela, Greici Yamaguchi e Charles Takahito.

A comissão também pode votar um requerimento do senador Randolfe Rodrigues, que sugere uma perícia da Polícia Federal no aplicativo TrateCov. Ele quer investigar declarações do ex-ministro Eduardo Pazuello e da secretária Mayra Pinheiro, segundo as quais a plataforma teria sido alvo de hackeamento e extração indevida de dados.

(com Agência Senado)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.