“Copa 2022”: saiba como funcionava o grupo secreto dos “kids pretos” em aplicativo

De acordo com investigação da Polícia Federal, militares utilizavam codinomes em referência a países, como Alemanha, Áustria, Japão e Gana, para “não revelar as suas verdadeiras identidades"

Fábio Matos

Ministro do STF Alexandre de Moraes
11/04/2024
REUTERS/Jorge Silva
Ministro do STF Alexandre de Moraes 11/04/2024 REUTERS/Jorge Silva

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De acordo com as investigações da Polícia Federal (PF), os militares de Operações Especiais – conhecidos como “kids pretos” – criaram um grupo secreto na plataforma Signal para discutir um suposto plano que tinha como objetivo principal a prisão e o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo a PF, o plano era capturar Moraes no dia 15 de dezembro de 2022, ainda durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ocorreu no dia 1º de janeiro de 2023.

Foram presos, na operação deflagrada pela PF, quatro militares das Forças Especiais: o tenente-coronel Helio Ferreria Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo, o major Rafael Martins de Oliveira e o general de brigada Mario Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo Bolsonaro.

Também foi detido o agente da PF Wladimir Matos Soares.

“Copa 2022”

De acordo com o despacho do ministro Alexandre de Moraes, do STF, com base nas investigações da PF, os “kids pretos” criaram um grupo denominado “Copa 2022” para discutir o plano golpista. Eles utilizavam codinomes em referência a países, como Alemanha, Áustria, Japão e Gana, para “não revelar as suas verdadeiras identidades”.

Ainda de acordo com a PF, os integrantes do grupo “Copa 2022” habilitaram suas linhas telefônicas no dia 3 de dezembro de 2022 “em horários próximos e praticamente de forma sequencial”. Essas linhas estavam ligadas ao CPF de pessoas que não tinham qualquer envolvimento no plano.

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Segundo os investidores, essa é uma estratégia de “anonimização”, normalmente “empregada na doutrina de Forças Especiais do Exércitos para não permitir a identificação do verdadeiro usuário”.

“Além dos elementos acima relatados pela autoridade policial, nos diálogos também surge a denominação ‘Copa 2022’, nome do arquivo que foi encaminhado por RAFAEL DE OLIVEIRA para MAURO CÉSAR BARBOSA CID. O mesmo nome, posteriormente, seria utilizado para nomear o grupo do aplicativo SIGNAL em que estavam os responsáveis por executar a ação clandestina de prisão/execução de Ministro do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”, anotou Moraes na decisão.

“O conjunto de ações identificado pela investigação policial foi denominada, pelos investigados, de ‘Copa 2022’, contendo ‘elementos típicos de uma ação militar planejada detalhadamente, porém, no presente caso, de natureza clandestina e contaminada por finalidade absolutamente antidemocrática’”, destaca Moraes.

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“Conforme combinado, no dia 15 de novembro de 2022, o Major RAFAEL MARTINS DE OLIVEIRA encaminha um documento protegido por senha intitulado ‘Copa 2022’ que, pelo teor do diálogo, seria uma estimativa de gastos para subsidiar, possivelmente, as ações clandestinas, que seriam executadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022.

RAFAEL DE OLIVEIRA diz: ‘Tô com as necessidades iniciais’ e em seguida encaminha o documento. Em seguida adverte: ‘O Uni tá bugado!! Depois apaga’. Pelo contexto, RAFAEL DE OLIVEIRA tentou repassar o arquivo por meio do aplicativo ‘UNA’ utilizado pelo Exército brasileiro. Devido a algum problema, ele encaminhou para MAURO CID por meio do aplicativo WhatsApp.

[…]

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Em seguida, MAURO CID insiste em uma estimativa de valor total. RAFAEL DE OLIVEIRA diz: ‘Aquele valor de 100 se encaixa nessa estimativa’. MAURO CID demonstra premência em obter a informação. Diz: ‘Preciso urgente’. RAFAEL DE OLIVEIRA esclarece que incluiu o ‘material em dinheiro’, além da locomoção.”, detalha o ministro do Supremo.

O magistrado prossegue:

“Em relação à ação clandestina programada para o dia 15/12/2022, em conjunto com as demais medidas para a consumação de um golpe de Estado, os dados analisados pela Polícia Federal demonstram a participação de pelo menos 6 (seis) pessoas. Segundo a autoridade policial, para dificultar o rastreamento das atividades ilícitas, os investigados:

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(a) habilitaram linhas de telefonia móvel em nome de terceiros, sem qualquer relação com os fatos investigados;

(b) criaram um grupo denominado ‘Copa 2022’ no aplicativo de mensagens SIGNAL; e

(c) receberam um codinome associado a países (Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana) para não revelarem suas verdadeiras identidades.

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Ressaltou a autoridade policial que ‘dois integrantes do grupo não alteraram seus nomes no aplicativo, permanecendo com os nomes já cadastrados, mas que, da mesma forma, dificulta a confirmação de suas reais identidades’”.

Foram identificados os seguintes terminais telefônicos:

Nome cadastrado no grupo: Brasil

2. Linha telefônica: 61981790635

Nome cadastrado no grupo: Gana

3. Linha telefônica: 61981790624

Nome cadastrado no grupo: Argentina 2

4. Linha telefônica: 6198170629

Nome cadastrado no grupo: Áustria

5. Linha telefônica: 61981789891

Nome cadastrado no grupo: teixeiralafaiete230

6. Linha telefônica:31972082033

Nome cadastrado no grupo: Diogo Bast

Assim, utilizando os referidos prefixos telefônicos e os codinomes supracitados, os envolvidos compartilharam mensagens no dia 15 de dezembro de 2022 por meio do aplicativo SIGNAL, revelando detalhes de como a ação se desenvolveu.

As investigações demonstraram, inclusive, que RAFAEL MARTINSDE OLIVIERA participou da ação se utilizando do codinome “Diogo Bast”, que também seria referência ao codinome “Japão”.

As mensagens do referido grupo no dia 15 de dezembro de 2022 foram detalhadas pela Polícia Federal na representação e confrontadas com os demais elementos de prova, nos seguintes termos:

Afirma a autoridade policial que, do teor das mensagens trocadas entre os investigados, é possível concluir que a pessoa associada ao codinome “teixeiralafaiete230’ exercia o papel de liderança do grupo, e que a ação desenvolvida tinha relação com a notícia do adiamento da votação que estava sendo realizada no dia 15/12/2022 no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

A troca de mensagens entre os membros do grupo “copa 2022” prosseguiu, indicando, de fato, a liderança da pessoa associada ao usuário “teixeiralafaiete230”, e a desmobilização do plano na data de 15 de dezembro de 2022:

“As conversas no grupo ‘copa 2022’ prosseguiram, evidenciando a liderança de ‘teixeiralafalete230’ e os procedimentos de desmobilização dos investigados. Conforme exposto, ‘teixeiralafaiete230’ determinou a ‘Áustria’ que voltasse ‘ao local de desembarque’. Na mensagem, ele diz ‘estamos aqui ainda’, indicando que estava acompanhado de pelo menos mais uma pessoa. Em seguida, ‘teíxeiralafaiete230’ continua orientando os integrantes do grupo. Diz: ‘Gana….prossegue para resgate com Japão’. Logo depois, relata que a pessoa de codinome ‘Brasil’ já teria ido para o ‘ponto resgate’, revelando a existência de um local pré-estabelecido para que os integrantes da ação clandestina fossem resgatados. ‘teixeiralafaiete230’ ainda passa instruções sobre um veiculo possivelmente utilizado na ação. Diz: ‘Moto fica onde parou. Tira bateria…e coloca capa’.”

Plano para matar Lula, Alckmin e Moraes

Segundo as investigações, o grupo tinha o objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e teria planejado, inclusive, um plano para assassinar o petista, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do STF.

A investigação da Polícia Federal demonstra que as ações operacionais ilícitas executadas por militares com formação em Forças Especiais (FE) do Exército, com participação de General de Brigada da reserva, e com a finalidade, inicialmente, de monitoramento de Ministro desta SUPREMA CORTE, para a execução de sua prisão ilegal e possível assassinato e, posteriormente, com o planejamento dos homicídios do Presidente e Vice-Presidente eleitos – LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e GERALDO ALCKMIN – , com a finalidade de impedir a posse do governo legitimamente eleito e restringir o livre exercício da Democracia e do Poder judiciário brasileiro, tiveram seu auge a partir de novembro de 2022 e avançaram até o mês de dezembro”, anota Moraes.  

“O membro do grupo nominado ‘Gana’ troca mensagens em Chat privado, no aplicativo Signal, com o Major RAFAEL DE OLIVEIRA. Ele evidencia dificuldades para chegar até o ponto de encontro acordado com o grupo (‘ponto de resgate’).

Às 21h26 de uma quinta-feira ele procura um táxi para se deslocar. Diz: ‘Sanhaço pera achar táxi. Mas vou chegar. Kkkk’. Em resposta, RAFAEL DE OLIVEIRA pergunta: ‘Quer que te pegue?’

[…]

Em seguida, às 21h33min, ‘Gana’ envia uma mensagem de voz em que descreve sua dificuldade em achar um táxi. Diz: ‘Cara acabei de chegar um ponto de táxi aqui tinha um maluco só que ele falou que tava indo buscar um passageiro e ia chamar um táxi aqui pra mim tá ligado? Dá uns cinco minutinho aqui pra verse, se chega. Eu acho que agora vai resolver, Mas tá pica, mané. Essa hora não tem táxi em lugar nenhum, né’.

Em resposta, o então Major RAFAEL DE OLIVEIRA, ao tomar ciência do tempo que ‘Gana’ levaria para sair do local diz: ‘Foda. Esse é o tempo de ‘exfiltração’. Nesse ponto, a IPJ descreveu o conceito do termo ‘exfiltração’, conforme o ‘Glossário de Termos e Expressões para Uso no Exército’, publicado em 2018. O documento define o termo ‘exfiltração’ como “Técnica de movimento realizado de modo sigiloso com a finalidade de retirar forças, pessoal isolado ou material do interior de território inimigo ou por ele controlado.”

A contextualização dos fatos indica que a pessoa de codinome ‘Gana’ estaria no chamado ‘território inimigo’, evidenciando que os investigados estavam executando uma ação clandestina com emprego de técnicas militares”. Consta, ainda, que as mensagens trocadas entre os interlocutores demonstram que “Gana” se deslocou do final da Asa Sul, em Brasília/DF, até o shopping Pátio Brasil, enquanto RAFAEL DE OLIVEIRA estava em algum ponto de interesse.

Segundo a autoridade policial, “’o local inicial, onde a pessoa com o codinome ‘Gana’ estava para cumprir a ação planejada, reforça que os investigados estavam executando um plano para, possivelmente, prender o Ministro ALEXANDRE DE MORAES, no dia 15 de dezembro de 2022’”, completa o magistrado.

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”