Arma da oposição há um ano, novas eleições viram carta na manga do governo

Embora as chances de a ideia vigorar sejam pequenas, não está descartado apoio do governo

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Enquanto o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff avança no Congresso Nacional e o clima de tensão política não dá sinais de trégua no futuro próximo, volta a ganhar força em Brasília a ideia da convocação de novas eleições presidenciais como alternativa ao impasse instaurado. Uma proposta de emenda à Constituição apresentada por um grupo de seis senadores hoje é assinada por 30 parlamentares interessados em discutir a questão, sejam eles favoráveis ou contrários ao afastamento da atual mandatária. O texto prevê que uma nova corrida às urnas ocorra simultaneamente ao pleito municipal deste ano. Ao final de 2015, a mesma ideia chegou a ser apontada como melhor saída pelas principais lideranças do PSDB, mas ultimamente tem sido tratada como carta fora do baralho pela oposição.

Seja um lado ou outro que esteja ocupando as ruas do Brasil nesse momento, estão reclamando da mesma conclusão: o sistema político brasileiro se esgotou. O sistema de cumpliciamento com interesses privados se esgotou e é necessário ocorrer um freio de arrumação”, afirmou da tribuna da casa o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), um dos autores da atual proposta. “Não é uma saída para a presidente ou para o governo atualmente de plantão. É uma saída para o Brasil. Não há remédio melhor na política do que a soberania do voto popular, do que o povo ser chamado para escolher os novos destinos”, complementou o parlamentar opositor ao governo em seu discurso.

Poucos dias depois, o senador peemedebista Valdir Raupp (PMDB-RO) surpreendeu seus correligionários e pares no parlamento ao apoiar a pauta que fora defendida pelos tucanos, que tem deixado de lado essa possibilidade com o avanço do impeachment e o eventual ganho de importância com Michel Temer na presidência. “A própria convocação de eleições diretas para Presidente da República, além de aplacar o povo brasileiro, permitirá também que os agentes econômicos e investidores passem a ter confiança no retorno do Brasil a um cenário de previsibilidade e governabilidade já no próximo ano. As eleições diretas afastariam o temor de que esse cenário de crescente paralisia econômica possa se prolongar indefinidamente”, disse em discurso em plenário. O nome do parlamentar, no entanto, hoje não consta entre as assinaturas da proposta apresentada no Senado. A grande maioria peemedebista na Câmara e no Senado tem se manifestado favorável ao afastamento de Dilma.

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Na medida em que o impeachment avança no Legislativo, com a derrota do governo na Câmara e o encaminhamento do processo ao Senado, a proposta pela convocação de novas eleições — seja por PEC ou referendo — passou a ser uma das principais ameaças às aspirações políticas do vice Michel Temer, primeiro na linha sucessória caso Dilma seja de fato afastada. O peemedebista já costura acordos, conversa sobre ministérios e planeja medidas a serem implementadas para o momento em que assumir o cargo interinamente enquanto a mandatária estiver submetida pelo possível crime de responsabilidade. A ideia que novas eleições sejam realizadas pode provocar constrangimento ao vice e, assim como outras ofensivas recentes do governo, mira desgastar sua legitimidade política, em última instância, inviabilizando sua gestão.

“Se não tivermos a grandeza de entender o momento e a maturidade e a responsabilidade para resolver essa questão, sairá uma solução fora da política. E me desculpem dizer, fora da política não há solução sustentável. Fora da política, teremos ou uma bravata ou um outsider da política que, no outro dia em que se sentar na cadeira, não saberá para onde ir. E vamos pagar um preço ainda maior”, argumentou da tribuna o presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá (RR), um dos homens de confiança de Temer na articulação para próximo governo. Na avaliação dele, a aplicação de novas eleições fora do período previsto seria um golpe — termo usado por governistas e grupos contrários ao impeachment para caracterizar o processo a que se opõem, com a alegação de que não há crime de responsabilidade na acusação.

Em entrevista ao InfoMoney, o advogado de Direito Constitucional Marcones Santos, sócio do escritório Lopes, Leite & Santos Advogados Associados, disse que a argumentação de que há um descrédito da atual presidente e do primeiro da linha sucessória não bastaria para dar legalidade à PEC por novas eleições. Por mais que essa seja a saída mais defendida pela população brasileira atualmente, diz o especialista que o processo desrespeitaria as regras em curso na democracia nacional. De acordo com pesquisa realizada pelo Ibope entre 14 e 18 de abril, 62% dos entrevistados preferem a saída pelas urnas. “A democracia é realmente a essência do povo, para o povo e pelo povo. Mas, de qualquer forma, a democracia, para que seja plena, tem que ter garantia e tem que ter uma Constituição que esteja acima dessas intermitências políticas. A política é o primeiro degrau para que se chegue ao último, que é a Constituição. Ela não pode se balançar com o clamor das ruas”, afirmou Santos.

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Para o advogado, na prática, a PEC apresentada se trata de uma espécie de “impeachment branco”. Por não demandar crime de responsabilidade, não garantir ampla defesa ao presidente em exercício e ter tramitação mais simples que o impeachment, o mecanismo pode trazer vulnerabilidades ao sistema político brasileiro, abrindo precedentes prejudiciais. Para ser aprovada, a proposta precisaria conquistar apoio de 3/5 de cada casa em dois turnos (308 na Câmara e 49 no Senado), enquanto o impeachment exige 2/3 (342 na Câmara e 54 no Senado). “No processo de impeachment, há um rito que prevê ampla defesa. No caso de Temer [novas eleições], haveria esse direito constitucional dado pelo voto [popular] retirado dele sem garantia de defesa alguma”, explicou Santos.

“Embora ostente roupagem democrática de alternativa de solução, a convocação de novas eleições não foi opção adotada pelo constituinte de 1988. Nos artigos 77, 79, 80, 81 e 82 da Constituição são tratadas questões mandamentais e expõem a rigidez sobre flexibilizações na estrutura governamental”, escreveu o Marcones Santos em artigo. “Andar fora dos trilhos da Carta Magna é sempre a opção mais desacertada, mesmo em tempos de dificuldades e de crise que em verdade são momentos históricos de consolidação das instituições”, complementou.

Para o professor da Escola de Direito da FGV/SP Rubens Glezer, há dois entraves importantes para a PEC. O primeiro estaria previsto no art. 16º da Constituição Federal (A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”), que pode ter uma interpretação literal ou não. O segundo seria no caso de o processo ser entendido como “impeachment branco”, o que poderia legitimar interferência do Supremo Tribunal Federal no sentido de obstruir. “Caso mostre que é uma saída que fortalece a democracia, sobrevive, senão é barrada”, afirmou Glezer em entrevista à reportagem. “O fiel da balança vai ser a legitimidade democrática dos termos dessa PEC”.

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Na avaliação do especialista, para que a proposta tenha chances de vigorar, seria necessário haver um consenso político, não o “exercício do poder de ocasião”. Glezer vislumbra uma tendência de ilegitimidade da ideia de se convocar novas eleições neste momento por PEC. Esta poderia ser uma alternativa de emergência, com validade no caso de o mundo político conquistar a legitimidade necessária para oferecer a solução no caso dos demais mecanismos fracassarem. Outra justificativa apresentada pelos autores em defesa da da PEC que tramita no Senado seria um precedente aberto por emenda constitucional permitida pelo Supremo pela prolongação de mandatos de prefeitos e vereadores no começo da década de 1980. Neste ponto, Glezer vê grande fragilidade, em se tratando de jurisprudência de outra legislação, anterior à Carta hoje em vigor.

Embora as chances de a ideia vigorar hoje sejam consideradas pequenas pelos agentes políticos, não está descartada a possibilidade de o governo apoiá-la. Chamou atenção na véspera o fato de o tema ter sido tratado durante a sessão na comissão que analisa o impeachment no Senado, quando os acusadores Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior foram ouvidos pelos parlamentares. Senadores de expressão na base governista fizeram questão de defender a legalidade da medida quando ela foi criticada pela advogada e professora da USP, mesmo que não falem abertamente que essa seria a melhor alternativa. O momento ainda é de estudo e a posição da base hoje soa mais como um pedido de discussão da proposta para gerar constrangimento. Para analistas políticos, levar a ideia adiante poderia representar grave erro do governo e atrapalhar em sua defesa contra o impeachment de Dilma. Nem mesmo o plebiscito com o mesmo tema pode escapar do rótulo de casuísmo.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.