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O projeto de lei complementar que trata do novo arcabouço fiscal, encaminhado na última terça-feira (18) pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional, tem pontos que desagradaram os parlamentares e podem ser alvo de emendas durante a tramitação no Poder Legislativo.
Um dos dispositivos mais mencionados pelos congressistas flexibiliza mecanismos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que buscam garantir o cumprimento de metas de resultado primário (ou seja, o saldo entre o montante arrecadado e as despesas, sem considerar juros da dívida pública) por parte do governo.
Pelo texto, o não atingimento dos objetivos estabelecidos não configuraria mais crime de responsabilidade, prática que poderia ensejar pedidos de impeachment e a responsabilização de agentes públicos envolvidos.
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Na prática, a iniciativa funcionaria como uma espécie de blindagem a futuros governos do fantasma experimentado durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), afastada do cargo pelas chamadas “pedaladas fiscais”.
Na avaliação do líder do PP na Câmara Deputados, André Fufuca (MA), a mudança deverá passar por mudanças durante a tramitação do projeto de lei complementar. “Vai virar uma fábrica de pedalada fiscal aquilo ali”, criticou.
“A proposta do novo arcabouço, além de frágil do ponto de vista fiscal, é quase nula do ponto de vista punitivo. Qual o incentivo de se cumprir uma regra que não tem punição”, questionou o presidente do Partido Novo, Eduardo Ribeiro.
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No lugar do risco de incorrer à prática de crime de responsabilidade, o texto determina que o presidente da República envie uma carta ao Congresso Nacional explicando as razões para o não cumprimento das metas fiscais e apontar as medidas que serão tomadas.
Conforme apurou o jornal O Estado de S.Paulo, integrantes da oposição vão trabalhar para que o dispositivo que retira o risco de sanção nem chegue ao relatório da proposta na Câmara. O presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL), escolheu o experiente deputado Cláudio Cajado (PP-BA) para a relatoria do texto.
“É uma inovação para permitir pedalada. A Lei de Responsabilidade Fiscal é clara neste aspecto: se há descumprimento da meta fiscal, há necessidade de que haja a justificativa por parte do governo e anuência do Congresso Nacional”, afirmou o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN). “Se a partir de agora basta o presidente mandar ofício dizendo ‘tô descumprindo’, há afrouxamento do acompanhamento dessa trajetória da dívida pública”.
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“Estamos voltando ao mundo pré-LRF, quando se divulgava um objetivo de arrecadação e de gastos, sem qualquer compromisso com a meta. A resultante disso será o aumento do endividamento público”, observa o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), que é vice-líder do governo na Câmara.
Outra flexibilização na LRF criticada pelos congressistas foi a retirada da obrigatoriedade para o contingenciamento de despesas a cada bimestre quando o governo verificasse que não atingiria o objetivo fiscal estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O que a legislação estabelecia como obrigação o projeto quer deixar como mera possibilidade.
A única sanção prevista no projeto de lei complementar para o não atingimento da meta de resultado primário é a redução do fator de correção do limite de despesas em relação às receitas verificadas no exercício anterior.
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A norma estabelece que, até o exercício de 2027, as despesas públicas devem ter crescimento real ente 0,6% e 2,5% a cada ano. Considerando este intervalo, a regra define que o aumento se dê a uma razão de 70% do avanço das receitas (excluindo fontes extraordinárias). Caso a meta de resultado primário não seja cumprida em um ano, o ajuste das despesas no exercício seguinte cai para até 50% do crescimento das receitas.
“A única penalidade seria reduzir o crescimento dos gastos reais do ano posterior. Note bem: não seria reduzir os gastos para forçar o ajuste, mas reduzir seu crescimento a 50% do aumento da receita”, diz nota elaborada pela equipe técnica da bancada do Partido Novo.
O partido também vê como negativo o fato de o projeto impor metas ajustáveis de resultado primário. Ao contrário do que foi anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, somente o objetivo do ano seguinte à elaboração da LDO é estabelecido. Para os demais exercícios, o texto fala em exposição de projeções.
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Pedro Paulo também chama atenção para a ausência no texto da indicação de “gatilhos” com medidas que precisariam ser acionadas pelo governo federal em caso de não cumprimento das metas fiscais estabelecidas.
“Aparentemente, deixa de existir uma ‘meta’ de resultado fiscal da forma como é conhecida na LRF. O objetivo do governo é zerar o déficit das contas públicas de 2024 e registrar superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1,0% em 2026. A ‘trajetória de resultado primário’ tem caráter apenas indicativo, sem efeito vinculante, na medida em que se admite o seu descumprimento, do que resultará, para fins de cálculo do limite do crescimento da despesa, um percentual menor (de 70% para 50%) da variação da receita do período anterior”, avalia.
Além disso, todos os parâmetros são ajustáveis para cada novo ciclo de governo. Por um lado, o mecanismo facilita a sobrevivência do arcabouço fiscal ao longo de distintos processos políticos, econômicos e sociais. Por outro, pode tornar a regra “frouxa”.
Outro ponto criticado pelos parlamentares foi a manutenção de exceções hoje permitidas pelo teto de gastos, como capitalização de estatais (exceto bancos públicos, que ficarão sujeitos à regra), precatórios (dívidas judiciais da União) e piso da enfermagem. Ao todo, são 13 exceções.
“São 13 tipos de despesas que não serão contabilizadas nos limites atuais! Fica muito difícil defender a credibilidade de uma regra de despesa com tantos ‘vazamentos’ e me parece trazer uma distorção entre receitas e despesas”, pontua Pedro Paulo.
“Ao se excluir da regra despesas cujos aumentos futuros não estão limitados por força de lei, como por exemplo as despesas para complementações do Fundeb e para os pisos nacionais de enfermagem, não está se criando um incentivo ao aumento de despesa obrigatória sem contrapartida de uma fonte de compensação?”, questiona.
“Em que pese ser uma despesa meritória, prioritária e reconhecida como ‘investimento’, não há no atual contexto razões para que despesas dessa natureza fiquem fora do teto de gastos, uma vez que tais exclusões podem estimular crescimento real fiscalmente irresponsável, que compromete os resultados fiscais e a sustentabilidade da dívida”, prossegue.
Leitura similar tem o deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE). “O excesso de excludentes pode dar espaço para o desequilíbrio das contas, fragilizando a luta para baixar os juros e conter a inflação”, afirma.
Fufuca também pontuou a falta de esclarecimentos por parte da equipe econômica sobre o aumento de receitas que viabilizará a nova regra fiscal. “Falam que tem de ter aumento de receita, mas, se não tiver aumento de tributo, vai ser de quê?”, disse. Ele está descrente quanto ao prazo dado por Lira para que o texto seja votado na Câmara, 10 de maio. “Hoje não teria (votos para aprovação), mas depende do texto que vai ser construído.”
E Pedro Paulo também destaca o aspecto metodológico usado pelo texto com a definição da receita utilizada e, sobretudo, o período de verificação da inflação (o realizado de janeiro a junho, somado a projeções para o intervalo de julho a dezembro do ano anterior ao referido pela LRF), que abrirá brecha para superestimação. Além da ausência de abordagem do governo para a dinâmica das despesas obrigatórias, que tradicionalmente crescem em velocidade muito acima dos demais gastos públicos.
“Dentre todas as regras que o Brasil já criou, entendo que é a regra de maior risco de furo, repleta de exceções e sem qualquer responsabilidade pelo descumprimento. Parece-me que a aprovação do texto, na forma como está, encomenda uma ou uma combinação dessas possibilidades: 1) aumento de carga tributária; 2) aumento de inflação; 3) descumprimento de cláusulas e condições de pagamento da dívida pública”, afirma.
“É preciso melhorar muito no Congresso. Não é uma regra fiscal, é apenas um conjunto de intenções otimistas”, conclui.
Sem vida fácil
A bancada do PT na Câmara retirou elogios ao ministro Fernando Haddad de uma nota divulgada em defesa do arcabouço fiscal. O texto diz que a bancada do partido contribuirá para o “aprimoramento e a aprovação” da proposta.
A primeira versão da nota citava, logo no início, o êxito de Haddad em contornar a maioria das dificuldades herdadas do governo passado, mesmo com o elevado patamar da taxa de juros. A versão final divulgada para a imprensa, porém, não cita o ministro.
O texto fala dos “compromissos do presidente Lula para estimular o crescimento econômico e gerar empregos e renda”. “Trata-se de um objetivo estratégico de resgate da economia brasileira, sob amparo de um modelo sustentável, que respeite o meio ambiente e os direitos sociais e trabalhistas da população”, diz a nota.
O documento final, diferentemente da primeira versão, adota um tom mais social, e menos econômico, com menor enfoque ao arcabouço.
(com Agência Estado)