“Apolítico” e workaholic: a vitória de João Doria tem seus primeiros impactos no Brasil

Com o discurso de "não-político", tucano foi eleito prefeito de SP com mais de 53% dos votos válidos

Lara Rizério

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SÃO PAULO – João Doria, 58 anos, é o improvável novo prefeito de São Paulo. Contra todas as indicações feitas antes do início da curta campanha, o candidato tucano passou de desafeto político inclusive dentro de seu partido para o primeiro prefeito eleito no primeiro turno em São Paulo da história, com 53,29% dos votos válidos.

Com o discurso de “apolítico”, Doria disputou nesta eleição (e levou) o primeiro cargo eletivo, deixando para trás o prefeito atual Fernando Haddad (PT), com 16,70% dos votos válidos.  Antes disso, o jornalista e publicitário foi apresentador de televisão, com programas na TV Bandeirantes, Manchete e Rede TV!. Empresário, tem um grupo de marketing que promove eventos e iniciativas culturais e publicações.

Em 2003, fundou o Grupo de Líderes Empresariais (Lide), entidade com 1,7 mil empresas filiadas, com a reunião de uma série de empresários que faz encontros com políticos e personalidades. 

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Perfil
Apesar de se denominador um antipolítico, o que o fez ganhar muitos votos, ele já foi nomeado para cargos na esfera pública. Ele foi secretário de Turismo da capital paulista na gestão do então prefeito Mário Covas e presidente da Embratur (Empresa Brasileira de Turismo) no governo do presidente José Sarney. E foi durante sua atuação no governo que ele conheceu seu principal padrinho político, o governador Geraldo Alckmin (e também o maior beneficiário com a eleição de Doria).

“Conheci o Doria no governo Montoro. Mas foi no governo Covas que convivemos mais intensamente, porque ele ajudava muito a dona Lila [Covas]”, disse Alckmin para a Folha.

Estereotipado pelo perfil “coxinha”, Doria passou a adotar um estilo mais casual e traçou estratégias para quebrar a resistência do eleitorado. Dizia que não era o candidato dos ricos e sim “o” candidato rico. Além disso, passou a adotar o discurso de “João trabalhador” – que chegou a virar inclusive “Jão Trabalhador”.

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Ao público, apresentou-se como o filho de João Agripino Doria, deputado federal cassado pelo golpe militar de 1964, um “nordestino orgulhoso de sua terra”. Ele destaca em sua trajetória que começou a trabalhar aos 13 anos, em uma agência onde seu pai tinha sido diretor. 

Considerado centralizador, o prefeito eleito cuidou da campanha em seus mínimos detalhes, como o número de santinhos a serem impressos, informa a Folha. Além disso, ele tem uma grande mania de organização. Pessoas próximas a ele destacam ao jornal também que Doria replica mesmo em ambientes privados a personalidade que exibe na televisão. Workaholic, Doria admitiu em entrevista que acostumou-se a dormir 3 horas por noite para conseguir ser mais produtivo.

Polêmicas
Apesar da curta campanha, Doria foi alvo de situações polêmicas e até mal explicadas nos últimos meses. Quando ainda era candidato à prefeitura, ele sofreu uma derrota na Justiça e devolveu para a prefeitura de Campos de Jordão, cidade do interior paulista, uma viela sanitária de 365m² que havia sido incorporada ao terreno dele. “Para evitar maiores celeumas e contra a orientação de seus advogados, João Doria providenciará a devolução da área. Fará uma petição à prefeitura dizendo que cumprirá a devolução da área sem qualquer ônus para a administração”, disse o tucano nota enviada pela campanha.

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O tema foi inclusive motivo de constrangimento durante sua entrevista para o jornalista Cesar Tralli durante o jornal SPTV, transmitido pela Rede Globo de Televisão.

Ainda na cidade, outra questão. A BBC Brasil indagou o tucano sobre uma reportagem de 2005 da Veja São Paulo, que relatava que ele mandava seus funcionários limparem sapatos de hóspedes de sua casa em Campos do Jordão. “Não, não. Vamos falar de coisas sérias. Estamos em campanha. Vamos falar de coisas sérias. Nunca aconteceu. Vamos falar de coisas sérias. Falar de temas da cidade. Obrigado, viu? Um abraço.” E desligou.

Além disso, ainda há quem defina que o Lide é uma espécie de lobby de Doria, entre eles seus adversários na eleição de São Paulo. Outra acusação contra ele é de que, mesmo, com um discurso favorável a privatizações e redução de despesas públicas, recebeu aportes em suas empresas de pelo menos R$ 10,6 milhões de estatais desde 2005. Deste total, R$ 6 milhões vieram das gestões de Lula e Dilma Rousseff. 

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Prioridades
Com relação às suas propostas, Doria assumiu discurso pró-privatização e prometeu vender bens municipais como o Anhembi, o autódromo de Interlagos, o estádio do Pacaembu e o Jóquei Clube. Segundo o tucano, os recursos serão empregados na educação e saúde, sua prioridade “1, 2 e 3”.

Ele também pretende fazer parcerias com entidades privadas para aumentar o número de vagas nas creches e também quer usar hospitais particulares para zerar a fila de espera por exames.

Seu primeiro ato como prefeito, no entanto, já foi anunciado durante a campanha e reiterado no último domingo: alteração do limite antigo de velocidade nas Marginais e reavaliar as restrições colocadas nas demais vias. “Só não mudamos no dia seguinte porque é preciso arrumar as placas, a sinalização”, afirmou em entrevista ao Bom Dia São Paulo nesta segunda-feira. As velocidades voltarão a ser de 90 km/hora, 70 km/hora e 60 km/hora – na gestão Haddad, elas passarão a ser de 70, 50 e 40 km/hora, respectivamente.

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Doria, por sua vez, não quis adiantar nomes para o seu secretariado. Porém, sempre com a bandeira da “eficiência”, afirmou que pretende diminuir o número de pastas e aumentar a sua eficiência.

O verdadeiro “vencedor” da eleição de Doria
Apesar do empresário ter se tornado prefeito de São Paulo, o verdadeiro vencedor dessa campanha pode ser considerado outro tucano: Geraldo Alckmin. Por muito tempo considerado um homem sem expressão dentro do partido – o que lhe atribuiu inclusive o apelido de “picolé de chuchu” -, o governador de São Paulo bancou a candidatura de Doria, batendo de frente com outros caciques do PSDB – como FHC e Alberto Goldman -, que preferiam ver Andrea Matarazzo como candidato do partido.

Durante evento em São Paulo na sexta-feira passada (antes das eleições), o chefe de pesquisa para mercados emergentes da Eurasia, Christopher Garman, havia dito que a subida do candidato tucano nas pesquisas, que se mostra um outsider, dava sinais de que a população está em busca de um novo perfil de político, o que poderia fazer dele um caso emblemático para as eleições de 2018.

Já o analista político da XP Investimentos, Richard Back, afirma que tanto a eleição de Doria em São Paulo quanto de ACM Neto em Salvador foram marcadas por um discurso mais liberal, que podem indicar uma nova direção para as lideranças políticas brasileiras. “Isso obviamente não faz com que a agenda ande por si só no Congresso, mas é importante que os líderes eleitos para governarem cidades importantes tenham essa visão. O Brasil entra em um novo momento”, disse Back em relatório enviado a clientes.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.