Apesar de exceções, reforma tributária promove avanço “cavalar” no sistema brasileiro, diz Appy

Pai da proposta original discutida no Congresso, secretário do Ministério da Fazenda acredita que "espinha dorsal" do texto será mantida no Senado

Marcos Mortari

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Mesmo com concessões feitas a setores específicos da economia, com a criação de regimes especiais e alíquota diferenciada para determinados bens e serviços, a versão da Proposta de Emenda à Constituição que trata da reforma tributária (PEC 45/2019) aprovada pela Câmara dos Deputados deve trazer avanços significativos para o sistema de cobrança dos impostos indiretos no Brasil. É o que avalia o economista Bernard Appy, secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda.

Considerado o “pai” da proposta original de reforma tributária sobre o consumo debatida pelo Congresso Nacional nos últimos quatro anos, Appy diz que o texto construído pelos parlamentares substitui um modelo fragmentado, complexo e repleto de distorções em vigor por outro mais simples, com ampla base de incidência, não cumulativo e que vai reduzir o elevado estoque de contenciosos jurídicos e administrativos existente no país, além de combater a sonegação.

“O saldo é bastante positivo. Obviamente, gostaríamos que houvesse menos exceções. Foi o necessário para viabilizar politicamente a reforma. Mas, se pensarmos no desenho geral, o avanço é absolutamente cavalar em relação ao que temos hoje. Em vez de um sistema tributário com a fragmentação enorme da base de incidência, vamos passar a ter dois IVAs com uma única legislação”, disse.

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“Na prática, é um IVA dual, um único imposto, com uma parte federal e outra dos estados e municípios, com base ampla de incidência, tributação no destino. Vai acabar com todos os benefícios fiscais dos tributos indiretos que existem hoje no país. Vai ter um sistema de cobrança extremamente simples, totalmente eletrônico, e não cheio de casos específicos de regimes especiais”, prosseguiu.

Bernard Appy conversou com exclusividade com o InfoMoney na manhã da última terça-feira (12), por videoconferência. Assista à íntegra da entrevista pelo vídeo acima ou clicando aqui.

O texto aprovado unifica cinco impostos em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será dividido em dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com a substituição da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). E o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no lugar do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

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O modelo busca estabelecer uma definição ampla para o fato gerador do novo tributo, sem diferenciação entre produtos e serviços, e garantir a não cumulatividade plena (ou seja, acabar com o chamado “efeito cascata”), com dedução do tributo que incide sobre as operações anteriores, mesmo que indiretamente relacionado à atividade produtiva, em um sistema de crédito financeiro. Também fica estabelecido o regime de cobrança “por fora”, no destino das operações com bens e serviços.

Embora reconheça que o substitutivo mantenha algum nível de distorção de preços relativos por conta de tratamentos favorecidos concedidos, o secretário acredita que o novo modelo pode pôr fim à cobrança indesejada de impostos sobre investimentos e exportações e à própria guerra fiscal entre os estados.

Nos cálculos de Appy, caso a proposta fosse aprovada sem qualquer exceção, a alíquota do novo imposto seria de pouco menos de 25%. Com as mudanças, é possível que os tratamentos diferenciados exijam um percentual mais elevado para garantir a manutenção da carga tributária atual.

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Por outro lado, o secretário diz que a eficiência do novo modelo (o que ele chama de “gap de conformidade”) também gerará pressão no sentido contrário. A resultante disso ainda não foi estimada pela equipe econômica.

“De fato, nossa estimativa é que, se não houvesse nenhuma exceção, a alíquota seria um pouco menor do que 25%. Sempre lembrando que é 25% [incidente] no preço sem imposto (o que corresponde a 20% do preço com imposto)”, afirmou.

“Obviamente, com os tratamentos favorecidos que foram dados, ela ficaria acima dos 25%. E, com a redução do “gap” de conformidade, ela tende a ser reduzida. O efeito líquido ainda não temos certeza absoluta”, disse.

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“O que é certo é que a alíquota vai ser fixada de forma a manter a carga tributária atual”, assegurou.

Para passar a valer, a PEC ainda precisa ser analisada pelo Senado Federal, onde também é necessário apoio mínimo de 3/5 dos integrantes da casa legislativa (ou seja, 49 dos 81) em dois turnos de votação em plenário. Durante toda a tramitação, o texto ainda pode sofrer alterações.

Caso ele seja aprovado com mudanças de mérito em relação à versão recebida dos deputados, é necessária nova análise da Câmara. A PEC vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças. Ela somente vai à promulgação do Congresso Nacional quando superadas essas divergências.

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Durante a entrevista, Appy disse esperar que a “espinha dorsal” do texto seja mantida, mas com um debate mais intenso sobre a questão federativa pelos senadores ‒ em especial na organização do Conselho Federativo que administrará o IBS (porção subnacional do IVA) e na distribuição dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional.

Leia os destaques da entrevista:

InfoMoney: Muitos classificaram a aprovação da PEC da reforma tributária como “histórica”, com a migração da cobrança da origem para o destino, por fora, base ampla, introdução do princípio da não cumulatividade e a possibilidade de simplificação do sistema e redução do volume de contenciosos na Justiça. Por outro lado, há uma avaliação de que o texto poderia ter sido mais progressivo e com menos concessões a setores específicos. Qual o saldo que o senhor faz da versão aprovada pelos deputados?

Bernard Appy: O saldo é bastante positivo. Obviamente, gostaríamos que houvesse menos exceções. Foi o necessário para viabilizar politicamente a reforma. Mas, se pensarmos no desenho geral, o avanço é absolutamente cavalar em relação ao que temos hoje. Em vez de um sistema tributário com a fragmentação enorme da base de incidência, vamos passar a ter dois IVAs com uma única legislação.

Na prática, é um IVA dual, um único imposto, com uma parte federal e outra dos estados e municípios, com base ampla de incidência, tributação no destino. Vai acabar com todos os benefícios fiscais dos tributos indiretos que existem hoje no país. Vai ter um sistema de cobrança extremamente simples, totalmente eletrônico, e não cheio de casos específicos de regimes especiais. Nesse ponto de vista, foi um avanço muito grande.

O efeito, em termos de corrigir as distorções que temos hoje, também foi muito grande. Só para pensar: 1) Avança enormemente em termos de redução da complexidade; 2) Litígio: vamos ter uma única regra para todos os tributos, que vão ser extremamente simples, com poucas exceções; 3) Tributação de investimentos: deixará de existir; 4) Tributação de exportações: deixará de existir; 5) Distorções alocativas: deixarão de existir. [Hoje,] é muito mais barato fazer um prédio de concreto armado do que com estruturas pré-fabricadas. [Isso] Vai deixar de existir. [Assim como] Incentivo fiscal para que caminhão dê uma volta pelo país simplesmente para economizar tributo.

O avanço foi muito grande. O último problema são distorções de preços relativos. Nossa tributação distorce enormemente. [A reforma aprovada] Manteve alguma distorção, por conta dos tratamentos favorecidos que entraram, mas, perto do que existe, é muito menor. Portanto, o avanço foi relevante nessa discussão no Congresso Nacional.

IM: Quais são suas expectativas para a nova etapa de tramitação da proposta no Senado Federal? O que pode mudar no texto? Qual é sua impressão sobre possíveis resistências dos senadores?

BA: Ainda é cedo para saber o que vai mudar. Acho natural que o Senado discuta as questões federativas. Nós temos visto muito zunzum, muitas falas sobre a reforma tributária, mas ainda existe um trabalho de explicar para os senadores o que foi aprovado na Câmara. Uma parte do que vemos aparecer no debate político talvez seja até por desconhecimento do que foi aprovado. Depois, vai haver o debate no Senado Federal, que é soberano e vai decidir como vai querer tratar a matéria.

IM: Considerando o debate federativo, quais são seus pontos de atenção nesta fase do debate?

BA: Há dois pontos principais que vão surgir no debate no Senado. Um deles é a questão da distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional, que o texto aprovado na Câmara deixou para lei complementar. O segundo é da governança do Conselho Federativo. Quanto às outras questões, claro que o Senado pode mudar, mas, do ponto de vista do impacto da reforma sobre as finanças dos estados e municípios, o modelo de transição muito longo, durante 50 anos, não tem nenhuma relevância para os contribuintes. Isso é simplesmente na distribuição da arrecadação.

Há uma transição muito longa, e ainda com um seguro-receita, uma parcela de 3% da parcela distribuída pelo destino, que serve para compensar aqueles entes que têm maior perda em termos proporcionais de participação no total da arrecadação, de forma que, mesmo ao final de 50 anos, ainda haverá um limite de perda de participação no total da arrecadação. Isso mitiga muito o efeito da reforma sobre aqueles entes que perdem participação no total do bolo da arrecadação, e certamente esse efeito vai ser mais do que compensado ao longo do período pelo efeito positivo da reforma sobre o crescimento.

O desenho está bem feito na Câmara. Obviamente o Senado pode discutir tudo, pode discutir parâmetros ou o próprio modelo, mas acho que esse desenho já mitiga muito o efeito sobre aqueles entes que têm redução de participação no total da arrecadação.

As pessoas ficam falando muito do Conselho Federativo como um órgão superpoderoso, com muito poder político. Não é verdade. O Conselho Federativo vai ser um órgão técnico: vai editar o regulamento do imposto, vai operacionalizar a arrecadação e a distribuição da arrecadação, mas isso é um algoritmo. É possível até que a gente tenha fórmulas na lei complementar, e ele vai ter que simplesmente montar um sistema em que elas vão ser incorporadas. Ele não vai ter poder nenhum, simplesmente vai operar um algoritmo, e o resultado da distribuição da receita para os entes vai ser automático.

E ele vai interpretar a legislação, que sempre acontece. Com uma legislação mais simples, os problemas de divergência de interpretação vão ser muito pequenos, mas sempre ocorrem. Sempre vai haver algum caso específico em que será necessário entender como deve ser aplicada a legislação do imposto ‒ essa é a função do Conselho, e é importante que seja feito de forma nacionalmente uniforme. Imagine se cada estado começar a interpretar de uma forma diferente a legislação…

Mas é só isso. Ele não tem poder de dar benefício fiscal. Ele não tem nenhum poder que hoje até uma secretaria de Fazenda tem. Uma secretaria de Fazenda hoje tem poder de dar benefício fiscal, lógico que dentro do escopo definido pela legislação estadual, de definir regime especial, forma diferente de cobrar o imposto. O Conselho Federativo não vai poder fazer nada disso. Então, de fato, o poder dele é muito menor do que as pessoas imaginam. E é bom que seja assim. É bom que ele seja um órgão técnico.

Inclusive, pelo modelo de governança que saiu da Câmara, qualquer matéria, para ser aprovada, precisa ter a maioria dos estados apoiando, estados que representem mais de 60% da população e a maioria dos representantes dos municípios. No fundo, há três instâncias de veto. O que significa que vai passar aquilo que for tecnicamente necessário para operacionalizar o imposto. E acho bom que seja assim. Não queremos reconstruir um Confaz dentro do Conselho Federativo. O Confaz é um órgão que foi criado para não funcionar, o Conselho Federativo é um órgão que vai ser criado para funcionar.

IM: Um dos críticos à criação do Conselho Federativo para administrar o IBS é o economista Felipe Salto, ex-secretário de Fazenda do estado de São Paulo. Ele alega, dentre diversos pontos, que o modelo traz risco de proliferação de créditos oriundos de notas fraudadas. Qual a capacidade de fiscalização do Conselho no novo regime?

BA: Risco de nota fraudada existe hoje já, não há nada que mude. O que teremos são fiscalizações concorrentes no mesmo imposto. Se tiver uma nota fraudada, ela vai ser fraudada para o tributo estadual e federal, porque o sistema de cobrança vai ser o mesmo. Vamos ter a Receita Federal fiscalizando e os estados e municípios [também].

Uma questão que ficou para lei complementar, mas é muito provável que o ente que fiscalize acabe recebendo uma multa resultante de uma eventual autuação. Então, cria-se um incentivo para que os entes sigam fiscalizando. A única diferença é que eles vão ter que fazer isso de forma coordenada com o Conselho Federativo, mas terão autonomia de fazer sua fiscalização. Todos os estados e municípios vão ter acesso a todas as informações das operações em que eles sejam origem ou destino, que hoje não têm. Honestamente, acho que vai ficar um sistema mais forte do que é hoje. Realmente não vejo base para essa preocupação.

IM: Como funcionaria a multa aos entes subnacionais e para onde iriam os recursos?

BA: Isso ainda não está definido, vai ficar para lei complementar. Acho que não faz sentido colocar na Constituição. Mas, sempre no desenho da regulamentação, acho importante criar bons incentivos. O bom incentivo é aquele para que haja fiscalização onde houver fraudes, e não criar incentivos para tentar arrecadar mais via interpretações da legislação. É muito ruim o que temos no Brasil hoje, de ficarem o Fisco e os contribuintes interpretando a legislação, cada um de uma forma, e isso virar base das autuações. Como é um tributo muito mais simples, a interpretação da legislação vai ser nacionalmente uniforme, espero que seja compatível entre a CBS e o IBS ‒ a própria PEC diz que a Receita Federal e o Conselho Federativo vão ter que fazer um esforço de coordenação nessa questão.

IM: O Senado tem uma correlação de forças muito diferente da Câmara dos Deputados. O estado de São Paulo, que conseguiu ter voz fortalecida na governança do Conselho Federativo, não tem o mesmo peso no Senado. O senhor espera mudanças? Como a composição desta casa legislativa pode influenciar nas regras do Fundo de Desenvolvimento Regional e do fundo de compensação dos benefícios com o ICMS?

BA: Eu não tenho como antecipar como vão ser as discussões, mas lembro que, como é uma emenda constitucional, qualquer texto tem que ser aprovado pelas duas casas. Acredito que o Senado vai ter autonomia na sua avaliação sobre a PEC, mas acho que seria importante que isso fosse feito com uma interlocução junto à Câmara dos Deputados, para já tentar definir um texto aceitável nas duas casas.

Numa PEC não há como uma casa se sobrepor à outra. As duas têm que estar de acordo com relação ao texto que for aprovado, e acho que isso vai acontecer. No que diz respeito à espinha dorsal da reforma, acho que não deve haver muitas divergências. Estou falando em IVA de base ampla, tributação no destino, a própria arrecadação centralizada. Mas nas outras questões, o Senado tem autonomia para definir o que quer, mas, se puder fazer isso já em coordenação com a Câmara dos Deputados, melhor, porque aumenta a chance de aprovar nas duas casas.

IM: O substitutivo aprovado pelos deputados traz previsão de “cashback”, com a devolução de parte dos tributos pagos por determinados grupos da população. Inicialmente, a ideia do governo era que o mecanismo fosse usado como contraponto a uma reoneração de produtos da cesta básica, de modo a tornar a política mais focalizada e eficiente. O “cashback” fica enfraquecido com a decisão de desonerar a cesta básica?

BA: O “cashback” continua sendo importante. Ele continua sendo um instrumento bastante eficiente, do ponto de vista distributivo. O espaço para usá-lo obviamente é reduzido na hora em que se coloca a desoneração da cesta básica no texto constitucional. Isso não significa que não haverá “cashback”. Ele vai existir, muito provavelmente, mas o espaço fiscal entendido para poder alocar recursos na desoneração do consumo das famílias de menor renda fica um pouco reduzido. Agora, é uma decisão política. Depois que tivermos o desenho pronto, é possível decidir qual vai ser o escopo do “cashback”.

IM: Ainda é difícil estimar as alíquotas do novo sistema tributário, mas o que o senhor espera e quais elementos influenciarão no percentual final definido, considerando o texto aprovado pela Câmara dos Deputados?

BA: Os dois elementos mais importantes são, de um lado, a quantidade de regimes favorecidos previstos na PEC. Na hora em que se optou por colocar na própria emenda constitucional que só haveria uma alíquota e que não haveria benefícios fiscais, exceto os casos previstos na Constituição, trouxeram toda a discussão setorial para o texto. Isso tem um custo, que é o fato de trazer uma quantidade de exceções relativamente grande, mas há um benefício que diz que, depois de aprovada a emenda constitucional, isso está basicamente definido, não será possível por lei ficar incluindo benefícios fiscais ou criando alíquotas além daqueles já previstos.

Por outro lado, quanto menor o que chamamos de “gap” de conformidade, menor tende a ser a alíquota. “Gap” de conformidade é um indicador da relação entre quanto é arrecadado e o quanto seria arrecadado teoricamente, se fosse aplicada a legislação integralmente. Ele mede sonegação, elisão, o imposto declarado e não pago, e o que se deixa de arrecadar em função de judicialização.

Nossa expectativa é que haja uma redução relevante no “gap” de conformidade, em parte por conta da própria simplificação da legislação. Legislação mais simples reduz muito o risco da possibilidade de judicialização do pagamento do imposto. O próprio sistema de cobrança vai ser totalmente eletrônico e reduz o risco de sonegação. E há até discussão sobre um sistema de cobrança no momento do pagamento da operação, da liquidação financeira, estudado junto aos fiscos. Esse modelo reduz enormemente o risco de declarar o imposto e não pagar, porque o imposto é recolhido automaticamente.

Por todos esses motivos, nossa expectativa é que haja uma redução relevante do gap de conformidade, embora obviamente o nível dessa redução seja algo que não tenhamos total segurança. É algo que vamos aprender quando o sistema estiver operando.

Mas o que posso dizer é que há esses dois efeitos. De fato, nossa estimativa é que, se não houvesse nenhuma exceção, a alíquota seria um pouco menor do que 25%. Sempre lembrando que é 25% [incidente] no preço sem imposto (o que corresponde a 20% do preço com imposto).

Nossa estimativa é que seria um pouco abaixo disso se não houvesse nenhuma exceção. Obviamente, com os tratamentos favorecidos que foram dados, ela ficaria acima dos 25%. E, com a redução do “gap” de conformidade, ela tende a ser reduzida. O efeito líquido ainda não temos certeza absoluta.

O que é certo é que a alíquota vai ser fixada de forma a manter a carga tributária atual. Isso está no texto da [Proposta de Emenda à] Constituição. Então, não vai subir a carga tributária sobre o consumo, nem vai cair ‒ pelo menos em um primeiro momento. Quem sabe, no longo prazo, com a economia indo bem, a gente consiga reduzir a carga sobre o consumo, mas neste momento isso não é possível.

IM: Há dúvidas sobre o funcionamento da Zona Franca de Manaus com o novo sistema e os benefícios previstos. Há preocupação de alguns setores de que o diferencial competitivo da ZFM viria por meio do Imposto Seletivo. Vai ser assim?

BA: O que a PEC determina é que os novos tributos (IBS, CBS e Imposto Seletivo) vão ser utilizados de forma a manter, em caráter geral, a competitividade da Zona Franca de Manaus hoje. A forma como isso vai ser feito ainda vai ser definida. A ideia é fazer de uma forma mais simples do que é hoje. Atualmente, o sistema que se usa para a ZFM é extremamente complexo. Há benefícios de diversas formas diferentes. [Com a PEC], Abriu-se, sim, a possibilidade de ter o Imposto Seletivo cobrado para produtos que são fabricados na ZFM. É uma possibilidade, [mas] não necessariamente vai ser essa forma. Desde que o desenho garanta competitividade da produção atual, a forma exata ainda pode ser definida.

IM: Mesmo após a aprovação da PEC, o fato de haver muito a ser definido posteriormente por lei complementar gera preocupação? Por exemplo, de a cesta básica definida ser muito extensa ou o Imposto Seletivo (IS) ser muito leniente com atividades claramente prejudiciais ao meio ambiente e à saúde. Há riscos de a regra perder efetividade quando o Congresso ingressar na discussão de mais detalhes com a lei complementar?

BA: Eu não acredito que isso vá acontecer. A emenda constitucional já define claramente o escopo. Ela já limita os tratamentos favorecidos. Honestamente, não vejo muito risco de isso acontecer. [No caso do] Imposto Seletivo, por enquanto, estamos considerando a manutenção da carga atual sobre fumo e bebidas alcoólicas. Isso com certeza vai estar dentro do IS.

[No caso da] Cesta básica, o que vai estar dentro desta parte com alíquota zero vai ser definido pelo Congresso. Mas nós vamos ter que colocar na mesa o impacto que têm diferentes opções sobre a alíquota cobrada dos demais produtos. E o Congresso vai definir, em bases informadas, o que deve entrar.

O que é importante neste momento é ter informação. Talvez a gente não saiba a alíquota, mas o impacto sobre a alíquota de diferentes alternativas. Isso é mais fácil de estimar. Acho que isso vai ajudar o Congresso a tomar uma decisão com bases informadas. A decisão vai ser política, mas não creio que isso vá gerar grandes problemas para frente.

IM: Na reta final da tramitação da PEC na Câmara dos Deputados, foi aprovada emenda aglutinativa que autoriza estados a usarem contribuições sobre produtos primários e semielaborados produzidos em seus territórios, até 2043. Na interpretação de alguns analistas, isso poderia abrir espaço para a tributação de produtos que seriam inclusive exportados. Qual é sua interpretação sobre o texto? O que pode ser feito em termos de aprimoramento de redação para limitar o instrumento?

BA: Essa redação foi incluída por uma decisão do parlamento ‒ de fato, na fase final da votação. Hoje, alguns estados há fundos estaduais que são financiados por contribuições “voluntárias” das empresas em troca do diferimento de ICMS. O que foi colocado [no substitutivo] foi a possibilidade de manter esses fundos na forma como são hoje.

A decisão se deve ser feito dessa forma ou de outra forma vai caber ao Congresso Nacional. O que acho importante talvez seja melhorar a redação para deixar mais claro o escopo e que é para alcançar aquilo que já é alcançado hoje, e não para colocar um instrumento que possa ser ampliado a bel-prazer dos estados. De fato, a redação talvez precise de algum ajuste. Mas não é o governo que decide isso.

Se o Congresso vai querer manter o que já é cobrado hoje ‒ e que tira a competitividade das exportações que hoje são tributadas ‒ ou se quer fazer de outra forma, é uma decisão do Congresso Nacional vai ter que tomar avaliando o impacto de diferentes alternativas para tratar da questão.

IM: Do ponto de vista técnico, sua interpretação do que está escrito é que exportações poderiam ser atingidas da forma como o texto está definido?

BA: Elas já são atingidas hoje. As contribuições para esses fundos já são um custo que incide sobre as exportações brasileiras. A decisão é do Congresso definir se mantém ou não. Se decidirem por manter, acho que seria importante deixar mais claro que não vai além daquilo que já existe. Mas é importante entender  que estamos falando de algo que está sendo criado.

IM: Há um dispositivo no substitutivo aprovado que diz que a União deverá complementar os recursos previstos nos repasses anuais pelo Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais do ICMS em caso de insuficiência. Na interpretação de alguns especialistas, ele torna ilimitados os recursos do fundo de compensação. Essa leitura é válida?

BA: É preciso entender que, na verdade, o escopo são só benefícios já concedidos até 31 de maio de 2023. Não se abriu para novos benefícios. A forma como vai ser aplicado ainda vai ser definido na lei complementar. E mais: precisam ser benefícios que tenham sido concedidos por prazo certo, sob condição, e que tenham cumprido os requisitos para a sua concessão.

A nossa avaliação é que o montante que está alocado de recursos no fundo hoje, considerando a trajetória de redução das alíquotas do ICMS que consta da PEC como foi aprovada na Câmara… O risco de faltar recursos para o fundo é muito, muito pequeno. O mais provável é que sobrem recursos no fundo, que seriam depois distribuídos para o Fundo de Desenvolvimento Regional.

Obviamente, a União não entrou nesse aporte de recursos do fundo de forma irresponsável. A avaliação é que o valor que está hoje alocado para o fundo muito provavelmente será suficiente para cobrir o custo. Mas esse é um tema que pode eventualmente ser aperfeiçoado no Senado Federal.

IM: O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou, em entrevista concedida na segunda-feira (10), que o governo pretende encaminhar a segunda fase da reforma tributária ao Congresso Nacional para tramitar junto com o Orçamento. O que está previsto além da tributação de dividendos? O regime de fundos exclusivos deverá ser tratado nesta etapa?

BA: Já há várias ideias [para a segunda etapa da reforma tributária]. Estão sendo discutidas internamente, mas, como ainda não há uma posição definida do ministério, eu não tenho como dizer o que vai constar. Ainda não se bateu o martelo.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.