Alckmin sanciona com vetos lei que restabelece “voto de qualidade” a favor do governo no Carf

Dispositivos não têm data para serem apreciados pelo Congresso Nacional, que pode decidir por derrubá-los e restabelecer o texto aprovado

Marcos Mortari

Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente da República (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, com vetos, nesta quinta-feira (21), a lei que restabelece o chamado “voto de qualidade” (Lei n° 14.689/2023) a favor da União em casos de empate em julgamentos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). A decisão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU).

A ação, assinada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que exerceu a presidência durante a viagem oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos Estados Unidos para participar da 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas, ocorre no limite do prazo legal para o governo exercer seu poder de veto. Os dispositivos não têm data para serem apreciados pelo Congresso Nacional, que pode decidir por derrubá-los e restabelecer o texto aprovado pelas duas casas legislativas.

Ao desfazer a vantagem do contribuinte nos julgamentos administrativos e corrigir o que entendia ser uma distorção adotada pelo Brasil nos últimos três anos, o governo Lula estima arrecadar R$ 54,7 bilhões em 2024. A medida é uma das principais cartas na manga da equipe econômica em busca do equilíbrio das contas públicas e o cumprimento da meta de zerar o déficit primário em 2024.

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Ao todo, foram apresentados vetos a 14 trechos da versão do projeto de lei aprovada pelos parlamentares, sob a alegação de “por contrariedade ao interesse público e por inconstitucionalidade” ‒ prerrogativa que a Presidência da República pode usar para exercer o direito de suprimir partes de uma proposição votada pelo Legislativo.

Veja aqui os principais pontos retirados da lei:

O primeiro trecho vetado pelo governo foi dispositivo que previa que, no caso de determinação e exigência de crédito tributário ou aplicação de penalidade isolada que abranja operação ou atividade previamente autorizada por órgão regulador, o litígio que envolva controvérsia jurídica entre a autoridade fiscal ou aduaneira e o órgão regulador seja submetido de ofício mediante requerimento do sujeito passivo à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF) e que a ação seja considerada reclamação nos termos do Código Tributário Nacional.

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Na justificativa do veto, o governo argumenta que a medida poderia influenciar na apuração do crédito tributário devido pelo sujeito passivo e ” desconsidera que cada órgão possui sua própria competência”. Na prática, a avaliação é que o instrumento, da forma como foi aprovado pelos congressistas, poderia enfraquecer a Receita Federal.

“Dessa forma, não há que se falar em mediação ou conciliação no âmbito do Processo Administrativo Fiscal por uma possível divergência de classificação de mercadorias entre a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e um órgão regulador, tendo em vista que a administração tributária tem competência exclusiva para dispor sobre a matéria”, argumenta o Ministério da Fazenda.

O segundo trecho vetado diz respeito a dispositivo da lei que prevê que, em casos de decisão favorável à União por meio do “voto de qualidade” (o voto de desempate), os créditos inscritos em dívida ativa em questão poderão ser objeto de proposta de acordo de transação tributária específica, de iniciativa do sujeito passivo.

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A redação excluída pelo governo dizia que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) regulamentaria o disposto, “inclusive para prever que a transação (…) conterá condições não menos favorecidas do que as ofertadas aos demais sujeitos passivos e considerará prognóstico do risco judicial de cada processo”.

Na justificativa para o veto, o Ministério da Fazenda alega que o dispositivo “contraria o interesse público e gera violação ao princípio da isonomia”. A pasta sustenta que a previsão do texto é ” genérica e subjetiva”, não estabelece ” balizes ou condições” e pode não ser adequada à totalidade dos casos.

O terceiro trecho suprimido da lei diz que o executado capaz de obter seguro garantia ou fiança bancária de terceiros poderá oferecer garantia apenas do valor principal atualizado da dívida em questão e que a regra não se aplica àqueles que, nos 12 meses que antecederem a citação na execução fiscal, não tiveram certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 meses.

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Além disso, o projeto aprovado dizia que as garantias apresentadas como fiança bancária ou seguro garantia somente seriam liquidadas após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada.

O dispositivo ainda prevê que a Fazenda Pública, se vencida, ressarça integralmente o valor devidamente atualizado das despesas incorridas pela parte contrária, inclusive com o oferecimento, a contratação e a manutenção de garantias.

“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, tendo em vista que altera toda a sistemática da lei de execução fiscal, ao estabelecer que o seguro garantia ou a fiança bancária só teria o condão de garantir a parte principal da dívida e não incluiria os acessórios”, argumenta o Ministério da Fazenda ao recomendar o veto.

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“A União ainda não teria o controle sobre as contratações de garantia suportadas pelo sujeito passivo nem dos valores praticados, nem da duração do processo que influencia diretamente no valor do prêmio pago à seguradora ou nos encargos pagos à instituição financeira”, complementa a pasta.

Os técnicos ainda argumentam que a impossibilidade de execução imediata das garantias “fragilizaria o processo de cobrança” e contrariaria a jurisprudência.

Outro trecho vetado pelo governo determinava que a Receita Federal disponibilizasse “obrigatoriamente” métodos preventivos para a autorregularização de obrigações principais ou acessórias relativas a tributos por ela administrados. Além disso, o trecho previa que a comunicação ao sujeito passivo para fins de resolução de divergências ou de inconsistências, realizada previamente à intimação, não configuraria início de procedimento administrativo ou medida de fiscalização.

O Ministério da Fazenda argumentou que o dispositivo poderia oferecer riscos à segurança jurídica, já que a autorregularização, embora recomendável, não poderia ser considerada uma regra aplicável a todos os casos.

“Sua implementação indiscriminada (…) poderia implicar redução da arrecadação espontânea, incentivo à postergação do pagamento de tributos e redução da eficácia de programas de conformidade”, sustentou. Ademais, a pasta chamou atenção para o fato de nem sempre o órgão dispõe de todas as informações necessárias para demonstrar ao contribuinte as possíveis irregularidades por ele cometidas.

O governo também vetou trecho que previa, como incentivo à conformidade tributária a partir da autorregularização, a redução de multa de ofício em pelo menos 1/3 e de multa de mora em pelo menos 50%. O dispositivo autorizava, ainda, a cumulatividade da regra a outra legislação que previa descontos com redução de multa em casos em que o sujeito passivo que, notificado, efetuasse o pagamento, a compensação ou o parcelamento dos tributos administrados pela Receita Federal.

Para sustentar o pedido de veto, o Ministério da Fazenda alegou que os legisladores não estabeleceram as balizas para a aplicação da redução das multas, o que poderia causar insegurança jurídica.

Outro trecho suprimido da lei prevê que a a ação ou omissão relacionada a sonegação, fraude ou conluio seja penalizada de forma individualizada e por uma única vez, ainda que seus efeitos impactem o cumprimento das obrigações tributárias em diferentes competências subsequentes.

No veto, a equipe econômica alegou não ser adequado o estabelecimento de um princípio geral de individualização. E disse não ser cabível enunciar que a conduta seria sancionada por uma única vez, já que “a maior parte das obrigações principais tributárias ocorre sucessiva e periodicamente, de forma que uma mesma conduta pode ensejar a aplicação da multa tributária a fatos geradores relacionados a distintas competências”.

O governo também vetou dispositivos que impediam a aplicação de multa majorada caso fosse verificado que o sujeito passivo divulgou os atos ou fatos que teriam ensejado a qualificação da multa ou não tenha tentado omiti-los ou que tenha tomado as providências para sanar as irregularidades. As alegações são de que os mecanismos são genéricos e subjetivos, gerariam insegurança jurídica e tornariam o processo fiscal mais complexo.

A falta de clareza e o uso de critérios vagos também foi a justificativa usada pelo governo para vetar trecho que permitia a redução em 1/3 no percentual de multa aplicada em caso de “erro escusável” do sujeito passivo, lançamento de ofício de divergência na interpretação da legislação, ou que o sujeito tenha “agido de acordo com as práticas reiteradas adotadas pela Administração ou pelo segmento de mercado em que estiver inserido”. E o possível uso de histórico de conformidade do contribuinte ou do responsável tributário também foi afastado.

Outro trecho vetado pelo governo buscava expandir a definição de sociedades cooperativas, reformando legislação em vigor para permitir a entrada de pessoas jurídicas. Na lei atual (a Lei nº 5.764, de 1971), há uma previsão de permissão excepcional de “pessoas jurídicas que tenham por objeto as mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas físicas ou, ainda, aquelas sem fins lucrativos”.

“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público tendo em vista que permitiria que as cooperativas tivessem associados pessoas jurídicas, mesmo que a atividade econômica não fosse relacionada. Segundo o Ministério da Fazenda, a admissibilidade atual relativa às pessoas jurídicas é uma excepcionalidade que exige que ela se dedique a objeto semelhante ao da cooperativa ou, então, que seja entidade sem fins lucrativos”, alega o governo.

O governo também decidiu vetar trecho que, citando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), cancela o montante da multa em autuação fiscal, inscrito ou não em dívida ativa da União, que exceda a 100% do valor do crédito tributário apurado. O Ministério da Fazenda mostra entendimento distinto à posição da Corte e alega que o assunto tratado no dispositivo não está pacificado pela jurisprudência. A pasta sustenta que a aplicação da medida prevista “acarretaria implicações negativas do ponto de visto orçamentário-financeiro, bem como geraria enorme demanda administrativa e judicial”.

“Por fim, o Ministério argumenta que, na hipótese de eventual multa de ofício com patamar insignificante ou excessivamente reduzido, as finalidades de retribuição e prevenção certamente não seriam alcançadas. Nesse caso, haveria ofensa ao princípio da proporcionalidade, não em seu viés negativo de vedação ao excesso, mas em seu viés positivo: a impossibilidade de proteção eficiente dos bens jurídicos tutelados”, sustenta.

Por fim, o governo afastou a revogação de dispositivos que preveem multa agravada nos casos de embaraço à fiscalização, quando o sujeito passivo não atende intimação para prestar informações. “Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, haja vista que a sua revogação implicaria a ineficácia da norma que autoriza a administração tributária a exigir do sujeito passivo as informações e os documentos necessários ao procedimento fiscal”, justifica.

“A multa agravada é instrumento que induz ao cumprimento de intimações da fiscalização a respeito de informações que podem elucidar fatos que sejam objeto de procedimento fiscal”, conclui.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.