3ª via: ‘Tem de ser uma grande frente para derrotar o fascismo’, diz Roberto Freire, presidente do Cidadania

Político minimiza apoio de setores do MDB a Lula e afirma que 'centro democrático' terá candidatura única e competitiva

Fábio Matos

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Às vésperas de completar 80 anos, no dia 20 de abril, e com uma trajetória de quase cinco décadas na vida pública, Roberto Freire acredita que o rumo das eleições de 2022 ainda pode sofrer grandes reviravoltas até o dia 2 de outubro, data do primeiro turno do pleito.

O presidente do Cidadania tem se dedicado, nos últimos meses, àquele que é seu principal objetivo neste ano eleitoral: colaborar com a construção de uma alternativa política à polarização entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pelo Palácio do Planalto.

Em entrevista ao InfoMoney, o ex-deputado, ex-senador e ex-ministro da Cultura (no governo de Michel Temer) citou o embate entre o presidente da França, o centrista Emmanuel Macron, e a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen, como um símbolo do que poderia acontecer no Brasil.

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“Tem de ser uma grande frente para derrotar o fascismo, uma terceira via que represente o centro democrático”, diz. “É preciso atrair todos os democratas, mas não em uma outra alternativa que polariza. Não é marchando para o setor extremo que teremos sucesso.”

Duro opositor dos governos do PT e de Bolsonaro, Roberto Freire confirmou o dia 18 de maio como a data em que a autoproclamada terceira via deve apresentar uma candidatura única para enfrentar os dois nomes que aparecem bem à frente do segundo pelotão nas pesquisas.

O presidente do Cidadania ironizou o jantar de lideranças do MDB com Lula, na última segunda-feira (11), na casa do ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE), em Brasília. “Esse jantar foi um sinal tremendamente positivo para a terceira via. Foi um ‘arrumadinho’, não aconteceu por acaso. Surge no momento em que se discute a hipótese de uma candidatura única, e a senadora Simone Tebet é uma possível candidata”, afirmou.

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Freire falou ainda sobre a derrocada da pré-candidatura de Sergio Moro à Presidência, revelou ter conversado com o ex-aliado Ciro Gomes (PDT) a respeito de uma possível aproximação com a terceira via e minimizou as dificuldades enfrentadas pela federação formada entre Cidadania e PSDB – especialmente no Distrito Federal.

De acordo com a regra das federações, as legendas que firmam a parceria têm de caminhar juntas por pelo menos quatro anos, atuando praticamente como um único partido. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

InfoMoney: A menos de seis meses da eleição presidencial, nenhum candidato da chamada terceira via decolou nas pesquisas. O grupo conseguirá chegar a um consenso sobre um nome único para disputar a Presidência da República?

Roberto Freire: Olhando para o exemplo da França, é bom não nos esquecermos de que Emmanuel Macron foi, em 2017, e está sendo novamente em 2022, a terceira via. É o centro democrático que está derrotando o fascismo na França.

No Brasil, a terceira via vai ter candidatura única e disputará as eleições com chances de vitória. É evidente que o dia 18 de maio não é nenhum prazo fatal ou legal, mas é fundamental termos como uma data a ser cumprida, até para apressar as discussões e caminhar na busca dessa unidade.

IM: Importantes lideranças do MDB, como o ex-senador Eunício Oliveira (CE) e o senador Renan Calheiros (AL), se reuniram nesta semana em um jantar de apoio ao ex-presidente Lula. A eventual candidatura de Simone Tebet (MDB-MS) ao Planalto é capaz de unificar um partido tão fraturado por interesses regionais?

RF: Eu acho que esse jantar foi um sinal tremendamente positivo para a terceira via. Foi um “arrumadinho”, não aconteceu por acaso. Surge no momento em que se discute a hipótese de uma candidatura única, e a senadora Simone Tebet é uma possível candidata.

Ela pode vir a ser a candidata única desse movimento, tanto quanto [João] Doria ou qualquer outro nome que seja consensual entre os quatro partidos [MDB, PSDB, Cidadania e União Brasil]. Tudo isso está em aberto.

O que aconteceu no jantar foi que os lulistas do MDB foram convocados por setores ligados a Lula para o encontro que, fundamentalmente, era uma discussão sobre a pré-candidatura da Simone Tebet. Um dado importante é que temos informações de que a maioria do MDB é favorável a Tebet.

IM: O senhor vê semelhanças entre o cenário atual e o da eleição de 2018, na qual Bolsonaro e o PT disputaram o segundo turno?

RF: A eleição de 2022, do ponto de vista da articulação político-partidária, é completamente distinta do quadro de 2018. Naquele momento, havia um certo espanto com a candidatura do Bolsonaro, que ninguém esperava que fosse vitoriosa. Imaginava-se que ele tinha um teto e não passaria muito dali.

Por isso mesmo, não houve nenhuma preocupação de se buscar uma unidade dessas forças políticas. O que houve naquela eleição foi o imponderável: a facada, aquele atentado absurdo contra Bolsonaro, deu a ele tempo de televisão fora do horário eleitoral praticamente durante 24 horas por dia.

Era um candidato que sofreu um atentado, e isso lhe deu enorme exposição na mídia. Hoje, estamos lutando contra um presidente que é candidato à reeleição desde o primeiro dia de seu governo. Ele vem trabalhando para isso e não tem limites.

Do outro lado, há um candidato populista que já foi presidente e tem uma base partidária forte. Lula tenta passar a ideia de que foi um perseguido político, e isso tem algum atrativo. Há uma polarização. Por tudo isso, a busca pela unidade está sendo feita até por pressão da própria sociedade, que não se vê contemplada por essas duas candidaturas e busca uma alternativa.

O que está faltando talvez seja justamente o fato novo. Assim, fica mais fácil para esses quatro partidos construírem um pacto de buscar a unidade e fazer uma coligação para disputar a eleição com uma candidatura única. Caminhamos para isso.

IM: O ex-juiz Sergio Moro vinha aparecendo em terceiro ou quarto lugar nas pesquisas. Sua saída da disputa levou a uma migração de potenciais votos para Bolsonaro – o que indica que o ex-ministro poderia desidratar o presidente. Por que a terceira via não se uniu em torno de Moro?

RF: Quando Moro se filiou ao Podemos, houve um momento inicial de euforia do partido dele e de alguns setores da sociedade. A expectativa era que em fevereiro ele poderia ter 15% das intenções de voto nas pesquisas, o que não aconteceu.

Moro tem uma base sólida, mas algumas limitações importantes. Ficou isolado. E foi um isolamento tão grande que o próprio partido ao qual se filiou ficou com receio de diminuir, ao invés de crescer com sua candidatura. Isso gerou problemas para a campanha dele.

Por fim, Moro talvez tenha cometido o erro de ter ido para um partido no qual dificilmente conseguiria a candidatura. Apesar de ser um grande partido, o União Brasil nunca demonstrou muito claramente a ideia de ter Moro candidato.

Isso até gerou uma grande divisão na legenda. Hoje não se tem nenhum indício de que Moro venha a ser candidato. Existe até uma outra pré-candidatura apresentada pelo União Brasil, do Luciano Bivar.

IM: Outro candidato que se coloca como adversário da polarização entre Lula e Bolsonaro é Ciro Gomes (PDT), que recentemente fez críticas à terceira via. Há alguma possibilidade de integrar Ciro ao bloco?

RF: Eu, pessoalmente, em nome do Cidadania, tive contato com o Ciro. Nós conversamos. Houve até um movimento de setores do Cidadania que defendiam a possibilidade de uma federação com o PDT. Ciro sempre esteve aberto para conversarmos, mas nunca de forma muito concreta.

Ele chegou a dizer que, no fim de maio ou início de junho, poderia até repensar ou discutir sobre uma candidatura única desse campo, mas mais recentemente teve uma posição contrária à terceira via. Eu tenho sempre defendido que nós não podemos impor nenhum veto.

Na nota que divulgamos quando do anúncio de que teríamos uma candidatura única, dissemos claramente que qualquer partido que desejasse discutir ou participar desse processo seria muito bem-vindo.

É claro que, para Ciro, também está aberto. De nossa parte, não tem nenhum veto em relação à candidatura dele como alternativa a esses dois polos representados por Lula e Bolsonaro.

IM: É correto estabelecer uma simetria entre Lula e Bolsonaro, como se representassem dois extremos do espectro político brasileiro?

RF: Em nenhum momento colocamos Bolsonaro e Lula como semelhantes. O que se diz, e isso é comprovado, é que ambos são populistas: um de extrema-direita e o outro de esquerda. Lula não é um extremista, embora tenha seus cacoetes, como apoiar abertamente algumas ditaduras ou não condenar a invasão de [Vladimir] Putin na Ucrânia.

Isso os iguala, de certa forma. São sinais trocados, mas se igualam no autoritarismo, no populismo, em sua visão atrasada sobre o processo que o mundo vive de uma nova sociedade e uma nova economia digital. Há toda uma mudança disruptiva que nós vivemos, e eles continuam imaginando que o mundo está na década de 1960 ou 1970.

Existe um mundo novo, e nós ficamos aqui com a discussão entre duas visões completamente atrasadas e que flertam com o retrocesso. Não é dizer que os dois são iguais. Não, eles têm diferenças.

O que reafirmamos é que quem está derrotando o fascismo na França é o centro democrático. Não é a esquerda populista e atrasada. E nós precisamos derrotar o fascismo no Brasil.

IM: Em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, quem o Cidadania apoiaria?

RF: Eu me nego a responder isso (risos). Seria cair em uma armadilha, que interessa especialmente aos lulistas, para que se diga de antemão que a eleição está resolvida: é Lula e Bolsonaro no segundo turno. Eu me nego a dizer isso. Por que não se pergunta a Lula ou Bolsonaro se apoiariam a terceira via no segundo turno? Problema deles.

Veja, não falo isso como um torcedor. Estou apenas analisando que não tem nada definido para outubro. Mais uma vez, eu lembro que, para derrotar o fascismo, não é pela extrema-esquerda ou pela esquerda. Tem de ser uma grande frente para derrotar o fascismo, uma terceira via que represente o centro democrático.

É isso que está derrotando o fascismo na França. É preciso atrair todos os democratas, mas não em uma outra alternativa que polariza. Não é marchando para o setor extremo que teremos sucesso. A sociedade busca neste momento, e o mundo está mostrando isso, um processo de mediação, de superação da polarização radical.

IM: O Cidadania formou uma federação com o PSDB. No Distrito Federal, os dois partidos estão em choque por não chegarem a um consenso sobre o candidato ao governo local: os tucanos defendem o nome do senador Izalci Lucas, enquanto o Cidadania quer apoiar o senador Reguffe (União Brasil).

Qual é o balanço sobre a federação com o PSDB até aqui e de que forma esse instrumento pode mudar a política brasileira?

RF: Não podemos ver a federação como um mero arranjo eleitoral ou um instrumento para disputar eleições. Pela identidade e convergência que temos com o PSDB em vários aspectos, há possibilidade de discutirmos a refundação da social-democracia com essa nova realidade de diálogo com liberais e a questão da sustentabilidade.

Essa nova economia, a questão ambiental… São forças políticas que, no mundo, vêm dando sustentação aos processos de integração à globalização, ao mundo interconectado. Isso tem a ver, por exemplo, com a manutenção da União Europeia, o fortalecimento da cultura da paz e a construção do futuro.

A federação deve ter, portanto, essa preocupação política e um projeto de futuro. No Distrito Federal, há apenas uma má compreensão sobre o que é a federação. Ela tem regras, foi tudo discutido e foi criado um protocolo. Há um estatuto de convivência entre os dois partidos.

Se você deixasse tudo ao sabor dos acontecimentos, teríamos um problema porque o PSDB tem uma grande estrutura e nós somos muito menores do que eles. É claro que há nuances: em alguns estados, o Cidadania é maior que o PSDB. É maior naquilo que é mensurável objetivamente e que dá a base para definir fundo partidário e fundo eleitoral, que são os votos de deputados federais pelo Brasil.

Nós partimos dessa base. Nesse sentido, no caso do Distrito Federal, o Cidadania é o partido majoritário. Evidentemente, não será só isso que vai definir candidaturas. O que vai definir é a política. Não faremos uma federação querendo tratar isso como “eu tenho um voto a mais ou a menos”. Isso não tem futuro. Mas já está sendo superado, nós não temos um problema maior.

Estamos superando todos os obstáculos e vemos uma excelente perspectiva para a federação. Trata-se de um instituto válido que vai ajudar para que se cumpra mais rapidamente a cláusula de desempenho. Também diminuirá a pulverização de partidos nas casas legislativas. Essa profusão de legendas não ajuda o sistema presidencialista brasileiro. Ao contrário: só cria problemas para a governabilidade.

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Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Além do InfoMoney, teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”.