A quem interessa o atraso do cooperativismo?

O bom jornalismo ensina que não se faz pergunta em um título a menos que se tenha a oferecer uma resposta clara, direta e objetiva para seu público

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O bom jornalismo ensina que não se faz pergunta em um título a menos que se tenha a oferecer uma resposta clara, direta e objetiva para seu público. Por uma questão de honestidade com o leitor deste texto, e como não sou jornalista, me antecipo logo e digo que não tenho a resposta para essa pergunta – mas talvez tenha para outra: por que o atraso interessa tanto?

A árdua, extenuante e desgastante batalha que as cooperativas paulistas têm travado para revogar a lei que as impede de participar de licitações é um flagrante e escancarado exemplo do esforço que alguns setores fazem para manter o país no atraso. Afinal de contas, a liberdade de organização é algo tão claro e cristalino como a liberdade de expressão, a de religião, a sexual ou a política. Não seria preciso invocar a Constituição de 1988 para defender a liberdade de filiação das cooperativas nem tantos debates e discussões.

Um mínimo de bom senso já bastaria para constatar o óbvio. Mesmo entidades profissionais de registro obrigatório, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o CFM (Conselho Federal de Medicina), têm seus membros eleitos pela própria classe e com mandatos bem definidos dentro de regras democráticas. Nada disso, no entanto, se parece nem de longe com a OCB (Organização das Cooperativas do Brasil) e com seus espelhos regionais, como a Ocesp (Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo). Essas entidades foram montadas não para ajudar, mas para controlar o trabalhador no auge da ditadura militar, e foram impostas de cima para baixo com todo o rigor que caracterizava o período.

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Causa estupor testemunhar tamanho movimento para manietar o cooperativismo no Brasil enquanto ele floresce em muitos países mundo afora, graças não só à liberdade de organização e filiação, mas também ao apoio das instituições políticas. Um exemplo recente e emblemático disso aconteceu em fevereiro na Itália. Com autorização do banco central do país, uma cooperativa emitiu títulos para levantar no mercado financeiro 6 milhões de euros. A garantia? O queijo parmesão que ela produz. Não dá nem para imaginar algo de longe parecido no Brasil.

Também não dá para imaginar no Brasil que essa cooperativa, a 4 Madonne Caseificio dell”Emilia, é apenas uma da região de Emilia-Romagna, no norte do país. Da população de 4,5 milhões de pessoas, um terço faz parte de uma cooperativa. É uma região de agropecuária, então? Nada disso. Lá estão também as sedes de marcas reverenciadas mundialmente, como Ferrari, Maserati e Lamborguini. Mesmo assim, as cooperativas locais respondem também por um em cada euro do PIB italiano na região. E esse é só um exemplo. A Espanha, maior fabricante de azeite de oliva do mundo, tem nas cooperativas 80% da sua produção. Na França, a maior parte do champanhe vem de cooperativas.

Dados como esses envergonham o Brasil, um país com tamanha vocação para o trabalho, para a união e para a solidariedade – com recursos naturais que causam inveja a todos os demais países do mundo. Mas por que, então, esse atraso continua? Não é difícil entender o motivo quando se coloca em perspectiva que a economia do país dependeu durante mais de 350 anos da escravidão, ou seja, à custa da exploração violenta e cruel de outras pessoas. Fica difícil, com esse histórico, aceitar os direitos fundamentais de quem trabalha. Fica mais fácil ainda entender o atraso quando se recorda que a ditadura militar institucionalizou a obediência e o medo. Discordar, discutir, debater ou sugerir eram crimes que ainda traumatizam os brasileiros. Por esse raciocínio, fica simples entender que a essência democrática do cooperativismo assusta. Dividir para somar não faz parte da matemática de quem acha que a privação da liberdade ainda é a receita de quem só sabe usar o chicote e o garrote.

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Daniel Wendell
Presidente do SINCOTRASP (Sindicato das Cooperativas de Trabalho do Estado de São Paulo)

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