Você compraria dívida do seu clube do coração? Debêntures de futebol vêm aí; conheça

Título de renda fixa criado para SAFs pode oferecer remuneração atrelada ao desempenho do time; primeira emissão é esperada para 2024

Paulo Barros

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Da venda do Cruzeiro por Ronaldo Fenômeno ao primeiro balanço do Atlético-MG após se tornar uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol), os novos clubes-empresas do futebol brasileiro voltaram aos holofotes nos últimos dias, e mostraram alguns dos primeiros frutos da profissionalização da gestão de entidades conhecidas pela turbulência nas contas. Para 2024, o mercado aguarda mais uma novidade: a emissão da primeira debênture de futebol.

As chamadas debêntures-fut são um instrumento criado especialmente para SAFs como alternativa de captação de recursos para além da venda de jogadores, que devem ser revertidos para o desenvolvimento do negócio ou para pagar despesas e dívidas.

Trata-se de um tipo especial de debêntures previsto na Lei das SAFs, que permitem a um clube levantar capital por meio de dívida junto a investidores em geral, mas com algumas diferenças frente às debêntures tradicionais. Uma delas, destacam especialistas, é a possibilidade de o título oferecer remuneração atrelada a resultados obtidos clube dentro de campo, como a obtenção de premiação pela conquista de um campeonato.

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Os papéis também devem ter vencimento mínimo de dois anos, remunerar pelo menos igual à poupança, pagar juros periódicos, e não podem ser recomprados pelo emissor nem ter o vencimento antecipado. “São requisitos ligados a uma preocupação com a previsibilidade, de que o investidor terá o retorno da sua aplicação no tempo acordado”, explica Julia do Valle, advogada associada no Ambiel Advogados, nas áreas de M&A, mercado de capitais e contratos empresariais.

Para Marcelo Godke, especialista em Direito Empresarial e Societário e sócio do Godke Advogados, clubes podem também oferecer a investidores de debêntures alguns benefícios hoje ligados a programas de sócio-torcedor. “O futebol envolve paixão, mas quem contribui em programas de sócio-torcedor não é de fato sócio do clube, é apenas um torcedor que doa dinheiro. Em vez disso, os clubes poderiam poderiam utilizar uma debênture para oferecer esses benefícios colaterais [dos programas de sócio-torcedor], e o torcedor se tornar um investidor de verdade”.

O instrumento existe desde 2021, mas ainda não saiu do papel. Primeiramente, pela adesão gradual dos clubes ao modelo de SAF. Depois, por conta de um ambiente pouco propício para o mercado de crédito no País, diante do abalo trazido pelas crises da Americanas e da Light, no primeiro semestre de 2023. Em paralelo, pairavam dúvidas regulatórias que foram sanadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) somente no segundo semestre do ano passado. “Foi somente no Parecer 41, de agosto do ano passado, que a CVM deixou claro que a SAF que ainda não tem capital aberto poderá emitir debêntures-fut para investidor profissional e qualificado”, explica Julia.

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Quando vem a primeira debênture-fut?

Uma fonte próxima de clubes que estudam se tornar SAF conta que um dos atrativos para um time de futebol se tornar clube-empresa é justamente a possibilidade de acessar o mercado de capitais, e que o próximo passo natural desse mercado é a emissão de uma debênture-fut.

A expectativa é que as primeiras emissões ocorram ainda em 2024, voltadas a investidores qualificados (aqueles com pelo menos R$ 1 milhão investidos) e profissionais (que contam com certificação), por conta da exigência menor para os clubes na condição de emissor, em meio a dificuldades de que ainda enfrentam para construir uma governança adequada.

“Hoje um desafio grande dentro das SAFs é a criação de uma governança que proteja as operações de crédito dos riscos trazidos por uma possível transição de um presidente que tem uma disciplina financeira mais forte para um presidente que tem uma visão um pouco mais light sobre como gerir o clube do ponto de vista financeiro”, explica uma fonte próxima de processos de estruturação de SAFs. Por esse motivo, as ofertas para o público em geral devem demorar mais para chegar.

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Outro ponto que ainda precisa evoluir é o interesse de bancos em participar das ofertas, que em um primeiro momento tendem a exigir garantia firme, que é uma modalidade de operação de subscrição em que o intermediário garante ao emissor que irá absorver os títulos não adquiridos por investidores – processo conhecido como encarteiramento.

“Eu vejo que a primeira emissão de debênture-fut depende mais de uma questão de mercado do que da estrutura jurídica. A gente sabe que os clubes brasileiros são bastante endividados, isso vai ter que ser levado em consideração pelo investidor”, avalia Godke. “Fazer a primeira oferta é sempre mais difícil”.

Conheça as debêntures-fut

Paulo Barros

Editor de Investimentos