Uma “praia Bitcoin”? Em Jericoacoara, pagar com a criptomoeda começa a fazer parte do cotidiano

De pescadores a ambulantes e pequenos comércios, diversos estabelecimentos no famoso destino turístico do Ceará já aceitam a moeda digital como pagamento

Paulo Barros

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O Bitcoin (BTC) é visto no Brasil principalmente como um ativo alternativo para diversificar a carteira de investimentos, mas isso pode estar começando a mudar em algumas partes do País. Uma delas é Jericoacoara, famoso destino turístico no Ceará que atrai 600 mil visitantes por ano – e onde cerca de 40 estabelecimentos já aceitam a moeda digital como forma de pagamento.

De sorveterias e lojas de roupas, souvenires e mercadinhos, a vendedores de passeios, peixe e até o ambulante de caipirinha na praia: há todo tipo de negócio que já aderiu à novidade. “Quem vem para Jeri e só tem Bitcoin não passa fome, não fica sem roupa, sem beber”, conta Mateus Felix Serpa, 30, dono de seis lojas de variedades no município que fica a 300 quilômetros da capital.

Seus estabelecimentos começaram a aceitar Bitcoin pouco depois da pandemia, em 2021. Com um aplicativo no celular, o comerciante começou a realizar algumas poucas vendas no mês para entusiastas da tecnologia. Hoje, as lojas contam com máquinas de cartão especiais para Bitcoin. O faturamento proveniente da moeda digital ainda é pequeno, de cerca de R$ 1 mil mensais, mas o ticket médio vem aumentando: de R$ 20 no começo, para cerca de R$ 80 atualmente.

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Já antes da pandemia, a gaúcha Claudine Viezzer, 40, decidiu trocar a vida estressante do Rio de Janeiro pelas areias de “Jeri”. Desde o final de 2022, ela aceita Bitcoin como pagamento em sua loja de roupas na vila.

“Resolvi aceitar porque não tinha nada a perder, seria mais uma forma de vender. Em Jeri a gente não tem banco, não tem caixa eletrônico, nada disso, então qualquer forma de pagamento vai ser sempre bem-vinda”, conta a jornalista e designer. “Eu não conhecia nada sobre Bitcoin e gostei muito de entender, de aprender”.

O Bitcoin chegou aos comerciantes de Jericoacoara por meio do experimento de micropagamentos “Praia Bitcoin”, fundado pelo entusiasta Fernando Motolese, inspirado em uma iniciativa similar realizada na praia de El Zonte, em El Salvador, país que adotou o BTC como moeda oficial.

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Com o apoio de mais de 700 doadores anônimos, o projeto começou a distribuir pequenas quantias em Bitcoin de graça para a população como forma de popular a criptomoeda, e personalizou uma máquina de cartão para funcionar com Bitcoin por meio de tecnologia de aproximação — as transações trafegam na Lightning Network, uma tecnologia que acelera e barateia transferências com a moeda digital.

O primeiro estabelecimento a receber esse tipo de maquininha na cidade foi um pequeno restaurante que processa, em média, dez vendas em Bitcoin por mês. Para Jaline Sampaio Bica, 33, uma das responsáveis pelo local, a iniciativa só traz benefícios. Segundo ela, é mais uma forma de pagamento disponível para o cliente, atrai o entusiasta da criptomoeda e ainda abre a possibilidade de valorização do dinheiro recebido.

Após amargar um 2022 de fortes perdas, o Bitcoin chegou a disparar mais de 80% em 2023. Atualmente, no entanto, o ganho no ano cai para 70% após o preço cair em reação às perspectivas mais negativas em relação aos juros no mundo. A volatilidade é comumente apontada como um ponto negativo do BTC para pagamentos.

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Em artigo recente publicado na revista Cadernos de Finanças Públicas, do Tesouro Nacional, o especialista Pedro Erik Arruda Carneiro critica a adoção de Bitcoin por cidades brasileiras, como no caso da Prefeitura do Rio de Janeiro, que passou a aceitar pagamento de IPTU com a criptomoeda.

Para Carneiro, a volatilidade do ativo apresenta um desafio porque o preço pode cair entre o recebimento e a conversão para reais. “No mínimo, por conta dessas condições, o governo deve adotar um tamanho limitado na aceitação de bitcoins”, afirmou.

O volume pequeno parece ser, até aqui, o motivo pelo qual a população de Jeri não sente o sobe e desce do ativo digital. Em geral, as quantias recebidas em Bitcoin são baixas, então as mudanças de preço constantes não costumam afetar muito o caixa dos negócios.

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Os comerciantes também nem sempre vendem os bitcoins recebidos. Há relatos de quem prefira guardar as criptos à espera de valorização.

Além disso, pelo aumento na quantidade de estabelecimentos que já aceitam a criptomoeda, também é possível usá-las no dia a dia: um pescador que recebeu Bitcoin compra comida no mercadinho, que compra insumo na loja de variedades, que distribui a moeda para os funcionários que, por sua vez, gastam no ambulante da praia. É um embrião de economia circular baseada em Bitcoin.

Apesar das operações serem de pequena monta, os participantes veem o projeto como capaz de atrair ainda mais turistas para a região. Em fevereiro, o projeto Praia Bitcoin levou vários entusiastas da moeda digital para conferir o experimento de perto. Para alguns, foi uma amostra do que pode acontecer se a comunidade do Bitcoin abraçar Jericoacoara como uma “cidade cripto”.

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“Aqui as pessoas abraçam muito as novidades, acho que é um terreno muito fértil”, destaca a jornalista e designer Claudine Viezzer. “Com o tempo, Jeri pode ser um destino procurado por pessoas que querem tirar férias em Bitcoin. Não deve ter muitos lugares no mundo que propiciam isso”.

Paulo Barros

Editor de Investimentos