Tesouro Direto: juros oferecidos pelos títulos públicos reduzem ritmo de alta no fim do dia

Um dos motivos pode ser o pedido de demissão do ex-ministro Mantega, que participaria da equipe de transição

Bruna Furlani Neide Martingo

(Dihandra Pinheiro/GettyImages)

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A quinta-feira (17) foi uma provação para os investidores. Mas, após uma sessão difícil, os juros oferecidos pelos títulos públicos reduziram o ritmo de alta no fim do dia. Às 17h27, em uma atualização extra, o Tesouro Prefixado 2025 oferecia uma taxa de 13,41% ao ano. Já entre os papéis atrelados à inflação, destaca-se o Tesouro IPCA+2045, entregava retorno real de 6,10% ao ano% .

O ex-ministro Guido Mantega comunicou, nesta quinta-feira (17), sua renúncia ao trabalho como voluntário da equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Esse é apontado como um dos fatos que estimularam o recuo.

Em documento, Mantega disse que aceitou “com alegria” participar do grupo de transição, “na certeza de poder dar uma contribuição para a implantação do governo democrático do presidente Lula”, mas que, diante da pressão de adversários “interessados em tumultuar a transição e criar dificuldades para o novo governo”, preferia se afastar dos trabalhos.

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As negociações dos títulos do Tesouro Direto prefixados e atrelados à inflação IPCA foram suspensas, por volta das 15 horas desta quinta-feira. A paralisação durou pouco mais de 15 minutos.

O dia foi de forte volatilidade. De um lado, há o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua equipe de transição, que desejam abrir um espaço de até R$ 200 bilhões para pagamento do Bolsa Família a partir de 2023 no valor de R$ 600, com adicional de R$ 150 por criança, sem um prazo determinado, além de outras despesas.

De outro, há o mercado, que vem repercutindo de forma extremamente negativa as falas e as pretensões de Lula. E, no meio, estão os investidores.

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Hoje pela manhã, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente eleito, voltou a reforçar a preocupação com o lado social, ao criticar que “não adianta só pensar em responsabilidade fiscal, temos de pensar em responsabilidade social”.

“Desde a semana estamos ouvindo o discurso do novo próximo governo, com relação a atitudes que envolvem, principalmente, o teto de gastos. Isso acabou trazendo estresse para o mercado de juros do País”, diz Guilherme Silva, assessor da DOM Investimentos.

Segundo ele, se olharmos os juros futuros, os DIs, percebemos que tiveram abertura (alta) na curva muito grande. Quando isso ocorre, as taxas do Tesouro Direto acabam subindo também  (prefixado, Selic e IPCA). “O cenário dá oportunidades de os investidores pegarem uma taxa mais atrativa hoje no Tesouro”.

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De olho na piora fiscal, agentes financeiros começam a precificar uma alta adicional da taxa básica de juros (Selic) para o ano que vem e passam a acreditar que a chance de uma queda dos juros em 2023 é extremamente baixa.

Confira os preços e as taxas dos títulos públicos disponíveis para a compra na volta dos negócios no Tesouro Direto nesta quinta-feira (17): 

Tesouro Direto
Tesouro Direto

Lula

Ao participar de painel da COP27 nesta manhã, Lula destacou que “para cumprir teto fiscal, geralmente é preciso desmontar políticas sociais e não se mexe com o mercado financeiro”.  “Mas o dólar não aumenta ou a bolsa cai por causa das pessoas sérias, e sim dos especuladores”, acrescentou.

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Lula concordou que é preciso ter meta de inflação, mas também de crescimento. “Temos de ter algum compromisso com a geração de renda, com aumentar o salário mínimo acima da inflação. Quero provar que é possível acabar com a fome outra vez, gerar empregos.”

PEC da Transição

Ao entregar a minuta da PEC de Transição na véspera, Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito, ressaltou que entregou uma “proposta” ao senadores, um “anteprojeto”. A declaração foi feita em aceno ao Congresso para deixar claro que “tudo está sendo feito no sentido de fortalecer o Legislativo”.

De acordo com Alckmin, a exclusão do Bolsa Família do teto é uma “unanimidade” no Congresso. Segundo ele, não deve haver dificuldade em relação aos recursos para investimento, educação e questões socioambientais, já que se tratam de receitas extras ou doações.

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Há, no entanto, resistências em relação ao prazo de excepcionalização do teto, especialmente por parte de parlamentares ligados ao atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), e também existe apreensão no mercado.

“Não há nenhum cheque em branco”, defendeu Alckmin, lembrando que caberá a deputados e senadores definir o prazo a ser abrangido pela PEC.

Também sobre a PEC, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmou, ontem (16), que a minuta apresentada “nem de longe será o texto apresentado”.

“Recebemos essa minuta, recebemos uma proposta, que a partir de agora vai ser construída várias mãos, por vários senadores que estão dispostos a ajudar e não é ajudar o governo eleito, é ajudar o Brasil”, disse após se reunir com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), que levou a ele e ao relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), as sugestões da equipe de transição para a PEC.

Já o relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou na noite de ontem (16) que a maior dificuldade em relação à PEC da Transição no Senado não é a tramitação, mas sim chegar a um consenso de qual deve ser o texto ideal.

“Queremos aprovar essa PEC antes de findar o mês de novembro, para que ela possa ir para a Câmara dos Deputados”, disse em entrevista coletiva. “O mais difícil no Senado não é a tramitação, é chegar a um entendimento de qual seria o texto mais adequado”, acrescentou, sinalizando que é possível até que o texto seja analisado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa no mesmo dia pela manhã e no plenário pela tarde.

Castro destacou que o texto apresentado pela equipe da transição hoje é apenas uma “sugestão”, e que o texto da PEC será apresentado pelo Senado. “Quero que todos tenham compreensão que essa PEC será proposta pelo Senado, vamos pegar sugestões que a equipe nos trouxe, negociar internamente com as lideranças do Senado até chegarmos a um entendimento”, disse. O parlamentar afirmou ainda que será o primeiro signatário da proposta, o que lhe dará a autoria da PEC, e que as demais assinaturas só serão recolhidas quando houver segurança do texto ideal.

Hoje pela manhã, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente eleito, voltou a reforçar a preocupação com o lado social, ao criticar que “não adianta só pensar em responsabilidade fiscal, temos de pensar em responsabilidade social”.

Esperança de corte da Selic em 2023 é reduzida

Diante da brecha fiscal que pode ser aberta com a PEC de Transição, agentes financeiros passaram a reajustar as projeções para os juros neste ano e no ano que vem. No começo da tarde desta quinta-feira (17), a curva de juros futuros mostrava que a Selic poderia terminar o primeiro semestre deste ano em 14,50% ao ano, o que representaria uma alta de 0,75 ponto percentual em relação ao patamar atual.

Agentes também voltaram a prever uma leve elevação dos juros já na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central agendada para dezembro. Nesse mesmo horário, a curva precificava uma chance de que a Selic fosse reajustada em 0,25 ponto percentual no encontro do próximo mês, o que levaria a taxa para 14% ao ano.

Na visão de analistas do Morgan Stanley, o abandono da expectativa de cortes de juros nas projeções para 2023 é “justificado”. Segundo o banco, o prêmio de risco da inflação se deteriorou mais de 100 pontos-base (1,00 ponto percentual) ao longo das duas últimas semanas e agora está “mais alto do que os níveis vistos ao longo do todo o ciclo de alta e do fechamento de 2015”.

Para os especialistas do Morgan Stanley, isso sugere que há um risco de aumento nas expectativas para a inflação em 2024 nas pesquisas do Focus, que atualmente está com a projeção em 3,50%, o que deve fazer com que o BC mantenha uma postura hawkish (inclinada ao aperto monetário) por mais tempo – ou até opte por realizar altas adicionais da Selic.

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“O mercado está vendo que o governo vai fazer uma [política] fiscal mais expansionista. A expectativa dos agentes sobre a inflação vai subir, devido à alta do câmbio e devido à falta de uma sinalização de controle de gastos por parte do novo governo. O BC deve ver isso e agir”, defende Marcello Freller, estrategista macro da XP.