Postalis passa bem pela crise, enquanto busca ressarcimento por perdas do passado

Fundo de pensão dos Correios consegue rentabilidade satisfatória em meio aos efeitos da pandemia, mas ainda carrega herança maldita de R$ 8,4 bilhões

Lucas Bombana

GettyImages

SÃO PAULO – Criado em 1981 para oferecer o benefício da previdência complementar aos funcionários dos Correios, o fundo de pensão Postalis tem uma base com cerca de 134 mil participantes, que detêm em conjunto um patrimônio de aproximadamente R$ 8,7 bilhões.

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É o 15º maior fundo de pensão do país, mas não foi o tamanho do patrimônio que chamou a atenção na última década. O Postalis ganhou notoriedade no período por investimentos incoerentes para um investidor de perfil previdenciário, o que culminou em um déficit de R$ 12 bilhões no fim do ano passado – revisões nas tábuas de mortalidade, conforme a população vive cada vez mais, também influenciam na insuficiência.

Depois de uma intervenção que durou pouco mais de dois anos, porém, o Postalis está se reerguendo.

De janeiro a maio, o plano de Benefício Definido (BD) do fundo de pensão, com R$ 3,2 bilhões de patrimônio, teve um rendimento positivo de 5,4%, diante da baixa exposição à Bolsa.

O plano Postalprev, de Contribuição Variável (CV) e R$ 5,5 bilhões de patrimônio, vinha com uma exposição maior em ações desde o inicio do ano, mas também conseguiu se defender bem pela carteira de renda fixa, com uma queda de “apenas” 1,5% no período.

E os bons resultados de 2020 já não são mais uma novidade por lá. No ano passado, a rentabilidade do plano BD foi positiva em 23,4%, enquanto o plano Postalprev rendeu 14,3%.

Em 2018, o rendimento de ambos já havia sido expressivo – com ganhos de 14,2% no BD, e de 10,5% no Postalprev –, marcando a virada de página na história do Postalis, após a desvalorização de 45,8% e de 11,2% em cada plano, em 2017.

2017 foi o ano em que a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgão de fiscalização do setor, determinou a intervenção no Postalis.

Ao assumir o comando do fundo de pensão na ocasião, o interventor Walter Parente identificou distorções na forma como os ativos em carteira estavam sendo avaliados, tendo de refazer os cálculos, o que resultou na desvalorização apresentada naquele ano.

A decisão pela intervenção veio na esteira de investimentos do Postalis em fundos que aplicaram em títulos da Venezuela e da Argentina, em empresas do grupo “X”, do empresário Eike Batista, e em bancos que faliram, como BVA e Cruzeiro do Sul.

A medida extraordinária durou até dezembro de 2019, após o fundo de pensão auferir retornos satisfatórios nos últimos dois anos, no embalo do ciclo positivo do mercado no período.

No entanto, após tantos investimentos mal sucedidos, expostos no início dos anos 2010, o Postalis chegou em dezembro passado com o déficit maior que o próprio patrimônio.

Cálculos do fundo de pensão indicam que cerca de 70% da insuficiência financeira, ou R$ 8,4 bilhões, decorre de investimentos que não entregaram o retorno esperado, seja por condições adversas do mercado, seja por indícios de corrupção.

O aumento na expectativa de vida, com consequentes revisões nas tábuas de mortalidade, responde pelos 30% restantes.

Alta patente

Em janeiro, o general da reserva Paulo Humberto Cesar de Oliveira, que chegou a ocupar o posto de chefe do Estado-Maior do Exército, assumiu a presidência do Postalis.

Natural do Rio de Janeiro, o presidente do Postalis se formou na turma de 1977 da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), a mesma do presidente Bolsonaro.

Pouco após se assentar na cadeira de presidente do Postalis, como se não bastasse o déficit, que está sendo equacionado via contribuição extraordinária, prevista até 2039, Oliveira teve de lidar com as condições adversas do mercado em meio à pandemia.

Nesse fronte, contudo, a vida parece até um pouco mais tranquila para o fundo de pensão. “Pela carteira conservadora, o plano BD foi muito bem, e o Postalprev teve um pequeno prejuízo, mas nada que não possa ser recuperado durante o ano”, afirma Oliveira, em entrevista ao InfoMoney.

Em meio às fortes perdas observadas no mercado em 2020, a composição do portfólio tem servido como um bom amortecedor, diz o dirigente. “A conta apresentada pela crise foi paga pela nossa renda fixa.”

Alexandre Dias Miguel, diretor de investimentos do Postalis, explica que cerca de 50% da carteira de renda fixa é composta por títulos públicos marcados a vencimento, quando a entidade assume o compromisso de manter o ativo até o prazo final, o que mitiga a volatilidade em momentos de estresse.

Tiro certeiro

Não é, entretanto, apenas a alocação majoritária em títulos públicos que tem garantido um bom rendimento para o Postalis. Em meados de março, quando o Ibovespa oscilava ao redor dos 63 mil pontos, a entidade fez uma alocação de R$ 200 milhões na Bolsa.

O investimento foi para o plano BD, mais conservador que o Postalprev, e que, no inicio de 2020, tinha uma exposição residual em ações, o que lhe garante o retorno positivo no ano.

Contudo, frente aos juros cada vez menores, o Postalis identificou a necessidade de aumentar o risco no plano BD.

Com isso, o aporte foi feito, via fundos exclusivos, em gestoras já no portfólio do Postalprev – BTG Pactual, Claritas, Equitas, Leblon, Navi, Oceana, Vinci e XP – nas estratégias de valor, dividendos e “small caps”.

O “timing” da alocação, diz o diretor de investimentos, não foi porque o Postalis antecipou o piso do Ibovespa, mas porque o processo já estava bem adiantado quando a volatilidade chegou.

“Ninguém sabia se era o fundo do poço, mas, com uma queda de quase 50% da Bolsa naquele momento, entendemos que era uma oportunidade”, afirma Miguel, há 13 anos no fundo de pensão, tendo trabalhado anteriormente no núcleo de atendimento, e na diretoria de investimentos desde janeiro.

O Postalis também aproveitou o aumento dos prêmios na renda fixa para adquirir cerca de R$ 500 milhões em títulos públicos indexados à inflação.

Disputa nos tribunais

Apesar dos resultados recentes acima da média, a herança maldita deixada por gestões anteriores ainda se faz bastante presente no dia a dia do fundo de pensão, que trabalha junto às autoridades para tentar reaver valores que julga de direito.

No dia 10 de junho, a Justiça Federal bloqueou R$ 260 milhões de 15 acusados do Postalis, do banco BNY Mellon e da auditoria Baker Tilly, entre demais envolvidos, por gestão fraudulenta e temerária, desvio de recursos, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.

No rol de acusados pelo Ministério Público Federal (MPF), estão Alexej Predtechensky, presidente do Postalis de 2006 a 2012, e José Carlos Oliveira, presidente do BNY Mellon de 2004 a 2013.

O processo investiga aporte de R$ 118,5 milhões da entidade de previdência, em 2010, no Fundo de Investimentos em Participações Eletronic Trading Brazil (FIP ETB), “relacionado ao suposto projeto de criação de uma nova bolsa de valores no Brasil”, diz o MPF, que aponta que a operação se concretizou por meio de duas empresas do grupo BNY Mellon.

O investimento no FIP ETB é apenas um entre os diversos sob investigação, envolvendo o BNY Mellon e o Postalis.

O fundo de pensão mantém, por exemplo, ação contra o BNY Mellon pelo investimento em títulos argentinos e venezuelanos, efetuado pelo fundo “Brasil Sovereign ll”, da gestora Atlântica, do qual o banco americano era o administrador fiduciário e, o Postalis, o único cotista.

Por esse caso, a entidade conseguiu bloquear R$ 250 milhões do banco na Justiça, ao alegar que o BNY Mellon falhou em seu dever fiduciário ao não impedir o investimento.

O gestor do referido fundo, Fabrizio Dulcetti Neves, foi multado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em cerca de R$ 150 milhões e proibido pela autarquia de atuar no mercado por dez anos.

Procurado, o BNY Mellon informou que os acusados já deixaram a instituição. “Iremos cooperar com as autoridades, porém não comentaremos investigações criminais em curso.”

Separando o joio do trigo

O andamento dos processos, que pode resultar em valores de volta aos cofres do Postalis, tem sido acompanhado com atenção, diz Oliveira, reconhecendo, contudo, que o ritmo dos trabalhos sofreu certa morosidade por conta da pandemia.

“Muita gente atribui o déficit às fraudes e falcatruas, mas tiveram investimentos que não deram certo pelas condições de mercado”, lembra o presidente do fundo de pensão.

No caso das apostas que não foram bem sucedidas por razões estritamente econômico-financeiras, Oliveira acredita que há maior chance de ressarcimento junto aos gestores, com quem a entidade vem em negociação nos últimos anos.

“Quando é um fundo com algum ativo, que tem chance de recuperar alguma coisa, temos que ter uma paciência maior, para tentar tirar o máximo possível”, afirma o diretor de investimentos, que prefere não passar uma estimativa do montante potencial a ser recuperado.

A venda das carteiras para casas especializadas na recuperação de ativos é outra possibilidade na mesa.

“Já nos fundos em que houve desvio de patrimônio, não tem como recuperar quase nada”, diz Oliveira, acrescentando que, nesses casos, a via judicial é a saída possível.

No entanto, no meio jurídico, é ainda mais difícil tentar prever a possível quantia a ser recuperada, ou o prazo para que isso possa ocorrer, afirma o dirigente.

“Supondo que os 15 acusados serão condenados futuramente, vamos ter só os R$ 260 milhões ou algum valor adicional?”, questiona Oliveira.

Em busca de proteção

Enquanto aguarda as decisões da Justiça, a entidade está reavaliando o cenário para definir os próximos passos no mercado.

A alta da Bolsa, afirma o diretor de investimentos, foi muito rápida, e sem fundamentos sólidos. “O que temos estudado, baseado nessa forte recuperação, são mecanismos de proteção”, diz Miguel, citando os derivativos.

“Entramos em uma fase de recuperação no mundo inteiro, e estamos nos preparando para enfrentar o novo normal”, afirma o general Oliveira.

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