“O mercado ficou muito enamorado com o teto de gastos”, diz Tony Volpon, da gestora WHG

Para ele, diante da situação fiscal conturbada, a pergunta é o que faz o BC: "Sanciona o que o mercado pede para os juros? Espero que não"

Mariana Segala

Tony Volpon, estrategista-chefe da gestora WHG e ex-diretor do BC

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SÃO PAULO – Ao fim de uma semana de muitos altos e baixos no mercado financeiro, que respondeu aos temores dos investidores quanto à política fiscal do governo brasileiro, Tony Volpon, estrategista-chefe da gestora WHG e ex-diretor do Banco Central, enxerga um ponto de inflexão.

“A maneira pela qual a demanda por gasto social está sendo resolvida não responde ao espírito do teto de gastos”, diz. “Em vez de cortar despesas como emendas parlamentares, do que obviamente o Congresso não gostaria, você simplesmente decidiu jogar para cima e criar a ideia de que está fazendo as coisas dentro do teto. É ruim, mostra uma certa falta de compromisso com a ideia de como o teto deveria funcionar”.

Ao mesmo tempo, Volpon – que concedeu entrevista ao InfoMoney nesta sexta-feira (22) – enxerga “exageros” na reação do mercado, especialmente na curva de juros. “O mercado sempre vai para o lado mais frágil para tomar hedge e expressar seu desgosto com alguma medida política”, afirma.

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Para Volpon, o mercado “ficou muito enamorado” com o teto, que tinha falhas – e que seria debatido durante o período eleitoral de qualquer jeito. Na sua visão, uma das principais questões do momento é o que o Banco Central fará diante da situação atual.

“O que o BC faz com isso? Sanciona o que o mercado está pedindo em termos de taxa de juros? Espero que não”, diz. “Não vejo condições objetivas de colocar a inflação na meta em 2022 sem causar uma recessão”.

Confira a entrevista abaixo:

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Nas últimas semanas, nessa em especial, vimos um “kit Brasil” ao contrário: bolsa caindo, juros e dólar subindo. Na sua visão, esse conjunto permanecerá assim nos próximos meses?

Já tem muita má notícia precificada. Acho que tem duas coisas. A maneira pela qual a demanda por gasto social está sendo resolvida não é uma maneira que responde ao espírito do teto de gastos, que forçaria o governo a sempre que aumentar uma despesa, diminuir outra. O que fizeram efetivamente foi jogar o teto de gastos para cima, para fazer caber todas as despesas que queriam.

Em vez de cortar despesas como emendas parlamentares, do que obviamente o Congresso não gostaria, você simplesmente decidiu jogar para cima e criar a ideia de que está fazendo as coisas dentro do teto. É ruim, mostra uma certa falta de compromisso com a ideia de como o teto deveria funcionar. Mas contextualizando, quando a gente vê as quantias que estão sendo discutidas, elas são relativamente pequenas. Não sabemos se não vão aumentar quando passar pelo Congresso. Mas se ficar está, R$ 30 bilhões num orçamento de R$ 2 trilhões não é o fim do mundo. E o gasto primário ainda deve ser menor nesse governo do que foi no governo [Michel] Temer.

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Teve um certo exagero, especialmente na curva de juros. O Banco Central tinha feito uma intervenção no mercado de câmbio, que diminuiu o impacto e o mercado fugiu para os juros. O mercado sempre vai para o lado mais frágil para tomar hedge e expressar seu desgosto com alguma medida política.

Agora, os mercados vão melhorar nos próximos meses? Acho que vão melhorar, em parte, porque acho que nesse momento teve um exagero. Tem um componente técnico, as pessoas têm de vender para alguém, não tem liquidez, então o preço tem de ajustar muito até alguém estar disposto a comprar. Mas resolvendo essa pendência, a política fiscal está dada. Você é restrito pela lei de fazer muita coisa em período eleitoral. Então a política fiscal é essa, é um enfraquecimento, que vai cobrar seu preço.

Para melhorar, depende do cenário, inclusive eleitoral. Tem uma especulação de como isso pode impactar o cenário eleitoral, se eventualmente aumenta a probabilidade de sucesso de uma terceira via. É algo que o mercado vai querer explorar. Se você tem uma parcela da elite que talvez apoiou o governo Bolsonaro na sua promessa de uma política econômica mais liberal, agora ela está desapontada, e talvez vá procurar uma terceira via, com Eduardo Leite [governador do Rio Grande do Sul pelo PSDB] sendo o mais cotado. Vamos ver se isso é um fator que pode aumentar a chance da terceira via, o que seria bastante positivo para o mercado.

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E qual é a segunda questão?

A segunda questão é o que fará o Banco Central. O mercado está pedindo muito aumento de juros do Banco Central, de maneira que acredito ser exagerada. Quando você aperta as condições financeiras, vai derrubar o crescimento econômico no ano que vem. O hiato do produto, aquela diferença entre o que pode ser produzido e o que está sendo produzido de fato, deve ficar maior. Tem esse componente recessivo, e outro inflacionário, via câmbio.

O que o BC faz com isso? Sanciona o que o mercado está pedindo em termos de taxa de juros? Espero que não. Se fizer parte do que o mercado está pedindo, pode acabar tendo uma recessão ano que vem induzida pela política monetária. Não acho que seria o lugar do Banco Central nesse momento, em que estamos saindo de uma grande crise, agora de uma maneira muito mais frágil, em função do que está acontecendo com a questão fiscal, você vir e dar uma paulada na economia com juros em patamar extremamente restritivo.

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Reconhecendo a necessidade de controlar a questão inflacionária, que fugiu do controle, em parte por culpa do Banco Central e a política que ele praticou no final do ano passado e início desse ano, espero que não tentem concertar um erro cometendo o mesmo erro ao contrário. Espero que tenham um pouco mais de calma, que reconheçam que desinflacionar a economia vai demorar um pouco mesmo, não vejo condições objetivas de colocar a inflação na meta em 2022 sem causar uma recessão.

O BC se colocou num corner com aquele discurso de que era passageiro da política fiscal. De certa maneira, vai ter de subir mais os juros do que o mercado esperava. Estamos prevendo que em vez de 100 pontos-base serão 125 pontos-base na próxima reunião do Copom [Comitê de Política Monetária], que a Selic chegue acima de 10%, mas espero que fique por aí ou venha menos.

Qual é a expectativa de vocês para a Selic?

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Quero diferenciar o que é nossa previsão, de 125 pontos-base, mas o adequado mesmo, na minha opinião, era continuar com 100 pontos. O Banco Central tem de ser o cabeça fria, nem exagerando para um lado, nem para o outro. Quando mercado precifica um patamar de juros começa meio que a pressionar o Banco Central a entregar aqueles juros, senão eles perdem dinheiro. O Banco Central tem de ter cuidado nisso de ficar sancionando o mercado o tempo inteiro.

E agora ele tem uma meta de atividade, é uma meta secundária, mas tem. Não pode simplesmente ignorar isso.

Nosso economista-chefe revisou hoje [sexta, 22] a projeção da Selic para 10,75% ao ano no final do ciclo, em maio de 2022.

Foram várias tensões nesta semana: Auxílio Brasil, teto de gastos, debandada do Ministério da Economia, fora os temas que já eram conhecidos antes, como a inflação. O que preocupa mais?

Parafraseando Donald Rumsfeld, there are known unknowns and unknown unknowns [existem desconhecidos conhecidos e desconhecidos desconhecidos].

Essa coisa do Auxílio Brasil estamos discutindo desde o ano passado. Em outubro do ano passado, o [ministro Paulo] Guedes apresentou aquela primeira proposta, que era boa, de fazer tudo dentro do teto, e então teve a famosa frase do presidente [Jair Bolsonaro] de que não ia tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Encerrou aquilo e então a gente entrou nessa longa agonia, de como fazer isso, finalmente rompendo o teto. Esse período de longa agonia também foi muito ruim, porque deixou o mercado continuamente em estado de incerteza.

Um lado positivo disso, dependendo do que o Congresso decidir, é que pelo menos se encerra essa questão e a gente pode passar para fatores onde a certeza não é tão grande. Por exemplo, a questão da inflação, mas também há riscos no cenário internacional. Ano que vem vai ser muito mais complicado, pois a inflação é um fenômeno global. Você tem n bancos subindo juros, não só o Banco Central brasileiro, mas o grande banco, que importa mais que todos somados juntos, que é o Fed [Federal Reserve, banco central dos EUA], está lá tateando.

O início da alta de juros começa a se aproximar do presente. Meses atrás era esperado para 2023 pela grande maioria dos analistas, agora está no meio do ano de 2022 e pode ficar mais perto dependendo da inflação nos Estados Unidos. Ano que será de menos crescimento econômico, política monetária mais apertada em nível global e inflação que eu particularmente acredito que vai se manter relativamente persistente.

Tenho dito que a inflação vai ser o grande problema mundial, que os Bancos Centrais fizeram um enorme erro de avaliação quando trataram a crise da Covid como uma crise de demanda, quando na verdade era um choque de oferta. Corrigir esse erro vai custar caro.

O cenário externo, que foi excelente durante vários meses, começa a ficar mais nebuloso. Pode ser que a inflação ceda, que o BC americano não tenha que fazer uma coisa mais agressiva. Os fundamentos da economia americana estão excelentes, a nível de riqueza, renda, emprego. Mas tem esse probleminha da inflação, que está rodando a 5%. Tem de ser sanado em algum momento, e como sabemos, o longo histórico é de que quando o Banco Central americano pega resfriado, a gente pega pneumonia. Vai ser um desafio a ser enfrentado no ano que vem, com todos os nossos problemas domésticos para tentar resolver.

Na sua visão, os acontecimentos dessa semana marcaram um ponto de inflexão?

Sim, o teto foi rompido. Se toda vez que existe uma demanda social a gente joga o teto para cima, serve para quê?

Não sou fã do teto, sempre achei que ia dar em algo desse tipo, que em algum momento a coisa ia pressionar, ia ser rompido, e que pagaríamos o preço pelo rompimento. O mercado ficou muito enamorado com o teto. Sempre defendi que o teto tivesse válvulas de escape pré-definidas e alguma ligação com o ciclo econômico.

Isso torna o teto mais complicado, é verdade, o teto foi importante porque foi uma regra simples colocada em momento de grande dúvida. E funcionou, o gasto primário caiu. Mas criou pressões que agora explodem na cara de todo mundo.

Mas sejamos práticos. O teto ia ser debatido na eleição, então meio que estamos antecipando um debate que aconteceria de qualquer maneira. Foi de uma maneira péssima, porque não foi um debate, foi uma recusa ao mecanismo feita pelo governo. Sabíamos que o PT e seu provável candidato [ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva] são abertamente contra, mas não colocaram muito bem, se não tem o teto, tem o quê? Agora fica esse vazio.

O governo que, em tese, é de direita e liberal, basicamente não quer sobreviver dentro do teto, porque quando a coisa apertou, ele flexibilizou. Não sou contra dar o auxílio, mas devia ter cortado outro gasto. E aí o que vamos fazer? Fica essa dúvida, que não será sanada no curto prazo, porque agora entrou no debate eleitoral. Vamos ficar um ano e meio pensando qual será a política fiscal a partir de 2023. Depende do resultado da eleição.

Chegaram a revisar as projeções para a economia e a inflação?

Nossa projeção para inflação é de 4,7% para 2022, era de 3,9% antes. Para o PIB de 2022, a previsão é de 0,3%, beirando a recessão.

Os fundos da WHG investem no exterior, mas todos têm uma parcela também no Brasil. De que tamanho é essa parcela hoje?

Hoje é 3% da carteira. A redução aconteceu uns meses atrás. Foi um pouquinho de sorte, mas reduzimos perto dos 130 mil [pontos do Ibovespa], seguramos até junho. Hoje, está abaixo do que seria o normal. Essa história tem se arrastado nos últimos meses.

Vale a pena investir em Brasil nesse momento?

A Bolsa está barata, inegavelmente. Agora, não temos um alinhamento de fatores macro e de posicionamento favoráveis. Não é aquela situação como em março, quando tínhamos uma posição mais comprada em Brasil. Você tinha um alinhamento entre uma possível reabertura da economia em função do sucesso da vacinação, que estava incipiente no começo, mas a gente achava que ia acelerar, e a Bolsa tinha caído bastante entre dezembro e março. Estávamos muito animados com a economia global naquele momento. A filosofia de gestão é que quando as coisas se alinham, você faz a posição. Mas só porque uma bolsa está barata não é justificativa para fazer uma posição maior nela.

Acho que esse é o caso do Brasil hoje. Você vai ter desaceleração do lucro das empresas no Brasil, ao contrário do que aconteceu nesse ano, com uma enorme aceleração. Você tem um ambiente externo mais desafiador, tem toda a questão fiscal, tem juros indo para provavelmente dois dígitos, que não era a expectativa em março. Como vencer essas coisas?

Algo que pode nos levar a querer fazer alguma coisa é o cenário político. A terceira via. Se começa a ter possibilidade e a expectativa de ter um resultado eleitoral que não é meramente a polarização, é algo que o mercado pode levar em conta positivamente. Sem fazer julgamento de valor, que candidato é bom ou ruim, esse não é o ponto. Mas o mercado vai ver isso positivamente, e aí tentaremos aproveitar essa oportunidade, se ela eventualmente surgir. Mas está difícil.

A terceira via é viável?

É possível. O empresariado, o mercado financeiro… tem gente que acredita na importância da bússola fiscal. Acredito que os candidatos do PSDB têm de fato apoiado a regra do teto. Se um desses candidatos [Eduardo Leite, João Dória ou Artur Virgílio] começar a subir nas pesquisas, o mercado se anima. É um cenário, não sei se vai acontecer, poderia ser uma surpresa positiva.

A defesa do teto ou de uma regra fiscal mais dura está meio órfã agora. O PT publicamente é contra, o governo acabou de fazer isso. Está lá para alguém pegar e dizer “gosto, é minha, apoio”. O mercado acredita que o governo Bolsonaro não mais representa esse posicionamento, algo negado pelo ministro Guedes. Mas é o que o mercado acha.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney