O Brasil não é “locomotiva”, mas sim um vagão: como entender os mercados a partir de agora

O viés caseiro faz acreditar que as notícias e dados locais são os fatores mais importantes para balizar nossos investimentos – mas não é bem assim

Lucas Collazo

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Caros(as) leitores(as),

Desde que ingressei como profissional no mercado financeiro, tive interações com todos os tipos de investidor, dos profissionais aos individuais. Todos possuem algo em comum: o “home bias”, viés de investir em seu país de origem.

Obviamente não é uma realidade apenas no Brasil, mas também não é algo tão comum assim em demais geografias. O brasileiro realmente é um dos povos mais viesados.

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Podemos observar isso pelos dados de poupança da população: a parcela internacional ainda ocupa um espaço ínfimo nesse montante. Não é muito difícil perceber que essa “linha de raciocínio” é incorreta, basta olhar para os lados e observar a quantidade de produtos que são estrangeiros. Muito do crescimento do mundo e tendências estão fora do Brasil.

Esse não é o tema da coluna de hoje. O viés caseiro, por assim dizer, também nos faz acreditar que as notícias e dados locais são os fatores mais importantes para balizar nossos investimentos.

Crença permanentemente incorreta. Nossa bolsa, por exemplo, representa 0,4% de todo o mercado acionário do planeta – ou seja, praticamente nada.

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A taxa de juros americana é o grande centro de gravidade dos ativos no mundo, inclusive para os nossos. É impressionante observar a correlação de momentos de baixa e alta histórica do Ibovespa em dólares com índices americanos – em alguns casos, eles ocorrem até mesmo no mesmo dia.

Introdução feita, acredito que nos dias de hoje, essa “dependência” com o cenário externo esteja ainda maior. Explico:

No passado recente, o brasileiro efetuou retiradas de recursos da nossa Bolsa de Valores. Mês após mês, bilhões e bilhões de saídas.

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Tecnicamente, a bolsa está leve no que tange ao posicionamento interno. Quando dividimos a exposição em Bolsa do brasileiro pela M4, uma medida de poupança interna, estamos em patamares similares a 2015 – o Brasil era muito diferente (e bem pior) naquele ano.

Isso nos deixa à mercê do fluxo estrangeiro, que acaba sendo grande vetor de preços de curto prazo para os ativos locais. Terrível para value investors, aqueles que compram ações acreditando no valor de longo prazo das companhias.

O “gringo” ainda não enxerga o Brasil como um investimento de longo prazo, não temos crescimento suficiente para isso. Somos “tradáveis”, na língua financeira.

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Todo o movimento de entrada ou saída de estrangeiros é relevante para determinar o comportamento dos preços. Os juros nos EUA ganham ainda mais importância.

No fim do ano passado, vimos as curvas de juros nos EUA “fecharem”, ou seja, a expectativa de juros futuros por lá foi reduzida. O que aconteceu? Rali nas bolsas, inclusive no Ibovespa – quem aí lembra de novembro?

Neste ano tivemos um movimento contrário: as curvas “abriram”, ou seja, a expectativa de juros futuro subiu. O que aconteceu? Queda nos ativos de risco, resgates dos estrangeiros da nossa Bolsa, queda no Ibovespa.

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Collazo, aonde você quer chegar?

O principal ponto de preocupação para toda e qualquer pessoa que investe seu patrimônio (ou parte dele) no Brasil precisa ser o cenário externo. Ele pesa muito mais do que as questões internas.

Uma supressa inflacionária nos EUA, o pouso da economia americana ser realizado de forma mais intensa, mudanças de direcionamento dos juros pelo Federal Reserve. Tudo isso pode mudar o comportamento dos investidores, aumentar ou diminuir o apetite por risco – o que interfere no resultado de curto prazo dos ativos locais.

Sinceramente, creio que essas questões não sejam as mais relevantes pois invisto meu capital a longo prazo, diversifico minha carteira conforme as ciências amplamente conhecidas de alocação e deixo o tempo agir ao meu favor. O conhecimento sobre esse ponto é importante para que você entenda o meio que está inserido e a dinâmica mais correta dos preços.

O Brasil é um vagão no trem do mundo, não somos a locomotiva. Quem puxa a fila são os EUA, pelo que parece até aqui, ainda mais com o isolamento da China, que caminha a passos largos para se tornar um “Japão”. E deve permanecer dessa forma durante muitos e muitos anos.

Lucas Collazo

Host e conselheiro no fundo do Stock Pickers | Especialista em alocação e fundos de investimento no InfoMoney