Selic ficou em 6,5%: qual o impacto da taxa no seu bolso?

Diferente do que aconteceu em maio, quando o resultado foi uma surpresa para o mercado, desta vez a decisão já era esperada

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – O Comitê de Política Monetária (Copom) definiu, nesta quarta-feira (20), manter a taxa básica de juros em 6,5%, pela segunda vez consecutiva. Diferente do que aconteceu na última reunião em maio, quando o resultado foi uma surpresa para o mercado, desta vez a decisão já era esperada. De outubro de 2016 até março deste ano, a Selic foi cortada 12 vezes seguidas, chegando ao menor patamar histórico – desde 1999 quando começou o regime de metas de inflação. 

O noticiário de economia sempre aborda o assunto, mas muitas pessoas não entendem qual o efeito da Selic em seu dia a dia. “A taxa de juros neste patamar é algo novo para a realidade brasileira. A história de juro alto e alta inflação é tão forte na cultura do brasileiro, que vemos o resultado disso na alienação da população com educação financeira, o que inclui a tradição de manter o dinheiro na poupança, mesmo tendo outras opções muito mais rentáveis. A dificuldade do entendimento vem justamente dessas questões culturais e históricas da criação do Brasil República”, afirma Diogo Hoffmann, assessor de investimentos da Ciga Invest.

Ele afirma que o “principal problema” em relação à percepção pelas pessoas da Selic é que “com as assimetrias que temos aqui no Brasil fica mais difícil que a população em geral tenha ciência da ‘presença’ da taxa de juro no seu dia a dia”. Por isso, segundo ele, que na prática a inflação observada pelas pessoas é maior do que o IPCA [Índice de Preços ao Consumidor] que elas leem em sites e jornais. Por assimetria, entende-se por exemplo: cai a taxa de juros, mas não as taxas de empréstimos como o cheque especial ou o cai o preço do combustível para os produtores, mas não é repassado para os consumidores finais nos postos de gasolina, de acordo Hoffmann. 

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Segundo ele, a redução da Selic de 14,25% para 6,5% em pouco mais de um ano tem como principal objetivo estimular a economia produtiva. “Ou seja, o dinheiro antes voltado à investimentos com os cortes passa a ser destinado à expansão de empresas ou para facilitar a compra de uma casa ou um carro, enfim a ideia é  estimular a movimentação do dinheiro na economia”, afirma.

“Como o ciclo de queda da Selic pode impactar na minha vida?”

Alimentos: menor aumento de preços

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De forma prática, a relação da queda e controle da inflação nos últimos meses junto com os cortes da Selic tem refletido nos preços dos alimentos. “Não é diretamente observado uma queda nos preços dos alimentos, digamos que percebemos um menor aumento nos preços”, explica Hoffmann. Ele diz que por a economia brasileira ser por característica inflacionária, observar redução de preço é sempre algo pontual.

No setor alimentício, podemos atribuir essa mudança de preços à oferta e demanda. “Isso porque a cadeia econômica dos alimentos é uma cadeia completa, passando pelo produtor > transporte > distribuidor > mercado > consumidor. Nessa cadeia é possível ‘captar’ as nuances da inflação”, explica o assessor da Ciga Invest.

Investimentos: renda fixa rende menos 

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Um dos primeiros efeitos que as pessoas podem sentir é em relação ao seus investimentos – inclusive aqueles que insistem em deixar algum dinheiro na poupança. “O Brasil tem uma taxa de juros historicamente alta e associando isso ao brasileiro que investe apenas em poupança, há um senso comum do ‘1% mágico’: como se essa aplicação rendesse 1% ao mês – o que hoje com a Selic em 6,5% não é verdade, rende muito menos, perto de 0,4%”, explica Hoffmann. Segundo ele, muitas pessoas ainda se sentem mais seguras deixando o dinheiro na poupança, mas nesse ciclo de queda de juros esse movimento é errado. Mas por outro lado, essa rentabilidade menor pode estimular as pessoas a buscarem novas opções de investimentos.

Para quem investe em renda fixa, essa dinâmica de juros não ajuda a ganhar dinheiro, considerando que o maioria dos títulos dessa categoria rendem em linha com a Selic. “Para continuar lucrando, a melhor opção é diversificar a carteira e em busca de retorno com renda variável. Os juros baixos têm impacto positivo na Bolsa de Valores”, afirma Bruno Ponciano, assessor de investimentos da Aequilibrium Investimentos.

A situação do país com um ciclo de juros altos fez com que boa parte dos investidores tomassem uma posição extremamente conservadora sobre seus investimentos. “Anos atrás por que alguém aceitaria tomar mais risco em seus investimentos, diversificando para ações por exemplo, tendo algo tão interessante, com risco baixo e boa liquidez como no caso dos títulos de renda fixa? Hoje já vemos uma mudança gradual na postura dos investidores na busca de melhores investimentos e na busca por conhecimento para investir”, explica Ponciano.

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Para quem investe em ações a Selic mais baixa tem aspectos muito positivos. “Quero lembrar que uma boa parte das empresas negociadas na bolsa tem dívidas bancárias e quando ocorre uma queda na Selic o montante total que aquela empresa destinava para o pagamento de juros diminui fortemente, ocasionando uma sobra que poderá ser investida em matérias prima, contratação de novos funcionários, expansão de seus negócios, maior pagamento de dividendos a seus acionistas e etc”, explica Ponciano.

Empréstimos: “bancos com freio de mão levantados”

Em relação aos empréstimos, Ezequiel Karling, economista da Moinhos Investimentos, afirma que a Selic em níveis mais baixos pouco impacta diretamente no custo dos empréstimos que as pessoas físicas tomam.

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Ponciano acredita que esse cenário não é muito animador. “A verdade é que os bancos ainda estão com o ‘freio de mão levantado’, ou seja, não estão com tanto apetite para emprestar recursos. As pessoas até podem tentar, mas vão encontrar dificuldades. O melhor seria trocar empréstimos pessoais por empréstimos com garantias, isso sim traz uma grande redução nos juros”, explica o assessor de investimentos da Aequilibrium.

Segundo ele, pensando sempre no médio longo prazo, se a economia tiver andado, o PIB (Produto Interno Bruto) volta a crescer, em consequência o índice de emprego também melhora e os bancos se sentem mais confortáveis para emprestar dinheiro. “Essa sequência de coisas faz com que as taxas de juros oferecidas pelos bancos caiam, porque eles passam a ‘brigar’ para atrair mais clientes. Por isso, se tudo melhorar as instituições bancárias voltam a baixar juros para financiamento e empréstimos”, explica Ponciano.  

Embora estejamos passando por um momento de melhora em relação ao ano passado hoje a situação não é boa, porque os bancos ainda não se sentem seguros. “Se empresta dinheiro e a pessoa fica desempregada na semana seguinte? Então ainda encontramos uma certa resistência em liberar empréstimos. Nos anos de governo de Dilma, os dois bancos públicos Caixa e Banco do Brasil emprestaram bastante dinheiro e hoje estão tomando muitos calotes porque a situação econômica piorou de lá para cá e muita gente não tem como honrar a dívida”, explica Ponciano.

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Se você pretende fazer um empréstimo como comprar um carro ou uma casa, a orientação de Ponciano é esperar um pouco para ver se a confiança na economia realmente vai aumentar. 

Segundo dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) considerando um ciclo de juros de agosto de 2016 até maio de 2018 a taxa para fazer um empréstimo caiu de 155,43% ao ano para  127,33% a.a. Mas para Ponciano, esse corte poderia ter sido maior. “Já deveríamos ter notado uma redução mais significativa, mas estamos no Brasil onde se encontra um dos maiores spread bancários do mundo”, opina Ponciano.

Cheque especial: taxas seguem altas

Segundo Hoffmann, no Brasil há uma assimetria em relação a percepção da Selic, por exemplo: a taxa diminui, mas essa redução não é passada na mesma intensidade pelos bancos. “Pessoas endividadas com o cartão de crédito ou cheque especial (maior grupo) se encaixam no grupo dos que não tem ‘recebido’ essa redução proporcional das taxas”, explica.  

Ele também comenta que o brasileiro utiliza cheque especial e o cartão de crédito de forma errada, por não saber o exato funcionamento e por não ter responsabilidade financeira. “Por esses motivos acaba-se criando esse GAP entre as formas de dívida”, diz. Afinal, o cartão de crédito pode ser uma boa ferramenta se o indivíduo souber usar com responsabilidade e pagar sempre em dia.   

Ezequiel Karling, economista  da Moinhos Investimentos, complementa que justamente por não ter esse repasse a queda dos juros pouco impacta diretamente no custo do cheque especial que as pessoas físicas usam. “Se a gente calcular a magnitude do movimento de queda da Selic entre 14,25% ao ano em agosto de 2016 para os 6,5% ao ano em março, mantido em maio, deste ano encontramos uma queda de aproximadamente 56%, enquanto o juros médio do cheque especial foi de 296,33% para 290,85% ao ano no mesmo período, uma queda de 1,85% a.a, segundo dados da Anefac”, explica Karling.

Com essas informações conclui-se que não houve um impacto significativo no bolso do brasileiro que pega dinheiro emprestado devido à queda dos juros, esse patamar alto de juros para os empréstimos se deve principalmente a má qualificação do brasileiro como pagador, segundo o economista.

Empresas e Estado estão felizes com o ciclo de quedas

Por outro lado, Karling explica que “a queda da taxa básica de juros, que é utilizada como referência do mercado para mensurar o custo do dinheiro, gera um impacto positivo muito expressivo  nas contas públicas, reduzindo o custo do endividamento do Estado Brasileiro e consequentemente melhora na saúde financeira do Governo, fazendo com que o mesmo possa utilizar mais recursos em prol da sociedade ao invés do pagamento de juros”.

Além do Estado, outro segmento que se beneficia significativamente da queda da taxa Selic são as empresas. “Elas captam recursos nos bancos ou até diretamente no mercado de capitais principalmente através da emissão de debêntures e CRAs [Certificados de Recebíveis do Agronegócio] e CRIs [Certificados de Recebíveis Imobiliários] e passam a ter um custo mais baixo para capitalização, que gera maior viabilidade do  objetivo final que é a ampliação da produção da empresa e resulta consequentemente na geração de mais empregos”, explica o economista.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.