Na contramão, Mar Asset diz que BC deve esperar mais para cortar Selic por risco de desinflação “transitória”

Gestora lembra que queda da inflação sem o aumento do desemprego pode estimular a demanda e alerta que há países retomando aperto monetário

Bruna Furlani

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Às vésperas de mais uma decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, a Mar Asset Management parece ter uma opinião bem mais conservadora do que boa parcela das gestoras, que têm defendido cortes de juros a partir de agosto.

Sem especificar uma data, a Mar Asset afirmou que o BC deveria “esperar mais tempo” do que o mercado prevê para começar o ciclo de afrouxamento monetário. É consenso entre agentes financeiros que a autoridade deve manter os juros em 13,75% na reunião desta quarta-feira (21).

Em sua justificativa, a casa destacou que um dos argumentos mais fortes para a queda de juros é a “surpreendente desaceleração da inflação de serviços” ao fim do ano passado, ao mesmo tempo em que a atividade econômica se manteve mais resiliente.

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Por outro lado, a Mar Asset afirma que a “força” desse argumento é também a sua maior “fraqueza”. “O nível surpreendente de desinflação sem uma redução compatível na demanda agregada fragiliza a premissa de que essa desinflação seja sustentável, aumentando a possibilidade de ser algo transitório”, ponderou.

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A gestora lembra que a queda na inflação sem o aumento do desemprego pode estimular a demanda, já que há uma tendência de elevação da renda real da população e abertura de espaço no orçamento familiar para mais gastos.

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Dados mais recentes reforçam a ideia de uma atividade econômica mais aquecida do que o esperado. No trimestre encerrado em abril, por exemplo, a taxa média de desemprego no Brasil ficou estável em 8,5%. Essa também foi a menor taxa para um trimestre encerrado no quarto mês desde 2015, quando ficou em 8,1%, segundo dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).

A gestora alerta ainda que a massa salarial e a renda real estão acelerando na comparação anual. Segundo a última Pnad Contínua, o rendimento real habitual ficou em R$ 2.891, o que representa estabilidade frente ao trimestre encerrado em janeiro, mas um crescimento de 7,5% na comparação anual.

Já a massa de rendimento real habitual, de R$ 278,8 bilhões, também demonstrou estabilidade na comparação entre trimestres, mas apresentou alta de 9,6% no confronto com abril de 2022.

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“É surpreendente que, apesar da taxa de juros real ex-ante ter estado acima de 6% por 20 meses, a demanda tenha sentido tão pouco a contração monetária”, observa a Mar Asset.

Apesar disso, a casa destaca que a “baixa sensibilidade” da demanda agregada ao ciclo de juros não “é exclusividade” do Brasil e lembra que isso tem sido observado ao redor do mundo – após estímulos fiscais sem precedentes implementados durante a pandemia.

“Alguns países estão estendendo os ciclos de alta após anunciarem o fim do processo de aperto”, reforça a gestora, caso do BC da Austrália e do Canadá, por exemplo.

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Na avaliação da Mar Asset, a retomada é justificada, porque parece “improvável” que a desinflação ocorra de maneira sustentada sem que se verifique efeitos na desaceleração da atividade, no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) abaixo do potencial, ou um aumento do desemprego e uma queda nos salários.

Nesse sentido, a gestora defende que não é possível descartar que os fundamentos econômicos que continuam fortes sejam “revitalizados” por uma eventual queda dos juros e passem a ser um “forte limitador da queda ou até mesmo um acelerador da inflação” nos próximos meses.

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Apesar de estar na contramão do mercado, a Mar Asset acredita que o Banco Central não necessariamente estaria “equivocado” em antecipar um ciclo de afrouxamento monetário em um momento de aceleração do crescimento da massa salarial real, surpresas positivas recorrentes no nível de atividade, incertezas sobre o nível de juros neutro e inflação de longo prazo desancorada.

“No entanto, de forma geral, parece sensato evitar a crença de que dessa vez é diferente e adiar o início dos cortes de juros por mais tempo, com o objetivo de coletar mais informações e dissipar incertezas em torno deste início de ciclo”, avalia a gestora.

Críticas do governo

Além de lidar com a pressão do mercado para os cortes, a autoridade monetária tem sido alvo de novas críticas por parte do governo. Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a atacar a condução da política monetária.

Na segunda edição da live “Conversa com o Presidente”, transmitida nesta segunda-feira (19) em seu canal do YouTube e redes sociais, Lula disse que a manutenção da Selic no atual patamar de 13,75% ao ano “não tem explicação”.

Durante a transmissão, Lula comemorou o melhor desempenho da economia brasileira, chamando atenção para a desaceleração da inflação e exaltou a redução dos preços de alguns alimentos, citando a carne, o arroz e o óleo de soja, além da queda recente do dólar.

“A inflação está abaixando. O dólar está caindo. Apenas o juro precisa baixar, porque também não tem explicação”, afirmou.

“O presidente do Banco Central [Roberto Campos Neto] precisa explicar, não a mim, porque já sei por que ele não baixa, mas ao povo brasileiro e ao Senado que o elegeu por que ele mantém essas taxas de juros de 13,75% em um país que está com uma inflação anual de 5%”, acrescentou.