Kawall: apesar de reação ‘moderadamente positiva’ do mercado com regra fiscal, alocação está ‘conservadora’

Para ex-secretário do Tesouro Nacional, dúvidas vão da possibilidade real de cumprimento das metas ao que sobra da Lei de Responsabilidade Fiscal

Mariana Segala

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e sócio-fundador da Oriz Partners

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O “benefício da dúvida” concedido pelo mercado com relação à proposta de novo arcabouço fiscal apresentada pelo governo há poucas semanas redundou em uma reação “moderadamente positiva” na Bolsa, no dólar e nos juros. Em termos práticos, no entanto, a alocação da Oriz Partners sugerida a seus clientes permanece “muito conservadora”.

É assim que Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e sócio-fundador da Oriz, resume como tem se posicionado às vésperas da formalização da regra fiscal em projeto de lei a ser enviado pelo governo ao Congresso, o que espera-se que aconteça na próxima semana.

Kawall aguarda o texto final para avaliar as medidas que efetivamente constarão no PL. Pela proposta do governo, a regra define que os gastos devem crescer anualmente dentro de um intervalo que vai de 0,6% a 2,5%, em termos reais. As despesas aumentariam a uma taxa de 70% da variação real da receita líquida apurada em 12 meses até junho do exercício anterior. Em situações de retração da receita, um crescimento mínimo real estaria garantido.

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A proposta também cria uma meta de resultado primário, com bandas de tolerância de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo. O governo Lula se comprometeu com um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, equilíbrio no ano seguinte e superávit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026.

“Preferiria uma regra mais dura com os gastos, para não ter de contar tanto com a elevação de receita [para atingir as metas de resultado primário]”, diz Kawall.

Segundo o executivo, a proposta volta a se focar no resultado primário (ao contrário do antigo teto de gastos), o que cria uma viés pró-cíclico. “Se tem mais receita, a regra coloca o governo em posição de gastar mais, sujeito a um piso, que é mais do que prevalecia no teto de gastos”, explica. O teto limitava o crescimento dos gastos à inflação acumulada no ano anterior, enquanto o novo arcabouço prevê que sempre haja aumento real das despesas (acima da inflação).

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“Isso mostra uma intenção de que a regra fiscal tenha mais espaço para o crescimento dos gastos”, diz Kawall. “Pela nova regra, se não houver aumento das receitas, existe um piso para o crescimento dos gastos, enquanto a regra anterior buscava contê-los via reformas e eficiência do setor público para ter uma arrecadação tributária sob controle”. Sua avaliação é de que a proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, induz o governo a buscar mais receitas para, com isso, também poder gastar mais.

Até aqui, Haddad tem enfatizado que não haverá elevação de carga tributária – e, sim, combate aos “jabutis” que estabelecem injustiças ou distorções no sistema tributário. Na visão de Kawall, porém, “não é muito simples” encontrar fontes de receita adicional da ordem de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões, valor apontado pelo ministro como necessário para cumprir as metas de resultado primário divulgadas pelo governo.

“As contas que fazemos mostram uma grande dificuldade de chegar no déficit projetado para 2023 sem um expansão considerável da carga tributária”, avalia o executivo.

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O que sobra da Lei de Responsabilidade Fiscal?

Para o sócio da Oriz, um dos temas mais relevantes a observar no projeto de lei que será encaminhado ao Congresso é o que resvala na Lei de Responsabilidade Fiscal.

O dispositivo, editado em 2000, estabelece a definição de uma meta de resultado primário mandatória na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no orçamento anual. A cada bimestre ao longo do ano, o governo pode utilizar decretos de reprogramação para determinar contingenciamentos de gastos discricionários, caso se perceba dificuldade para cumprir a meta.

Pela proposta do arcabouço, o governo sugere que regra de resultado primário não mais será mandatória, e, sim, indicativa. Isso porque ela prevê que se o resultado primário previsto não for alcançado, haverá uma penalidade no ano seguinte – reduzindo o limite de crescimento dos gastos para 50% (e não 70%) da variação real da receita líquida.

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“A regra de hoje estabelece que a meta de resultado primário tem de ser cumprida, e a maneira de fazer isso é o controle dos gastos”, diz Kawall. “Pelo que o governo deu a entender, isso não vai prevalecer, o que é bem negativo”. Para seguir nesse caminho, no entanto, o governo precisaria propor ajustes na Lei de Responsabilidade Fiscal, avalia.

“Um pouco cético”

Kawall se diz “um pouco cético” sobre a maneira como a regra fiscal foi construída, inclusive à luz das intenções já expressas pelo governo de elevação de gastos obrigatórios, com aumento real do salário mínimo, além de gastos com segmentos como educação e saúde.

“Se o gasto obrigatório determinado pela Constituição crescer numa velocidade superior à banda da meta [de resultado primário], a regra não funciona, pois não tem força para bloqueá-los”, avalia.

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Por isso, tem mantido uma alocação conservadora – também pelas incertezas em torno da gestão da política monetária e dos rumos da nova diretoria do Banco Central, entre outras razões. “Preferimos não ter renda fixa prefixada, e, sim, papéis indexados à inflação. Também estamos muito cautelosos com a Bolsa, que se ressente da incerteza fiscal e da indefinição com relação ao rumo dos juros”, diz.

Mariana Segala

Diretora de Redação do InfoMoney