Jogo de “perde-perde”, conflito deflagrado entre Rússia e Ucrânia colocaria “lenha na fogueira inflacionária” global, diz Wichmann, da XP

Com crescimento da volatilidade nos mercados, "alongar o horizonte de investimentos é a forma mais elegante de se proteger", diz CIO da XP Private

Mariana Segala

Artur Wichmann, CIO da XP Private (Foto: Divulgação)

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Há semanas, a tensão envolvendo a possibilidade de uma invasão da Rússia à Ucrânia se intensifica. Não é um conflito novo, e nem será o último envolvendo os países da antiga União Soviética. “Podemos esperar que Putin [Vladimir Putin, presidente russo] levante a voz de vez em quando”, diz Artur Wichmann, CIO da XP Private. “É o jeito dele de manter a Rússia geopoliticamente relevante”.

Mas quais seriam os custos de a guerra retórica evoluir para um conflito deflagrado entre os dois países? Na visão do executivo, um jogo de “perde-perde” com potencial para botar “lenha na fogueira inflacionária” global – e justamente no momento em que diversos bancos centrais iniciam um movimento de aperto monetário para conter o avanço dos preços que se seguiu à eclosão da pandemia de coronavírus.

Com o aumento dos preços do petróleo sendo a face mais evidente de um eventual confronto, grosso modo, só as empresas do setor de energia avançam no mercado americano neste ano. “Pode-se pensar no petróleo como um imposto cobrado pelos produtores sobre os consumidores, um grande mecanismo de transferir renda do consumidor para produtor”, diz Wichmann. “Isso não é bom para economia global”, afirma, já que, nesse processo, cai o consumo, aumenta a poupança e desacelera o PIB.

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Em entrevista ao InfoMoney, Wichmann detalhou a magnitude das consequências possíveis do avanço do conflito, indicou os mercados que sentiriam mais o impacto e explicou como tem orientado os investidores na alocação de patrimônio. “Alongar o horizonte de investimentos é a forma mais elegante de se proteger da volatilidade”.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

De que forma a eclosão de um conflito entre Rússia e Ucrânia se manifestaria no mundo?

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Claramente um preço de petróleo e de gás natural mais alto na Europa Ocidental. Um choque de petróleo tem capacidade de jogar a economia global em recessão? Depende da magnitude. Já fez no passado, com os dois choques de petróleo da década de 1970, que foram extremamente danosos. Seria um choque adicional de petróleo, porque se olha o Brent já está a US$ 90 [o barril], com petróleo a US$ 140 ou US$ 150, teria um impacto grande na economia global.

Vamos lembrar que é uma economia que já vem de choques de oferta que não tiveram nada a ver com geopolítica, mas que em parte tiveram a ver também com energia, e coloca outro choque de oferta em cima disso. Esses choques de oferta já fizeram a inflação ser mais alta no mundo inteiro, e a demanda continuou, porque demos renda para todo mundo. Pelo menos, colocaria um pouco mais de lenha na fogueira inflacionária.

Seria temporário, é verdade, mas pode fazer com que 2022 seja um ano menos agradável. Pode-se pensar no petróleo como um imposto cobrado pelos produtores sobre os consumidores, um grande mecanismo de transferir renda do consumidor para produtor. E não precisa ter carro, basta consumir qualquer produto, que leva transporte e logística. Você compra um saco de arroz e tem um pedaço de preço de petróleo embutido nele. Isso não é bom para economia global. Nessa transferência, cai o consumo, aumenta a poupança e desacelera o PIB.

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Isso num momento em que os Banco Centrais têm o propósito de desacelerar inflação global, e o jeito de fazer isso é aumentar juros para conter a demanda. Seria jogar, em cima de uma alta de juros, uma alta de petróleo. Desacelera mais ainda a economia global. Bom, não é. É uma catástrofe? Depende da intensidade do choque. Não vai ser uma escaramuça de fronteira que faz o petróleo chegar aos US$ 150. Vai ser uma guerra, um conflito mais deflagrado.

Em que posição o conflito entre Rússia e Ucrânia estaria em um ranking de riscos para a economia global?

Se me perguntar qual o fator que vai dominar a atenção de todos nós e que deveria dominar os retornos dos ativos e a direção dos mercados em 2022, é a política monetária americana. Juros. O que o Fed [Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos] vai fazer. Estamos diante de uma subida de juros com processo inflacionário mais alto. O Fed já subiu os juros três anos atrás, mas na época fazia isso com a inflação relativamente sob controle. Subia porque desemprego estava baixo e ele achava que em algum momento aquele desemprego baixo viraria inflação, no futuro. Agora está subindo os juros porque a inflação já subiu. Ele tem muito menos graus de liberdade.

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Por isso o mercado está mais nervoso. Ele sobe os juros, o mercado cai. Ele tem espaço para voltar atrás com a inflação correndo a 7%? Pode até ter algum espaço, criar uma justificativa, uma ginástica intelectual, mas muito menos. Em 2018, não. Não teve inflação, o custo de voltar atrás na taxa de juros era menor.

Disparado, o mais importante para o mundo é o que chamamos de risk free, o que vai acontecer com a taxa de juros livre de risco – e para todos os efeitos, é o juro americano.

Se disser que vai ter uma guerra entre Rússia e Ucrânia, os EUA vão se meter e o preço de petróleo vai a US$ 150, aí isso vira o mais importante. Mas é cenário extremo. Temos de caminhar para um risco geopolítico extremo para que ele seja maior do que o risco monetário puro.

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E não há como prever o desfecho da tensão entre Ucrânia e Rússia.

Não tem muito como prever o desfecho, mas podemos esperar que o Putin [Vladimir Putin, presidente russo] levante a voz de vez em quando. Não vai ser a última vez que vamos ver isso acontecer. É o jeito dele de manter a Rússia geopoliticamente relevante. Tem que, de alguma forma mostrar que tem algum tipo de poder geopolítico, e tem dois grandes instrumentos para isso: o complexo de hidrocarbonetos, petróleo e gás natural, e arma nuclear. O terceiro é o arsenal cibernético. Mas isso a gente vai discutir, se Deus quiser, depois que eu me aposentar.

Quais mercados seriam os mais afetados caso a tensão escale de fato para um conflito?

No S&P 500, neste ano, só tem um setor subindo: energia. Os bancos deveriam estar subindo, pois haverá aumento de juros, mas não estão.

O Ibovespa está subindo esse ano, e quando pega para olhar, na verdade é como se tivesse dois Ibovespas. O Ibovespa ligado ao mundo, que está ligado ao petróleo e minério de ferro, está indo muito bem, além da parte ligada à alta de juros – ou seja, os bancos. E a parte do Ibovespa ligada ao setor doméstico está claudicando, pois os juros vão subir e isso vai afetar o consumo. Então, boa parte das coisas que estão ligadas ao ciclo de commodities e ao crescimento global está indo bem, e aquelas ligadas à absorção doméstica, nem tão bem assim.

Quais mercados, então? Quanto mais empresas de petróleo tiver, melhor. Das dez maiores altas do S&P, só uma não é de petróleo – a Activision, que foi comprada pela Microsoft. Todos os produtores líquidos de petróleo vão bem, todos os consumidores líquidos de petróleo vão pior.

Como isso afeta renda fixa? Tem impacto na política monetária?

Depende da intensidade do choque. Se tiver choque grande suficiente que desancore as expectativas de inflação… Tem de ter choque grande. O americano é muito sensível ao preço da gasolina na bomba. Se tiver isso constantemente em alta, as expectativas de inflação nos EUA, que já estão subindo por causa dos efeitos das paradas de produção do ano passado e pelo excesso de demanda, joga mais lenha na fogueira. Pode forçar o Fed ou tirar graus de liberdade dele.

Tenho certeza de que o Fed adoraria ver o preço do petróleo ir para US$ 60. Teria trabalho um pouco mais fácil, se revertesse o choque de petróleo.

Não faz muito sentido esse negócio escalar, porque todo mundo perde. A Rússia perde, porque tem sanção econômica e tudo mais. Essa geopolítica é um jogo de “perde-perde”. Mas já tiveram outros grandes conflitos que começaram como jogo de perde-perde e escalaram para um conflito mesmo. Tem espaço para um erro de cálculo? Tem. Deveria escalar? Não. Cenário central não é de escalar, mas a probabilidade de cauda existe.

Quais seriam os efeitos de um conflito sobre as moedas, especialmente o real?

As moedas de produtores de petróleo se beneficiam. Noruega, Canadá, essa turma toda vai ter um pouco mais de superávit comercial, e isso deve ter um impacto, ainda que não enorme, mas o petróleo é relevante para esses países.

O conflito respinga no Brasil de alguma outra maneira?

O governo tem discutido várias alternativas a simplesmente permitir a paridade internacional do preço do petróleo, várias coisas têm sido ventiladas. Dependendo do que for adotado, isso pode ser mais ou menos inflacionário. Um choque mais profundo, uma alta maior de preço de petróleo torna o trabalho do Banco Central de estabilizar as expectativas de inflação mais difícil.

Não tem muito jeito. Qualquer choque de oferta para um BC que já está num processo de alta de juros não ajuda.

Outras commodities também tenderiam a ter os preços impulsionados para cima, ou o impacto seria indireto, via alta do petróleo?

Nas outras commodities, é mais indireto. A Ucrânia é uma produtora de grãos importante. Para alguns grãos, como trigo, é relevante. Para as outras commodities, é indireto. Minério de ferro é uma grande atividade logística, precisa de caminhões gigantes que usam muito petróleo. Agricultura, transporte aéreo também. Petróleo é um insumo relevante na matriz de produto mundial.

O Fed precisaria fazer mais do que subir juros para conter a inflação?

Com inflação rodando a 7%, o Fed não pode se dar ao luxo, dessa vez, de não ser visto como sério ao conter as pressões inflacionárias. E a inflação não é de oferta. Precisa desacelerar a economia. As projeções do Fed são de o PIB crescer 4% esse ano, para uma taxa de desemprego de 3,5%. Para entrar naquela espiral inflação-salário, não é fácil, nem óbvio, mas não pode dormir no volante.

Até o meio do ano passado, o Fed usava a palavra “transitória” para descrever a inflação. Já no final do ano passado, alguns membros dos Feds regionais começaram a falar que não parecia tão temporário. Em dezembro, o chairman do Fed decidiu tirar o termo “temporário”, está mais duradouro que o imaginado. Reconheceu isso, vai terminar o programa de recompra de ativos em março, já falou que vai subir juros e o mercado precifica de quatro a cinco altas neste ano.

E acho que esse ciclo de alta de juros não deveria ser tão reversível quanto foi o passado, porque o processo inflacionário está mais disseminado. Tem bem menos graus de liberdade do que tinha no passado. Tem de subir os juros e falar um pouco mais grosso. Um professor meu dizia que banco central tem dois tipos de operação: open market e open mouth.

De que maneira tem orientado a composição de carteira dos investidores?

Tem a dimensão Brasil e a dimensão mundo. Na dimensão Brasil, está relativamente claro que vamos ter um CDI que não tinha há bastante tempo. Tem juro real na NTN-B [título público atrelado à inflação] de quase 6% ao ano. A mudança do ativo livre de risco faz com que você, por definição, aloque mais para renda fixa e menos para renda variável.

A pergunta interessante é nos EUA. Está subindo juros, mas saindo de juro zero. Até a renda fixa ficar atraente nos EUA, onde é quase tudo prefixado, temos dito: o mercado vai ficar mais volátil. Calibre seus portfólios para ter um nível de risco que aguente.

Imagina que o S&P 500 cai 10%, você vende ou compra? Se você é alguém que está com medo e diz que quer vender, calibre seu portfólio de forma que não tenha de vender na queda e comprar na alta. No longo prazo, o S&P vai continuar gerando valor e você vai continuar ganhando dinheiro num horizonte de três a cinco anos.

Como lida com a volatilidade? Alonga o horizonte de visão, olha além de 2022. O capitalismo americano vai continuar gerando muita riqueza e valor para os acionistas. Alongar o horizonte de investimentos é a forma mais elegante de se proteger da volatilidade.

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Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney