Com inflação na Argentina e peso em queda, ‘hermanos’ correm às criptos de dólar para preservar economias

Número de usuários ativos em plataformas cripto na Argentina – que tem 45 milhões de habitantes – bateu 5 milhões, puxado pela maior adoção de stablecoins

Lucas Gabriel Marins

(Ewan Kennedy/Unsplash)

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O cenário econômico caótico na Argentina, recheado com inflação nas alturas e desvalorização do peso, tem levado cada vez mais “hermanos” para o mercado de criptomoedas, especialmente para as stablecoins, moedas digitais pareadas em algum ativo do mercado tradicional, como dólar e euro.

O número de usuários ativos em plataformas cripto na Argentina – país com cerca de 45 milhões de habitantes – dobrou no ano e bateu na casa dos 5 milhões, puxado principalmente pela maior adoção de stablecoins. Essa estimativa foi divulgada por Sebastian Serrano, cofundador e CEO da exchange Ripio, no Modular Summit, evento cripto realizado em Buenos Aires na última semana.

A título de comparação, há cerca de 2 milhões de investidores de criptoativos no Brasil, que possui cerca de 215 milhões de habitantes. Os dados são da Receita Federal, divulgados no início do mês.

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“Surgiram casos de uso que facilitam a adoção de criptomoedas, como colocar stablecoin em uma carteira e pagar com cartão, de forma a manter uma cotação boa e preservar o valor”, disse Serrano.

Para atrair cada vez mais usuários, tanto a Ripio – que transaciona US$ 200 milhões todo mês globalmente – como outras corretoras vêm trabalhando para fazer com que as moedas digitais sejam conectadas ao sistema financeiro nacional do país e estejam disponíveis em todas as plataformas de fintech e bancos.

“Queremos que cripto seja integrada por toda indústria financeira. Estamos trabalhando com os bancos da América Latina”, disse Serrano.

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Vice-liderança na América Latina

Em relatório divulgado no final do ano passado, a empresa de inteligência em blockchain Chainalysis disse que a Argentina é a segunda nação da América Latina com maior adoção de criptoativos, atrás apenas do Brasil. Essa alta, segundo a empresa, é motivada pela busca de proteção do patrimônio contra a desvalorização do peso.

A moeda fiat argentina perdeu 97% de seu valor em relação ao dólar nos últimos cinco anos e a inflação está em mais de 114% em 12 meses – a quarta taxa mais alta do mundo.

“Com tanta desvalorização da moeda, temos que encontrar outros meios de guardar e ganhar dinheiro”, disse o aposentado argentino Oscar Alberto, que começou a trabalhar como motorista de aplicativo há cinco meses para aumentar sua renda em meio à deterioração econômica no país.

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A Argentina teve problemas com aumento de preços durante grande parte dos séculos XX e XXI. Na década de 1980, o país chegou a ter uma taxa de inflação de 3.000% por alguns momentos. Por isso, as pessoas da nação se acostumaram a preservar dinheiro e fazer compras em dólar.

No entanto, o governo a todo momento impõe regras rígidas de controle de capital, que dificultam o acúmulo de poupança. Hoje, os cidadãos portenhos podem comprar no máximo US$ 200 por mês no mercado oficial, ou recorrer às cuevas, casas de câmbio que trabalham com uma cotação paralela do dólar, na maioria dos casos maior.

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No caso das stablecoins, no entanto, não há limite de compra. “Com base nesse contexto, é compreensivo que as pessoas recorram a essas criptomoedas”, falou Serrano.

Preservação, não investimento

No Brasil, os criptoativos ainda são vistos como investimento. As pessoas compram alguma das milhares de moedas digitais na esperança de ver o ativo digital valorizar, assim como funciona com ações. Na Argentina, no entanto, a realidade é diferente, disse Marcelo Cavazzoli, cofundador da exchange cripto argentina Lemon.

“Aqui, as pessoas usam cripto todo dia, acham cripto um jeito de preservar dinheiro, se relacionar com dinheiro”, falou ele, acrescendo que a maioria dos usuários da Lemon têm stablecoins, principalmente USDT e USDC. Na sequência, estão o Bitcoin e outras moedas digitais.

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Cavazzoli disse que Argentina está passando por um momento muito difícil na história da economia, e a cada três meses a base monetária é duplicada, o que tem levado à desvalorização da moeda local, mas beneficiado o Bitcoin.

“Isso é emissão sem limite, e coloca o BTC como espaço seguro e alternativo para pessoas armazenaram seu dinheiro, porque no Bitcoin a política monetária é descentralizada, não dá para mudar, não dá para mexer, e é isso o que os argentinos apreciam nas criptomoedas e no BTC”.

A política monetária do BTC está gravada em sua blockchain, nome da tecnologia que registra as transações dos usuários com a criptomoeda. Essas regras não podem ser mudadas sem o consenso da maioria.

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Vale um adendo: apesar de muitos players do setor enxergarem no BTC uma reserva de valor e um hedge contra a inflação, a história recente mostrou o contrário. No início do ano passado, por exemplo, o BTC perdia 18% de seu valor relativo ao dólar enquanto a inflação nos Estados Unidos começava a crescer.  Hedges de inflação conhecidos e tradicionais, como o ouro, subiam 7%.

Institucional

Além do maior apelo a pessoas físicas, as criptomoedas também vêm chamando cada vez mais atenção de investidores institucionais na Argentina, que buscam driblar a inflação de três dígitos. O Ripio Select, serviço da exchange Ripio para clientes institucionais e de alta renda,  já representa 45% do volume total da corretora.

Na semana passada, a exchange cripto também lançou a LaChain, uma blockchain “latina” destinada a desenvolver casos de uso que atendam às necessidades específicas de indivíduos e instituições latinoamericano, como pagamentos de varejo, liquidação de transações internacionais e remessas.

O jornalista viajou a Buenos Aires a convite da Ripio

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney