Fundos “long and short”: como operam gestores que combinam apostas na alta e na queda de ações

Casas como Ibiuna, Truxt, Occam, Apex e Hogan estão entre as que operam a estratégia; confira suas visões para o mercado

Lucas Bombana

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SÃO PAULO – O caso GameStop, em que investidores nos Estados Unidos inflaram o preço das ações da empresa de videogames e provocaram grandes prejuízos a gestores que esperavam a queda do ativo, jogou luz sobre o segmento dos fundos multimercados “long and short”.

Nesse tipo de veículo, a estratégia consiste geralmente na adoção pelo gestor de uma posição comprada (conhecida como long, que aposta na alta de uma ação) casada com outra vendida (intitulada short, que aposta na queda de outra ação).

Cabe ressaltar que não se trata necessariamente de a ação que corresponde à aposta vendida da carteira ter desvalorização; a expectativa do gestor é que seu desempenho seja pior do que o do papel na ponta comprada.

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Por conta dessa característica, os fundos long and short não dependem tanto dos grandes movimentos do mercado para ter uma boa performance.

O gestor do Ibiuna Long Short STLS FIC FIM, André Lion, cita uma posição na carteira que ilustra bem a situação, comprada em ADRs (recibos de ações negociados nas bolsas dos Estados Unidos) da Vale e vendida nos da concorrente australiana Rio Tinto.

“Se o preço do minério de ferro cair, as duas vão sofrer e, se subir, as duas vão se beneficiar, mas estamos comprados na mais barata e vendida na mais cara”, explica Lion.

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Além de pares de ações de empresas diferentes, as opções utilizadas nos fundos long and short compreendem operações que envolvem a compra de determinadas ações em que o gestor esteja confiante e a venda do índice Ibovespa, ou a arbitragem entre papéis ordinários e preferenciais de uma mesma empresa.

Entre as gestoras que atuam com a estratégia, estão casas como Ibiuna, Truxt, Occam, Apex e Hogan. Em alguns casos, os fundos estão fechados para captação, pela própria limitação de liquidez do mercado local, especialmente de aluguel de ações.

Isso porque, para montar a posição vendida, o gestor precisa alugar o ativo na Bolsa, com a intenção de recomprá-lo posteriormente por um valor mais em conta e lucrar, assim, com a diferença de preço.

Confira a seguir a rentabilidade de alguns dos principais fundos long and short do mercado em 2020, bem como a janela em dois anos e desde o início de cada fundo. Importante lembrar que retorno passado não é garantia de rentabilidade futura, embora seja interessante analisar o desempenho histórico dos fundos para observar sua consistência.

Enquanto os fundos long and short neutro, como o da gestora Ibiuna, têm apenas operações de valor relativo, sem nenhuma exposição aos grandes movimentos dos mercados, no caso do long and short direcional, mais comum no mercado, o gestor tem a liberdade para manter uma posição comprada maior da carteira para pegar carona em momentos de forte alta da Bolsa.

Para o levantamento, foram considerados apenas fundos não exclusivos do tipo neutro ou direcional, exceção feita ao Apex Equity Hedge, classificado como “multimercado livre”, que também segue a estratégia de casar pares de ações para ganhar com a diferença de retorno entre elas.

Pelas restrições de liquidez, os fundos multimercados long and short do tipo direcional somavam um patrimônio líquido de apenas R$ 12,5 bilhões ao fim de 2020, abaixo dos R$ 14,5 bilhões de 2019. Nos multimercados long and short do tipo neutro, o volume era ainda menor, de R$ 2,7 bilhões em dezembro de 2020, ante R$ 3,2 bilhões em dezembro de 2019.

A categoria representa somente uma pequena fração frente ao volume total de R$ 1,4 trilhão da classe dos multimercados.

Contra o Ibovespa

José Tovar, CEO da Truxt, assinala que a capacidade da estratégia é relativamente pequena – soma patrimônio de R$ 1,5 bilhão na casa, considerado o limite para a liquidez disponível atualmente.

“O long and short é um produto muito difícil de fazer a gestão. Para entrar e sair das posições, é preciso ser ágil e, para ser ágil com o tamanho do nosso mercado, [o fundo] não pode ser grande”, afirma Tovar.

Segundo dados extraídos da Economatica, em janeiro de 2021, o volume de aluguel disponível no Banco de Títulos – BTC, responsável pela operacionalização dos empréstimos de ativos da Bolsa, foi de R$ 82,9 bilhões, o maior da série histórica.

Em dezembro de 2020, o volume disponível para o aluguel atingiu R$ 73,7 bilhões, também bem acima dos R$ 63,2 bilhões de 2019 e dos R$ 54,1 bilhões do fim de 2018.

Segundo o CEO da Truxt, o produto da gestora, embora seja classificado como direcional, fica mais próximo da neutralidade. Nele, a posição vendida é feita principalmente por meio do índice Ibovespa. “Isso aumenta a facilidade de fazer short, porque o leque de opções de aluguel não é tão grande assim no Brasil”, diz.

Entre os papéis com maior volume alugado na B3, lideram Vale e Bradesco, com R$ 9,3 bilhões e R$ 7,7 bilhões em aluguéis registrados no Banco BTC, segundo dados da Economatica até o dia 17. Na sequência aparecem Petrobras (com R$ 3,9 bilhões), Ambev (R$ 3,6 bilhões), Itaú (R$ 2,7 bilhões) e Magazine Luiza (R$ 2,1 bilhões).

A valorização de 13,6% do “long and short” em 2020 afirma Tovar, se deu principalmente às apostas compradas do portfólio, em nomes que se beneficiam da popularização do mercado de capitais, como XP, BTG Pactual e B3.

Ações que ganham com o aumento dos hábitos digitais, como Mercado Livre, também estão entre as preferidas da gestora, que recentemente diminuiu a aposta comprada em Magazine Luiza após a redução do auxílio emergencial.

Na Apex Capital, o gestor do multimercado “Equity Hedge FIM”, Fábio Spinola, afirma que o tamanho do mercado de aluguel da Bolsa é um ponto essencial para decidir as reaberturas do veículo, que ocorrem de maneira pontual, sendo a mais recente no mês passado, quando foram levantados R$ 120 milhões.

Entre as principais apostas do long and short da Apex, estão commodities em alta e plataformas digitais do mercado financeiro, em detrimento aos grandes bancos comerciais.

Oportunidade de venda

Segundo Lion, da Ibiuna, o movimento de alta das ações do IRB no embalo do caso da GameStop serviu para a gestora montar uma posição vendida na resseguradora em janeiro, ainda que não no tamanho desejado, diante da restrição do mercado de aluguel.

A posição em IRB é contrabalanceada por uma aposta comprada na Porto Seguro. “Não acho que a ação do IRB irá para R$ 2, mas que há seguradoras com mais potencial de valorização”, diz Lion.

Na Occam Brasil, o gestor do “Long & Short Plus FIC FIM”, Pedro Menezes, prefere não abrir as posições vendidas da carteira, algo bastante comum entre os pares.

“Hoje nosso principal short é via Ibovespa, mas temos algumas posições vendidas em papéis”, diz Menezes, indicando o caso GameStop para justificar a cautela com as posições vendidas.

Após a definição das eleições nos Estados Unidos e as notícias promissoras sobre o desenvolvimento das vacinas nos últimos meses de 2020, o gestor da Occam conta que aumentou a aposta comprada em papéis de commodities como Petrobras, Petro Rio, Vale e Gerdau.

Embora carregue posições vendidas na carteira, atualmente o portfólio está com um caráter mais direcional, ou seja, mais comprado, que tende a se beneficiar dos grandes movimentos do mercado. “O ambiente está muito bom para o risco”, diz Menezes, ao citar as perspectivas de manutenção dos juros baixos com elevados níveis de estímulos, especialmente nas economias desenvolvidas.

Foco na liquidez

Para Augusto Lange, gestor da Neo Investimentos, o investidor que carrega apostas vendidas sempre está sujeito ao risco de sofrer com movimentos repentinos, como a divulgação de eventos corporativos que possam mudar as perspectivas de uma empresa e fazer suas ações dispararem ou afundarem em um dia.

Para mitigar esse risco, a estratégia da Neo é focar as apostas vendidas principalmente nas ações de maior liquidez da Bolsa. “Para mexer com o preço de um papel muito líquido é mais difícil, precisa de um volume muito grande”, diz o gestor.

Entre as posições que geraram ganhos para a carteira no ano passado estão as compradas em Bradespar, contra os papéis da Vale.

A Bradespar tem como único ativo na carteira a própria mineradora, e estava com suas ações com um preço muito descontado, aponta Lange, que cita, no mesmo raciocínio, a aposta nas ações ordinárias das Lojas Americanas contra as preferenciais da mesma empresa.

Para 2021, o gestor da Neo diz estar mais otimista com papéis que ficaram para trás na crise e que devem se beneficiar da retomada da atividade com a vacinação, como do varejo físico mais voltado ao vestuário, de supermercados e grandes bancos.

Lange diz ainda que não tem no momento nenhuma grande convicção a ponto de justificar posições vendidas relevantes na carteira, das quais também não gosta de falar. “As empresas, e até mesmo os leitores, podem interpretar o fato de que termos o short implica dizer que esperamos a queda da ação, o que não é verdade.”

Sem constrangimentos

Na Hogan Investimentos, o CIO Mohamed Mourabet está entre os poucos gestores que não liga de discutir abertamente as posições vendidas do long and short Absoluto FIM. E essas apostas podem surpreender. Em geral, são nomes que estão entre as preferências de boa parte do mercado.

Hoje, por exemplo, Localiza, M Dias Branco, Lojas Americanas, Sanepar e Totvs estão no grupo vendido do portfólio, contrabalanceado por nomes na ponta comprada como Mercado Livre, Enjoei, SLC Agrícola e Intermédica. “Nos obrigamos a shortear o que julgamos estar caro, ainda que esteja bombando”, afirma Mourabet.

Um dos erros que já cometeu e que constantemente monitora para evitar, diz o CIO, é pagar demais pelo conforto, ou seja, estar excessivamente otimista com determinada empresa, e não se ater ao patamar de preço alcançado pelo ativo.

“Para mitigar esse risco, a saída foi estruturar um processo sistemático de controle dos preços, que constantemente provoca os gestores a revisitar as teses na carteira”, diz o CIO da Hogan.

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