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SÃO PAULO – Por muito tempo, as assembleias gerais de cotistas foram o único canal direto entre gestores de fundos imobiliários e boa parte dos investidores, permitindo o acesso a informações e, principalmente, a tomada de decisões em conjunto. Com a pandemia de Covid-19, contudo, a realidade começou a mudar, e para melhor.
A imposição de medidas de isolamento social para conter o avanço do coronavírus inviabilizou a realização da maioria dos encontros presenciais e estimulou uma forma mais democrática de incluir cotistas de diferentes partes do Brasil (e até do exterior) nas reuniões, por meio de assembleias online.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permite a realização de assembleias ordinárias e extraordinárias online desde 2014 e, em março de 2020, deu um empurrão para o aumento dessa prática, com a publicação do ofício circular CVM/SIN 06/20. A medida permitiu a adoção, durante a pandemia, de assembleias ordinárias (AGOs) e extraordinárias (AGEs) virtuais, ainda que não estivessem previstas em regulamento.
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Esse foi o incentivo que muitos gestores precisavam para começar a abraçar a iniciativa, ainda que híbrida, com possibilidade de ainda fazer assembleias presenciais, em alguns casos.
Levantamento feito pelo InfoMoney com os dez maiores fundos imobiliários em número de cotistas revelou que seis dos nove que divulgaram informações tiveram aumento na participação de investidores desde que a pandemia atingiu em cheio o Brasil, em março de 2020.
A comparação levou em consideração a presença em assembleias (ordinárias e extraordinárias) e consultas formais, ambas realizadas de forma virtual, e a adesão na última reunião presencial de cada fundo pré-pandemia. Até 2020, nenhum dos dez produtos havia recorrido a ferramentas online para reunir cotistas. A partir de então, apenas dois dos dez fundos (CSHG Logística e Kinea Renda Imobiliária) seguiram com o modelo presencial.
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O caso mais emblemático partiu do Iridium Recebíveis (IRDM11), cuja adesão dos cotistas em assembleias chegou a quintuplicar. O fundo realizou uma AGE online em novembro de 2020 com participação de 24% do total de cotas. Na última assembleia presencial, em fevereiro de 2020, a adesão havia sido de 4,4%.
Dentre os dez fundos consultados, cinco fundos substituíram assembleias por mecanismos de consulta formal.
De forma geral, a pandemia acelerou a adesão de ferramentas online por parte das administradoras desses fundos, que somam mais de 2,2 milhões de investidores (entre pessoas físicas, jurídicas e investidores institucionais), contribuindo para um aumento da participação de cotistas em assembleias e na votação de deliberações relevantes, ainda que a presença dos investidores siga baixa.
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Rafael Selegatto, sócio e gestor da Iridium, lembra que antes da pandemia, nas assembleias presenciais, a frequência era extremamente baixa, com cerca de dez pessoas em uma sala de reunião. “Na última consulta formal, tivemos 17 mil votos. E também fizemos uma assembleia [extraordinária] online com cerca de 300 cotistas”, conta. “Hoje em dia, a não ser que a regulamentação mude, nem sonhamos mais com as presenciais”, completa Selegatto.
No Maxi Renda (MXRF11), FII com maior número de cotistas do mercado, a última assembleia, realizada em março deste ano de forma online, teve participação de investidores representantes de 9,4% das cotas, um avanço em relação aos 3,08% em janeiro do ano passado, no encontro presencial. Em 2019, a participação havia sido de 4,09% do total das cotas.
André Masetti, gestor da XP Asset, lembra que o fundo realizou uma videoconferência com os cotistas em julho de 2020 para tratar da sexta emissão de cotas do Maxi Renda, que tem cerca de 360 mil investidores (a ampla maioria pessoas físicas), e que a limitação da plataforma utilizada pela administradora do fundo, o BTG Pactual, era de mil pessoas. “Batemos os mil cotistas e tivemos que fazer em outra plataforma. Isso é algo que jamais conseguiríamos em uma assembleia no modelo pré-pandemia”, afirma.
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Já no caso do CSHG Logística, que permaneceu com os encontros presenciais, a situação foi bem diferente. A participação de cotistas caiu de 6,99%, em outubro de 2019 (última assembleia pré-pandemia), para 0,01%, em abril deste ano.
Criado em 2012, o Grupo de Investidores em Fundos Imobiliários (Grifi) nasceu do encontro de investidores de FIIs em assembleias e conta com 60 membros, que se reúnem mensalmente, hoje de forma online, para discutir o mercado de fundos imobiliários. Antes da pandemia, eles se encontravam de forma presencial, para trocar informações sobre fundos e encontrar as melhores oportunidades para conseguir ganhar dinheiro com a classe.
Ricardo Orihuela, um dos fundadores do Grifi, lembra de quando começou a participar de assembleias de FIIs, em 2012. “A pessoa chegava na portaria, mostrava o anúncio do jornal, subia para o andar indicado e encontrava uma sala vazia, apenas com o administrador e gestor.”
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De lá para cá, o mercado deu um salto de evolução. “Hoje, estamos em outro patamar. A dinâmica mudou bastante e vejo muitas casas investindo em plataformas online, em relatórios completos, com planilhas detalhadas, e em um melhor relacionamento com os investidores”, diz.
Maior adesão ainda não é suficiente
Ainda que a participação de investidores nas assembleias de FIIs tenha aumentado com o uso de plataformas digitais, gestores argumentam que a adesão ainda não é suficiente, principalmente nos fundos com maior número de cotistas.
Isso porque, para a aprovação de determinadas pautas, como alteração do regulamento, substituição do administrador ou a liquidação do fundo, a CVM exige quórum qualificado, ou seja, a participação de investidores que respondam por no mínimo 25% das cotas emitidas pelo fundo (em fundos com mais de cem cotistas).
Para fundos com menos de cem cotistas, a regra é de participação mínima correspondente a 50% das cotas emitidas. “É um grande desafio. Sabemos que vamos trabalhar e, mesmo assim, não vamos conseguir atingir o mínimo qualificado em uma assembleia”, afirma Masetti, da XP.
A avaliação é compartilhada por Selegatto, da Iridium, que reconhece a importância da determinação da CVM, mas entende que ela precisa de uma atualização.
“A regra ajuda a proteger o pequeno investidor de possíveis mudanças no regulamento por parte de um investidor relevante, por exemplo, mas, em contrapartida, há medidas relevantes e necessárias que não conseguem ser feitas por falta de quórum. É uma faca de dois gumes”, diz Selegatto.
Segundo ele, a medida deve ser aprimorada nos próximos anos pela CVM, principalmente em meio ao aumento do número de investidores em FIIs. Ao fim de abril, havia 1,3 milhão de pessoas físicas em fundos imobiliários listados na B3, um crescimento de 88% na comparação com janeiro de 2020, antes da crise. “A tecnologia tornou alcançar o quórum qualificado factível, mas não fácil. Antes, sem tecnologia, era impossível”, diz.
Consulta formal ganha força
Uma prática que tem ganhado adesão no mercado de fundos imobiliários tem sido a de processos de consulta formal, nos quais as deliberações de uma assembleia podem ser adotadas sem necessidade de reunião dos cotistas.
Nesse caso, a administradora do fundo precisa enviar um e-mail aos investidores com os temas a serem votados e os cotistas têm um prazo, em média, de 15 a 30 dias para enviar os votos, explica Ricardo Mahlmann, sócio e COO da RBR Asset. Ao fim do prazo, apura-se o resultado e é gerada uma ata com as deliberações aprovadas.
Entre os dez FIIs com maior número de cotistas consultados pelo InfoMoney, com exceção do CSHG Logística e do Kinea Renda Imobiliária, todos fizeram ao menos uma consulta formal desde 2020. Até então, nenhum havia utilizado esse meio para receber votos.
Mahlmann conta que as consultas formais costumam ser mais utilizadas quando é necessário atingir quórum qualificado, uma vez que os fundos precisam de uma força-tarefa para conseguir o maior número de votos possível.
Ele destaca ainda que a CVM tem exigido quórum qualificado para a aprovação de mais assuntos, o que faz com que a consulta formal seja mais frequente. É o caso, por exemplo, de conflitos de interesse, diz, caso de um fundo de fundos que deseja comprar um FII do mesmo administrador.
Na avaliação de Cristian Tetzner, criador do blog “Tetzner”, uma das primeiras comunidades de investidores de fundos imobiliários do Brasil, que hoje conta com mais de 100 mil inscritos, as “cartas consulta” tornaram o processo de votação mais ágil, proporcionando maior inclusão de cotistas.
O processo, contudo, ainda não é padrão para todos os fundos e segue atrelado aos documentos físicos, com necessidade de “selfies” com o RG em determinados casos para comprovação de identidade, diz. “É um movimento gradual, que deve ocorrer em etapas. O ideal seria a criação de uma plataforma única que centralizasse os cadastros em todas as administradoras de FIIs”, afirma.
Por que é importante participar das assembleias?
Canal direto entre administrador, gestor e cotista, as assembleias permitem que os investidores de fundo imobiliário participem de discussões relevantes que podem impactar seus investimentos.
Nos encontros, há discussões sobre os demonstrativos financeiros do fundo, emissão de novas cotas, mudanças nos objetivos do fundo e até uma possível troca de administrador ou gestor.
Não há uma frequência predefinida para a realização dos encontros, mas é exigido pela CVM uma assembleia geral anual para deliberar sobre as demonstrações contábeis do FII.
“Faz parte de um movimento de engajamento do investidor que faz a diferença no dia a dia. É importante o cotista estar interessado e não reclamar só quando o dividendo cai, mas saber das decisões que podem impactar as cotas e o rendimento”, afirma Tetzner.
A avaliação é compartilhada por Ricardo Almendra, CEO da RBR Asset, que afirma que o fundo, na prática, não é do gestor, mas dos cotistas. “Por isso é importante a participação ativa dos investidores nas decisões do fundo, para que consigam defender seus interesses. É uma ferramenta essencial para que a indústria evolua”.
Casos em que os cotistas fizeram a diferença
Em um caso no qual participou como investidor ativo, defendendo os interesses dos cotistas, Orihuela, do Grifi, lembra do takeover da BR Properties pelo BC Fund, em 2015.
Na época, o BTG Pactual desenhou uma operação complexa envolvendo o fundo BC Fund em parceria com o grupo canadense Brookfield. A ideia era comprar o controle da gestora de imóveis comerciais e dividir os ativos que estavam sob gestão da companhia, avaliados em R$ 10 bilhões.
Por fim, os cotistas do próprio fundo imobiliário do BTG (o BC Fund) se rebelaram alegando conflito de interesses por parte da instituição financeira.
Orihuela, que era cotista, enviou uma carta à CVM criticando a postura do administrador do fundo e a xerife do mercado respondeu determinando que o BC Fund convocasse uma assembleia geral de cotistas para deliberar sobre a participação na oferta de aquisição de ações da BR Properties. A proposta então não seguiu adiante.
Outro caso, mais recente, de 2019, foi o envolvendo o fundo TB Office, que era proprietário de 100% do edifício Tower Bridge Corporate, na região da Berrini, em São Paulo.
O fundo foi alvo de duas propostas de venda de seu único ativo para outro fundo e a operação foi contestada por parte dos acionistas, diante da acusação de existência de conflito de interesses. (Lembre do caso aqui.)
Um dos potenciais compradores era o fundo imobiliário em fase pré-operacional “Hedge AAA”, administrado pela Hedge Investments. A mesma Hedge era acionista do TB Office por meio de seus fundos de fundos Hedge Top FOF FII 1, 2 e 3. Dessa forma, a casa seria ao mesmo tempo vendedora e compradora na operação.
“Conseguimos um prazo maior para a tomada de decisão, o que foi fundamental para que o JS Real Estate conseguisse se organizar e fazer uma proposta melhor”, lembra Orihuela. “Além de os cotistas conseguirem atrasar as negociações, conseguimos R$ 110 milhões a mais na venda.”