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Fundo de “super-ricos” vai ter come-cotas? Sem taxação, patrimônio acumulado é quase 60% maior

Benefício tributário presente nos fundos dedicados a um só cotista entrou na mira do governo em um momento em que se discutem formas de elevar a arrecadação

Ana Paula Ribeiro

(Shutterstock)

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Um benefício tributário presente nos fundos exclusivos – aqueles que possuem apenas um único cotista ou um grupo restrito deles – entrou na mira do governo em um momento em que se discutem formas de elevar a arrecadação. Nessas carteiras, o cotista arca com toda a estrutura (gestão, administração, custódia e auditoria). Por isso, são voltadas apenas para quem tem alguns milhões para investir.

Declarações recentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sinalizaram que há apetite por parte do governo em promover mudanças na estrutura dos fundos exclusivos fechados.

A ideia ventilada no Ministério da Fazenda é que passe a incidir uma tributação periódica sobre rendimentos de fundos exclusivos fechados, como ocorre com a maioria dos fundos existentes por meio do chamado “come-cotas” – espécie de antecipação da cobrança de imposto que ocorre nos meses de maio e novembro em fundos de renda fixa, multimercados e outros.

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Essa não é uma ideia nova e chegou a ser discutida durante os governos dos presidentes Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022).

Para os investidores endinheirados, com condições de ter uma gestão personalizada por meio de um fundo exclusivo, o impacto pode ser muito grande.

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Postergar o pagamento do Imposto de Renda, sem recolher o come-cotas, faz com que esses fundos tenham um potencial de crescimento da carteira muito superior ao dos fundos comuns. E essa vantagem fica mais nítida com o passar do tempo, segundo simulação foi feita por Michael Viriato, estrategista-chefe da Casa do Investidor.

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Tomando como base o atual patamar de juros como retorno, o patrimônio de um fundo exclusivo seria 7,5% maior do que o de fundo de renda fixa tradicional depois de 10 anos, exclusivamente em função da não existência do come-cotas. Em 30 anos, essa diferença chega a 58%. Confira no gráfico abaixo:

A simulação considera uma aplicação inicial de R$ 1 milhão e um rendimento anual equivalente a um CDI de 13,65% ao ano mantido ao longo do tempo. No cenário com come-cotas, há a cobrança de Imposto de Renda sobre os rendimentos duas vezes ao ano. No cenário sem come-cotas, a tributação só ocorre no momento do resgate.

O come-cotas é uma alíquota de 15% que incide semestralmente sobre os rendimentos dos fundos de renda fixa e multimercados. A cobrança é feita no último dia útil de maio e novembro. Trata-se de uma antecipação, já que a alíquota do IR é definida a partir do prazo total do investimento (indo de 22,5%, para resgates feitos em até 180 dias após a aplicação, até 15%, quando a aplicação é superior a dois anos).

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Essa antecipação é feita de forma automática e no momento do resgate, o investidor paga a diferença entre o devido e o valor já pago. No caso dos fundos exclusivos, toda a cobrança é feita no final, o que confere um belo atrativo a esses instrumentos.

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Pela simulação, depois de dez anos, o patrimônio de um investidor que tenha aplicado R$ 1 milhão em um fundo de renda fixa aberto seria de R$ 2,98 milhões. No fundo exclusivo, chegaria a R$ 3,2 milhões, diferença de 7,5%.

Em 30 anos, o patrimônio seria de R$ 26,5 milhões na carteira com incidência de come-cotas, e de R$ 41,9 milhões na que não tem come-cotas – ou seja, 58% maior.

Estoque é o que está em jogo

Ana Cláudia Utumi, tributarista e sócia-fundadora da Utumi Advogados, explica que, em uma eventual mudança nos fundos exclusivos, a principal dúvida é em relação ao tratamento que o governo dará aos estoques desses investimentos.

O Projeto de Lei 2.337, aprovado na Câmara dos Deputados em 2021, previa a incidência do come-cotas nos fundos exclusivos fechados e com a cobrança de uma alíquota de 6% sobre o estoque – ou seja, sobre os fundos já existentes. O PL, no entanto, não foi adiante quando chegou ao Senado Federal.

“No projeto de 2021, havia a opção da alíquota de 6%. Agora é preciso esperar para saber se haverá mudança, mas é um tema que preocupa porque nem todo fundo teria ativos com liquidez imediata para arcar com um imposto como esse”, diz.

Vai continuar valendo a pena?

O diferimento do IR, no entanto, não é a única vantagem do fundo exclusivo. Esse instrumento permite ao investidor ter uma carteira moldada exclusivamente para os seus objetivos, incluindo a sucessão da fortuna, já que é possível doar as cotas ainda em vida. Outra vantagem é a compensação entre lucros e prejuízos de diferentes classes de ativos.

“No fundo exclusivo, é possível fazer a compensação entre lucro e prejuízo entre diferentes classes de ativos e é uma ferramenta para o planejamento de sucessão. É um instrumento bastante interessante mesmo com o eventual fim do diferimento tributário”, diz Roberto Freitas, responsável pela área de fortunas da G5 Partners.

Para o investidor, a compensação entre o prejuízo de uma aplicação com o lucro de outra só é possível ser feita na mesma classe de ativos – ou seja, compensar as perdas com certas ações no lucro da venda de outras ações, por exemplo. O mesmo vale para operações com fundos imobiliários e assim por diante. Isso permite reduzir o valor do Imposto de Renda devido.

A vantagem no caso do fundo exclusivo é que as movimentações entre classes distintas de ativos são isentas do IR.

Gabriel Meira, especialista da Valor Investimentos, lembra ainda que outra vantagem do fundo exclusivo é poder acessar investimentos que não estão disponíveis diretamente para as pessoas físicas, o que garante uma maior diversificação da carteira.

Essa estrutura, no entanto, é para poucos. Meira estima que os custos para bancar um fundo exclusivo fechado ficam entre R$ 50 mil e R$ 70 mil ao ano. Esses recursos são necessários para pagar gestor, administrador, custodiante e auditoria. Nos fundos abertos, esse tipo de custo é diluído entre todos os cotistas – e cobrado na forma de taxa de administração e performance.

“Uma das principais vantagens é a ausência do come-cotas. Isso dá um ganho absurdo ao longo do tempo. Afinal, o abatimento do IR a cada seis meses significa uma pequena redução do patrimônio”, explica.

Ana Paula Ribeiro

Jornalista colaboradora do InfoMoney