Fomc, juros, inflação, PIB e dólar: como dados macro afetam o preço do Bitcoin?

Criptomoeda é cada vez mais sensível a dados econômicos, mas indicadores internos do setor ainda têm um grande peso; entenda

Lucas Gabriel Marins

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A narrativa de que o Bitcoin (BTC) é um ativo descorrelacionado do mercado tradicional sempre caminhou junto com a criptomoeda, criada no final de 2008 como uma alternativa ao sistema financeiro tradicional. Nos últimos anos, no entanto, a ideia de ativo diversificador de carteira perdeu um pouco de força.

Desde que o Bitcoin começou a chamar atenção de investidores institucionais – essa adoção teria contribuído para um saldo que chegou a 400% em quatro meses –, a moeda digital, que é considerada um ativo global, passou a reagir a indicadores macroeconômicos dos Estados Unidos e a andar, em muitos momentos, junto com ações de tecnologia.

Alexandre Ludolf, diretor de investimentos da QR Asset Management, disse que os criptoativos, em especial o Bitcoin, eram sim menos correlacionados com os fatores de risco mais tradicionais antes de ganharem escala e um tamanho de mercado superior a US$ 1 bilhão, pois tinham uma base de usuários pequena e bastante técnica.

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“Contudo, os ativos digitais não são uma ilha, e com o amadurecimento do mercado, outros perfis de investidores passaram a acompanhar essa classe. Com a adoção institucional, entraram no mercado participantes que muitas vezes possuem um horizonte de investimento mais curto e precisam prestar contas para investidores, então a correlação com os fatores de risco mais tradicionais passou a aumentar”.

Abaixo, entenda como dados do mercado tradicional, a exemplo de taxa de juros, inflação, Produto Interno Bruto (PIB), entre outros, podem fazer o preço do Bitcoin e das altcoins (ativos digitais diferentes do BTC) subir ou descer.

Taxa de juros

O mercado tradicional está acostumado a ficar de olho nas reuniões mensais do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) do Federal Reserve, o banco central dos EUA. Mas, nos últimos meses, os eventos também passaram a ser acompanhados de perto por quem negocia criptoativos.

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Isso porque mudanças nos juros dos EUA costumam repercutir nos ativos de risco, incluindo as criptomoedas. Dessa forma, as criptos reagem mal à medida que os juros sobem e os papeis do Tesouro americano passam a ficar mais interessantes para o investidor. Por outro lado, a queda dos juros tende a aumentar o apetite por risco e atrair mais interessados em criptoativos, ações e demais produtos financeiros de renda variável.

Em relatório publicado em maio deste ano, a S&P Global comparou o índice S&P BDMI, que acompanha a performance de uma cesta de ativos digitais em exchanges (principalmente o BTC), com o 2-Year Risk-Neutral Treasury Yield, o rendimento de dois anos do título do Tesouro dos Estados Unidos.

As taxas de juros e o índice de cripto exibiram uma relação inversa (ou seja, quando um subia, o outro caía) em 63% do tempo desde maio de 2017, e de 75% a partir de maio de 2020, após o início da pandemia. A alta de 2021 no mercado cripto, por exemplo, coincidiu com um período de condições monetárias ultra-frouxas.

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Para entender como a taxa de juros impacta o preço do Bitcoin ou de outros criptoativos, segundo João Marco, gestor da Hashdex, é preciso considerar que as criptomoedas representam uma tecnologia promissora que ainda não entregou todo o seu potencial.

“Isso faz com que seu valor esteja, principalmente, no futuro, e com uma dose considerável de incerteza. O preço corrente é determinado por uma taxa de desconto aplicada ao valor presente, que compreende tanto um componente temporal quanto uma parcela relacionada ao risco. Quando há um aumento da taxa de juros, isso impacta diretamente o componente temporal, reduzindo o valor presente”, disse.

“Além disso, um aumento na taxa de juros muda a disposição dos investidores para investirem em ativos de risco, e isso aumenta o desconto relacionado ao risco, impactando ainda mais negativamente o preço”, completou.

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CPI

O índice de preços ao consumidor (CPI, em inglês), termômetro para a inflação americana, também costuma influenciar o preço do Bitcoin para cima ou para baixo. Em relatório, a analista Kate Yang, da exchange Crypto.com, afirmou que, se há aumento de preços de bens e serviços, a moeda digital tende a cair; caso contrário, ela tende a subir.

Isso ocorre, falou, porque inflações extremamente altas fazem os bancos centrais pararem com políticas monetárias expansionistas (que estimulam o consumo) e iniciarem políticas contracionistas (diminuir o crescimento econômico), “o que pode machucar o mercado cripto”.

A S&P Global, em seu relatório, afirmou que as criptomoedas tiveram um bom desempenho em períodos de políticas monetárias expansionistas, “embora não possamos estabelecer uma relação causal”, visto que algumas das grandes oscilações de ativos digitais ocorreram após fatores que não estão diretamente relacionados à política monetária, como o colapso da FTX”.

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No dia 13 de junho, por exemplo, o BTC e o Ethereum (BTC) operaram entre leves perdas e ganhos após a divulgação do CPI de maio, que registrou alta mensal de 0,1% e anual de 4%, números ligeiramente abaixo do esperado.

PIB

O PIB, a soma de todos os bens e serviços de um país, é um importante indicador de saúde econômica. A queda do produto interno bruto de uma economia gigante como a dos Estados Unidos, por exemplo, poderia gerar elevação no risco, aumento de preços e alta de juros, o que respingaria nas criptomoedas.

“Surpresas nas divulgações dos dados impactam a percepção da inflação (economias mais aceleradas têm maior chance de entrarem em um processo de aumento de preços e maior possibilidade de aumento de juros para controle dessas pressões e vice-versa)”, disse Ludolf, da QR Asset Management.

Índice do dólar

O Bitcoin se move historicamente na direção oposta do índice do dólar (DXY), que mede o desempenho da moeda norte-americana frente a uma cesta de seis divisas. Nos últimos três anos, os dois andaram em lados opostos, exceto em momentos de crise do mercado cripto, como a implosão da FTX, que impediu que traders aproveitassem a queda da moeda norte-americana.

Em abril deste ano, por exemplo, a correlação negativa do Bitcoin com o índice do dólar se fortaleceu e o coeficiente de 90 dias caiu para a mínima de dois meses antes dos dados da divulgação do PIB dos EUA. “Juros são negativamente correlacionados com o mercado cripto, mas positivamente com o índice do dólar. As criptomoedas são as potenciais substitutas do dólar”, escreveu Kate no relatório da Crypto.com.

Indicadores próprios

Apesar de os dados macro influenciarem a movimentação das moedas digitais, os indicadores usados para análise dos protocolos cripto,  popularmente conhecidos como análise on-chain, também têm um grande peso no vai e vem dos preços. Os principais, segundo Ludolf, são os seguintes:

Valor transacionado: este indicador se refere à quantidade de criptomoedas movidas na blockchain em um determinado período. Um aumento significativo pode indicar alta atividade, demanda e interesse.

Número de transações: a quantidade de transações diárias pode fornecer um indicador do nível geral de atividade e uso de uma blockchain e é um indicador de adoção de determinado protocolo.

Contagem de endereços ativos:  é o número de endereços únicos que estão participando de transações na blockchain em um dado período, também fornecendo um indicador da adoção e uso.

Hashrate (poder computacional): é um indicador do poder de computação do Bitcoin e de outras criptomoedas que usam o mecanismo de prova de trabalho (proof-of-work, ou PoW) no processo de mineração de criptomoedas. Um hashhate alto geralmente indica segurança, mais investimentos e melhor saúde da rede.

Atividade de desenvolvimento: uma grande quantidade de desenvolvedores ativos é um importante sinalizador de saúde de uma rede. Por outro lado, uma redução grande da atividade de desenvolvimento é um sinal de alerta, pois softwares precisam ser constantemente atualizados.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney