Efeito (destruidor) da Americanas elevou taxas das debêntures: é hora de aproveitar a “oportunidade”?

Investidor está mais cauteloso; nem toda taxa "boa" deve ser considerada

Neide Martingo

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O dia 11 de janeiro deste ano ficará na memória dos agentes do mercado e dos investidores. Foi a data em que estourou o escândalo da Americanas, empresa antes considerada high grade (de baixo risco), com a nota de rating AA+ pela Fitch. Nem parece a mesma que reportou um rombo contábil de R$ 20 bilhões, o que implicou numa recuperação judicial estimada em R$ 47 bilhões. As perdas, na verdade, são incontáveis e todos os dias aparece uma novidade para compor o cenário destruidor provocado pela varejista e por outras companhias que estão chegando logo atrás.

Mas há um componente que precisa ser analisado com cuidado. A crise da Americanas causou uma abertura geral (alta) nos spreads (diferença entre o preço de compra e o de venda ) de crédito das debêntures no mercado secundário.

De acordo com Evandro Buccini, diretor de crédito da Rio Branco, na semana da publicação do fato relevante de Americanas aconteceu uma queda de rentabilidade nos índices de debêntures indexados ao CDI, o IDA, Índice de Debêntures ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), e Idex-Geral, marcando uma das maiores quedas de rentabilidade do mercado de crédito desde a pandemia.

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“Durante esse período, a diferença entre o preço de venda e de compra das debêntures no mercado secundário aumentou em mais 100 pontos-base, excluindo o efeito Americanas. No entanto, o momento de maior estresse já passou e podemos notar a normalização dos spreads de crédito e a redução significativa da diferença entre o preço de venda e de compra para 5 pontos-base a 10 pontos-base, refletindo na rentabilidade dos índices”, detalha Buccini.

No fatídico 12 de janeiro – primeira sessão após a descoberta do rombo –, o IDA-DI registrou queda de 0,68% e o IDEX, baixa de 0,60%. No dia 13, o primeiro índice estava positivo, 0,03% e o segundo, negativo, 1,21%.

No dia 20, os ganhos de ambos eram de 0,04% e 0,14%. As taxas no “azul” permaneceram até dia primeiro deste mês. Mas, explica o especialista, outras companhias, que igualmente tiraram o sossego do mercado, como Light e OI, influíram nas taxas das debêntures. No dia 6 de fevereiro, por exemplo, as rentabilidades eram de 0,02% e 0,06%.

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“As taxas que foram ‘afetadas’ pelo efeito de Americanas e Light podem ser aproveitadas pelos investidores. A classe debêntures vale a pena. O ativo não pode ser deixado de lado por causa de acontecimentos específicos com algumas empresas”, explica Evandro.

A tabela mostra as taxas oferecidas no mercado de crédito entre os dias dois de janeiro e oito de fevereiro. 

Data IDA-DI IDEX- Geral CDI
02-jan-23 0,05% 0,05% 0,05%
03-jan-23 0,06% 0,06% 0,05%
04-jan-23 0,06% 0,07% 0,05%
05-jan-23 0,06% 0,06% 0,05%
06-jan-23 0,06% 0,07% 0,05%
09-jan-23 0,06% 0,06% 0,05%
10-jan-23 0,06% 0,06% 0,05%
11-jan-23 0,06% 0,06% 0,05%
12-jan-23 -0,68% -0,60% 0,05%
13-jan-23 0,03% -1,21% 0,05%
16-jan-23 -0,18% -0,56% 0,05%
17-jan-23 -0,21% -0,32% 0,05%
18-jan-23 -0,03% 0,17% 0,05%
19-jan-23 -0,04% -0,85% 0,05%
20-jan-23 0,04% 0,14% 0,05%
23-jan-23 0,04% 0,07% 0,05%
24-jan-23 0,05% 0,14% 0,05%
25-jan-23 0,05% 0,07% 0,05%
26-jan-23 0,06% 0,07% 0,05%
27-jan-23 0,05% 0,07% 0,05%
30-jan-23 0,06% 0,00% 0,05%
31-jan-23 0,05% 0,06% 0,05%
01-fev-23 0,04% -0,09% 0,05%
02-fev-23 -0,18% -0,18% 0,05%
03-fev-23 -0,10% -0,22% 0,05%
06-fev-23 0,02% 0,06% 0,05%
07-fev-23 -0,01% 0,02% 0,05%
08-fev-23 0,01% -0,37% 0,05%

Fonte: Rio Bravo

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Oportunidade?

As taxas do mercado secundário de crédito privado se elevaram com o escândalo, o que pode representar uma oportunidade. Mas é preciso que cada investidor entenda o risco individual de cada um dos papéis. É o que analisa Camilla Dolle, analista de renda fixa da XP. “O investidor precisa estar confortável com a relação risco/retorno. E uma taxa boa tem um risco mais elevado por trás, isso precisa estar claro”, ressalta.

Além disso, existe o risco de mercado – de variação no preço do papel, a depender das condições do momento. “Se a taxa sobe, o risco do título desvaloriza e assim por diante. E há o risco de liquidez: um investidor que comprou um papel e quis vender antes do vencimento não necessariamente vai encontrar essa liquidez”, diz Camilla.

É interessante, portanto, que a pessoa fique com esse papel até a data final e entender que, em determinados momentos, o mercado pode ficar com uma liquidez menor se o risco ficar mais alto, explica Camilla.

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Para Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos, o mercado privado como um todo apresenta taxas mais altas de juros, não apenas as debêntures, por conta da Americanas – e outras empresas. “Isso acontece justamente porque os investidores estão um pouco mais reticentes na hora de optar por um papel que está sendo oferecido, olhando com cautela as garantias e o risco da empresa”, afirma.

A preocupação é provocada não apenas pela Americanas, mas também por conta da Light (LIGT3), da Oi (OIBR3) e agora da Marisa (AMAR3), com problemas no fluxo de caixa. O risco e a oportunidade andam juntos no mercado financeiro. E chega o momento do risco que deixa o investidor ansioso: ver uma taxa gordinha e querer aproveitar. Gustavo faz coro com Camilla Dolle. “É preciso considerar o risco que vem junto”.

O especialista deixa claro que, se uma empresa vai ao mercado agora,  num momento de estresse, é porque tem um projeto e quer levá-lo à frente, mesmo pagando taxas mais altas. “Isso é uma oportunidade. Estamos no começo do ano, momento de se fazer um planejamento estratégico. Mas há as que estão em dificuldade ou precisando alongar a dívida. Aí está o risco”.

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Mais segurança com empresas sólidas

Para as pessoas que não dominam os assuntos do mercado, não lidam com investimentos no dia a dia, a recomendação é de comprar debêntures de empresas mais sólidas (que não pagam juros tão representativos por conta da segurança que oferecem), como Petrobras e Vale do Rio Doce, por exemplo, que têm debêntures listadas para negociação, segundo Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed.

“É um risco ter uma ‘nova’ Americanas no portfólio. Tem gente que perdeu 95% do patrimônio. Mesmo os ativos de renda fixa oferecem risco – diferentemente dos papeis do Tesouro Nacional, que têm a garantia soberana”.

Ele lembra que existem bancos que também têm debêntures emitidas. São investimentos que são bons, existem  opções de investimento positivas, como as debêntures incentivadas, isentas de Imposto de Renda, mas cabe ao investidor fazer o dever de casa antes de aplicar os seus recursos. “Não há como eliminar o risco, mas é possível minimizá-lo”, ressalta Ricardo.

“Uma taxa boa precisa ser estudada. O que vale é a empresa, não a rentabilidade oferecida”.

Neide Martingo

Jornalista especializada em Economia, Finanças e Negócios, trabalhou em veículos como Valor Investe, Diário do Comércio e Gazeta Mercantil e escreve sobre Renda Fixa no InfoMoney