Disciplina emocional, gestão de risco, análise de dados: que lições do pôquer podem servir aos investidores?

Investidores como João Kepler, da gestora BossaNova, consideram que habilidades dos jogadores podem favorecer performance no mercado no médio e longo prazo

Wellington Carvalho

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São Paulo recebeu, nesta semana, uma etapa do Campeonato Brasileiro de Poker (BSOP). Mais de 1.400 pessoas se inscreveram no torneio principal do evento, e os cinco primeiros colocados dividiram uma premiação de mais de R$ 1,5 milhão. Para ter sucesso no jogo, porém, é necessário uma série de habilidades – que, aliás, podem fazer a diferença também nos investimentos.

Desde 2009, o pôquer é reconhecido como um esporte da mente e tem ganhado adeptos em todo o mundo – de forma recreativa e profissional. A modalidade mais conhecida é o Texas Hold’em, geralmente disputada em torneios. Neles, cada participante paga uma entrada e recebe uma quantia de fichas, disputadas ao longo de diversas mãos. Os últimos que ficam na disputa são premiados com o recurso arrecadado pelo torneio.

Quem pensa que o sucesso na competição está condicionado somente às cartas que cada jogador recebe, teria sérias dificuldades “no pano” – como é tratada carinhosamente a mesa aveludada do jogo.

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João Kepler Braga, CEO da gestora BossaNova, que investe em startups, é um fã de pôquer – que, segundo ele, é capaz de ensinar aos investidores técnicas de tomada de decisão, gerenciamento de risco, disciplina emocional, análise de dados e estratégia. Segundo ele, as lições podem ter um impacto positivo na performance do investimento a médio e longo prazo.

Tomar decisões com base em dados e estatísticas, e não em palpites e chutes, ter cuidado com o excesso de confiança e aprender a controlar as emoções são algumas características comuns nestes dois universos paralelos. É preciso saber onde e a hora certa para investir – ou apostar, no caso do pôquer

João Kepler Braga, CEO da BossaNova

Pensando nisso, Kepler costuma promover torneios de pôquer durante as imersões que promove para empresários e profissionais liberais que buscam potencializar negócios e criar uma mente investidora.

“A importante lição que o jogo empresta aos investidores é o fato de lembrar que o sucesso vem em fases e na constância, e que um dos aspectos fundamentais é jogar de forma racional, sem deixar a emoção influenciar na tomada de decisões”, pontua.

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Lidando com adversidade e o inesperado

Um dos principais nomes do pôquer no Brasil, Rafael Moares afirma que o jogo o ajudou muito a lidar com situações que, embora inesperadas, não devem ser suficientes para mudar estratégias que já se mostram vitoriosas. Vale para o jogo, a vida e os investimentos.

Como instrutor de pôquer, ele costuma citar o exemplo de um executivo que precisa chegar ao escritório pontualmente às 9h e, por isso, sai de casa sempre duas horas antes. De forma geral, a personagem está diariamente na empresa às 8h30 e participa sem dificuldade do encontro.

Mas, imagine que em uma determinada ocasião o mesmo executivo perdeu a reunião após ter de trocar o pneu do carro que furou durante o maior congestionamento da história da cidade. Ele deveria esquecer tudo o que até então estava dando certo e começar a sair três ou quatro horas mais cedo?

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“Não”, responde Moraes, para quem um dos maiores ensinamentos do pôquer é aprender a lidar com fatos aleatórios. “Não é porque, eventualmente, você perdeu com o par de ás [melhor mão do jogo] que não jogará mais com estas cartas”, ensina Moraes aos seus alunos, lembrando que a combinação oferece inicialmente a maior chance de vitória no pôquer.

Kepler vai na mesma linha e diz que os melhores jogadores de pôquer sabem que uma situação adversa faz parte do jogo, e os ganhos tendem a chegar desde que a estratégia seja adequada.

Seguindo o raciocínio, ele afirma que maus jogadores costumam tentar recuperar o prejuízo a qualquer custo na mão seguinte e, na maioria das vezes, acabam perdendo ainda mais dinheiro com esse tipo de atitude – bem semelhante ao que pode ocorrer no mundo dos investimentos.

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Confiança na tese e foco no longo prazo

Diretor de investimentos da WIT Asset, Felipe Reymond também é um entusiasta do pôquer e joga religiosamente com amigos às quintas-feiras. Ele já chegou a “cravar” um torneio – ou vencer, no dialeto dos jogadores – ganhando R$ 100 mil.

Embora jogue bem, Reymond não chegou pensar na profissionalização. Ele lembra que o pôquer exige muito tempo e dedicação e, por isso, preferiu apenas utilizar os ensinamentos do jogo para consolidar boas práticas e estratégias que deveriam ser adotadas por todos os investidores – como o equilíbrio emocional para situações inesperadas e o foco no longo prazo.

“Em 2020, tivemos a pandemia, um evento totalmente aleatório e imprevisível e, nos anos seguintes, a situação de inflação global totalmente desproporcional”, relembra. “Na sequência, enfrentamos um cenário de juros elevados para conter a inflação, criando um ambiente desafiador para o investidor de renda variável”.

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Diante dos desafios, o investidor que ainda está muito focado no curto prazo pode ter sofrido mais e até pensando em desistir, sinaliza o especialista. Mas tanto o pôquer como o mercado financeiro mostram que não se deve utilizar um recorte de tempo pequeno para medir o sucesso de um jogador – ou investidor.

Você pode ser o melhor jogador de pôquer do mundo, mas em uma mão ou em um torneio, a sorte pode levá-lo a perder. No entanto, repetindo uma estratégia vencedora em um grande volume de competições, o fator sorte – ou acaso – diminui, e o jogador acaba se tornando lucrativo ao longo do tempo.

Felipe Reymond, diretor de investimentos da WIT Asset

Nos investimentos, a dinâmica é semelhante, diz ele, que utiliza como exemplo o histórico das bolsas americanas, que ganhariam de todas as outras classes de ativos, considerando o desempenho de várias décadas. “É o investimento que mais rendeu ao longo do tempo”, afirma.

Fora das mesas, Moraes – o jogador profissional – também incorporou a estratégia e o controle das emoções nos seus próprios investimentos. Entusiasta do Bitcoin, ele não hesita quando questionado sobre a recente queda da criptomoeda.

“Não estou nem aí se o Bitcoin caiu de US$ 50 mil para US$ 20 mil. Não vou vender”, garante. “Se acredito na tese e no potencial de um ativo no longo prazo, [a oscilação de curto prazo não faz diferença]”, afirma o jogador, que relata ter comprado o primeiro Bitcoin por US$ 600 – atualmente a criptomoeda está na casa dos US$ 28,5 mil.

Moraes conta com o auxílio de um assessor para gerenciar sua carteira de investimentos, que inclui ações, fundos imobiliários e papéis de renda fixa – e descarta ficar monitorando constantemente o portfólio, composto em boa parte por ações de empresas de tecnologia dos Estados Unidos.

“O ser humano costuma ser imediatista, ansioso e quer tudo [o resultado] para ontem”, pontua o jogador, sinalizando que o pôquer tende a corrigir este sentimento. “Não adianta olhar para o seu histórico dos últimos três meses, melhor focar no desempenho dos últimos cinco anos”.

Sobreviver é preciso, na mesa e nos investimentos

Citando Nassim Taleb, famoso escritor libanês-americano e referência no mercado financeiro com livros como O Cisne Negro, Antifrágil e Arriscando a Própria Pele, Reymond afirma que outro ponto essencial para o investidor é sobreviver em momentos complicados. O pôquer ensina a máxima já nos primeiros passos de quem inicia no jogo.

De acordo com o controle de risco ensinado no pôquer, um jogador que tem US$ 100 não deveria disputar, por exemplo, dois torneios de US$ 50 – correndo o risco de quebrar caso não ganhe nada em nenhum deles. Os profissionais – e também amadores – sugerem a disputa de torneios menores, de US$ 1, garantindo tranquilidade ao longo das partidas e segurança do patrimônio.

“Se estiver em um momento negativo, você consegue resistir e ter o suficiente para pegar o ciclo de alta que vem em seguida”, ensina Reymond, uma lição que vale tanto para o pôquer como para os investimentos. “Você não pode alavancar seus investimentos a ponto de correr o risco de perder tudo”, aconselha o analista, como forma de evitar o temido game over.

Kepler, da BossaNova, reforça a tese e lembra que, assim como no universo dos investimentos, o bom jogador de pôquer nunca vai perder sua casa numa aposta.

“Simplesmente porque o bom jogador sabe que a sobrevivência é o mais importante e que, no longo prazo, se ele tomar decisões corretas, deverá prosperar”, pontua o executivo, reforçando ainda a necessidade da diversificação – investimento em mais de uma classe de ativos.

Desconstruindo a fama de jogo de azar

Segundo Moraes, a consolidação do pôquer no Brasil e no mundo reduziu a desconfiança que o jogo enfrentava – visto, muitas vezes, meramente como uma questão de sorte (ou azar).

“Nunca vi um especulador de roleta ou Blackjack com uma carreira consolidada de décadas como a de muitos jogadores de pôquer”, diz Moraes, lembrando que, só no Brasil, já há mais de cinco mil profissionais atualmente.

Nascido no bairro de Sapopemba, na zona leste de São Paulo, Moraes jogava xadrez quando adolescente e só aos dezoito anos conheceu o pôquer. Acabou largando o curso de engenharia na USP (Universidade de São Paulo) para se dedicar apenas ao jogo. “Quando vi, estava em casa, com 18 anos, ganhando um dinheiro legal”, relembra.

O que começou como curiosidade e com torneios de centavos ou no máximo US$ 1, virou coisa séria. Moraes acumula hoje mais de US$ 10 milhões em prêmios – valor bruto que não considera as despesas com entradas nas competições, viagens e o retorno dos investidores que acreditaram no jogador.

Ao longo dos anos, ele começou a empreender no próprio segmento e hoje, além da carteira de investimentos que mantém, é sócio do próprio BSOP (o torneio disputado essa semana em São Paulo), de um clube e de uma escola de pôquer, além de ser patrocinado por pelo menos cinco empresas.

Wellington Carvalho

Repórter de fundos imobiliários do InfoMoney. Acompanha as principais informações que influenciam no desempenho dos FIIs e do índice Ifix.