Crédito privado está no auge entregando prêmios menores; CDI + 1,7% vale o risco?

Gestores apostam em papéis mais arriscados em busca de retornos melhores

Leonardo Guimarães Monique Lima

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As empresas emitiram um volume recorde de dívida em 2024 – e o ano nem terminou ainda. Até setembro, as captações somavam R$ 542 bilhões, um total 15,9% superior ao captado em todo o ano de 2023, conforme dados da Anbima. O crédito privado tão aquecido é uma resposta aos investidores que estão buscando opções de renda fixa com bons retornos e segurança.

Acontece que a alta demanda derrubou os prêmios que esses títulos oferecem, e os papéis vêm entregando taxas cada vez mais próximas das que o Tesouro Direto, considerado mais seguro, paga, levantando questionamentos sobre o prêmio compensar o risco de crédito.

Em outubro, as debêntures pagaram, em média, 1,7% além do CDI (índice de referência da renda fixa que acompanha a taxa Selic), segundo os dados do Idex-CDI Geral, elaborado pela JGP. Após o choque com crises na Americanas e Light, esse prêmio vem diminuindo gradativamente desde fevereiro do ano passado, quando estava em 3,4%. 

Já as debêntures de infraestrutura, indexadas ao IPCA, têm spread de 37 pontos-base (PB) em outubro, o que significa que se o título de referência do Tesouro IPCA+ paga 6% ao ano, esses papéis entregam juro real de 6,37%. Em fevereiro, o spread era de 137 PB. 

Gestores de fundos de crédito privado defendem que o investimento vale a pena, mas é preciso correr mais risco para ser melhor remunerado

No mundo high grade, de emissores considerados mais seguros, com prêmios menores, já é possível encontrar spread negativo (remuneração nominal abaixo de títulos públicos). Um exemplo recente é a Vale (VALE3), uma emissora com baixa frequência no mercado nacional que aproveitou o momento para emitir debêntures isentas com taxa menor que a do Tesouro IPCA+

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Jean Pierre Cote Gil, responsável pela área de crédito da Vinland Capital, diz que o “spread apertado é um sintoma de demanda muito grande pelos papéis” e que é difícil dizer se o nível de prêmio está adequado.

O argumento do gestor é sustentado pelos dados de captação dos fundos de crédito privado, que passaram sete meses com saldo positivo de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões até setembro, quando a captação líquida desacelerou para R$ 17 bilhões, enquanto os fundos multimercados amargam resgate de R$ 145,5 bilhões no ano até agosto. 

Se a demanda é grande, a oferta também tem crescimento acelerado. A renda fixa é responsável por 88,7% do montante captado pelas empresas no mercado de capitais até setembro. Só as debêntures respondem por R$ 315,6 bilhões dos R$ 541,9 bilhões captados no período, segundo dados da Anbima.

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Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Legacy. (Foto: Divulgação)

Prêmio vale o risco? 

Os gestores veem como natural a compressão dos prêmios. Alexandre Muller, sócio e gestor de fundos de crédito da JGP, diz que “de modo geral, os spreads não fecharam muito e estão dentro da média histórica”. Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Legacy, diz: “Já estivemos nesse lugar antes, em 2019, e o ano passado não é uma boa referência. Se hoje está caro, antes estava super barato”. 

Evolução dos spreads de carrego ponderados (DI+) ex-Light e Americanas (Lame)

Fonte: JGP

Mesmo assim, as gestoras estão com nível alto de caixa – parcela do patrimônio alocada em ativos de alta liquidez – à espera de oportunidades melhores, o que mostra que os prêmios não estão em níveis confortáveis. “Essa ideia de manter mais caixa está em alta”, destaca Cote Gil. 

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Um dos ajustes que o investidor pode adotar na estratégia de renda fixa é comprar papéis (um pouco) mais arriscados. É o que a Sparta está fazendo. A casa vem comprando mais papéis AA- em detrimento dos AA+ e AAA, que tiveram uma compressão mais significativa nos prêmios – como o caso da Vale ilustra. Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, enxerga uma relação entre risco e retorno melhor nesses títulos, já que “a diferença na remuneração é muito grande” e a elevação de risco não é tão significativa. 

Outra lição que o investidor pode aprender com os gestores para atravessar o momento de spreads menores é evitar empresas com uma estrutura de dívida ruim. “Estamos mais seletivos, elevamos a régua na análise de crédito e não queremos exposição a companhias muito endividadas, que vão exigir mais cautela em 2025”, diz Ono. 

Aqui, é importante considerar que, apesar do prêmio em relação aos títulos públicos ser baixo, os juros básicos do Brasil seguem altos, o que encarece a dívida das empresas e pode complicar as mais alavancadas. “Não vemos uma crise de Brasil, mas o próximo ano será mais desafiador”, justifica o gestor da Legacy. 

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PIB em dia, pagamentos também

Para Samer Serhan, sócio e CIO de crédito privado e infraestrutura da JiveMauá, “enquanto a economia estiver forte, está tudo bem”, já que as empresas tiveram forte aumento de receitas após a pandemia de Covid-19 e, agora, estão usando o mercado de crédito para alongar suas dívidas.

“No curto prazo, um, dois anos, a dívida mais cara não deve ter um grande efeito de inadimplência porque as empresas também estão crescendo em receita. O problema é a economia desacelerar. Parou de crescer, as receitas caem, aí o cumprimento dos pagamentos fica mais difícil”, diz Serhan.

Papéis que pagam entre CDI + 1% e CDI + 3% estão no radar da Legacy. A referência conversa com a estratégia da Sparta: buscar retornos maiores sem exagerar no aumento do risco, já que papéis que pagam mais de 3% além do CDI provavelmente adicionam muita incerteza à carteira e “é difícil de justificar um papel abaixo de CDI + 1%”. 

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Saber avaliar se o investimento em crédito vale a pena é importante no contexto atual, já que o mercado não vê motivos para que as empresas voltem a pagar mais nos próximos meses. “Precisa acontecer alguma crise, com empresas grandes quebrando”, diz o gestor da Legacy. 

Então, é essencial saber investir nesse contexto, sem esperar grandes aberturas de spread. Nesse cenário, os ativos isentos de Imposto de Renda seguem se destacando. Ono lembra que “quanto maiores os juros, maior a isenção”, argumentando que o investidor de ativos isentos consegue “livrar” uma parcela maior dos rendimentos quando as taxas são mais altas. 

Os gestores argumentam que os ativos de crédito privado seguem atrativos quando comparados com outros investimentos de renda variável, o que também justifica aceitar os prêmios menores. “É um excelente momento de crédito privado, mas exige garantias e cautela”, diz Serhan.