Colunista InfoMoney: Faça o que eu digo, não faça o que eu faço

O fracasso de Doha apenas reforça a condição subalterna que os países subdesenvolvidos sempre desempenharam

Cid Oliveira

Criada em 2001, durante a 4ª Conferência Mundial da OMC, a Rodada Doha logo ficou conhecida como a “Rodada do Desenvolvimento”, dada a preocupação em discutir o desenvolvimento dos países pobres e o combate a fome mundial.

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Na pauta de negociações estava a liberalização do comércio. Os países ricos deveriam reduzir os subsídios agrícolas das suas economias e, em contrapartida, teriam uma maior inserção nas economias “emergentes”, via redução de tarifas alfandegárias para seus produtos industrializados.

Com isso, esperava-se que os países mais pobres pudessem, finalmente, competir com os produtos agrícolas dos países desenvolvidos, ainda que fossem submetidos ao bloqueio do seu desenvolvimento industrial, dada a maior abertura das suas economias a produtos tecnologicamente avançados.

“Será muito difícil aos periféricos alcançar o desenvolvimento sem lançar mão de tarifas industriais protecionistas”

O desejo de obter condições mais “justas” para os países subdesenvolvidos no comércio mundial parece ter ocultado o fato de que as relações internacionais engendram a dependência entre nações, reforçando a inserção desprivilegiada de vários países no sistema capitalista.

O fracasso das negociações da Rodada Doha apenas reforça a condição subalterna que os países subdesenvolvidos sempre desempenharam. Aliás, Celso Furtado já chamava à atenção para o fato de que “o subdesenvolvimento é a manifestação de complexas relações de dominação-dependência entre povos, tendendo a autoperpetuar-se sob formas cambiantesi“.

O discurso “progressista” dos EUA e UE não conseguiu metamorfosear suas práticas. O que se viu foi a tentativa de obter “vantagens” sem que precisasse ceder nas suas posições, numa clara tentativa de manutenção do status quo.

Ainda que o desenvolvimento não passe por “estágios” ou “etapas”, será muito difícil, senão impossível, para os países periféricos alcançar o desenvolvimento sem lançar mão de tarifas industriais protecionistas, subsídios e outros mecanismos de política industrial. Vale lembrar que praticamente todos os países hoje desenvolvidos recorreram, em vários momentos, a esses expedientes.

Na disputa pelas vantagens oriundas do comércio internacional vale a máxima “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.

iFurtado, Celso. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico, 2000, p. 256.

Doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, Cid Olival Feitosa escreve mensalmente na InfoMoney, às quintas-feiras.
cid.olival@infomoney.com.br

Cid Oliveira

Cid Maciel Monteiro de Oliveira CEO e sócio-fundador da startup invest.pro, Cid tem 18 anos de experiência, tendo atuado em instituições financeiras e gestoras no Brasil e no exterior. Graduou-se em Engenharia Civil pela UFRJ e concluiu mestrado em Finanças pela Manchester University na Inglaterra