Até 123% do CDI: financeiras de varejistas emitem CDBs com alto retorno; vale a pena o risco?

Com varejo enfraquecido, percepção de risco de ativos ligados ao setor é maior e remuneração sobe

Leonardo Guimarães

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Quem procurou CDBs (Certificados de Depósito Bancário) para investir recentemente pode ter se deparado com ativos de alto retorno ligados ao varejo. Papéis com rendimento acima da média do mercado chamam a atenção de investidores, mas estão atrelados a um setor que passa por um momento conturbado.

Por exemplo: um CDB da Pefisa, o braço financeiro da Pernambucanas, oferece rentabilidade de 123,78% do CDI e vencimento em junho de 2026. Outro mais curto, da Midway, braço financeiro da Riachuelo, paga 121,68% do CDI com vencimento em novembro de 2025.

As taxas desses papéis estão muito acima da média aferida pela Quantum Finance para emissões na quinzena entre 20 de junho e 3 de julho, de 103,14% em papéis de 36 meses.

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“A remuneração atrativa reflete a situação das empresas, que têm percepção de alto risco”, explica Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos. Juros em 13,75% ao ano não são bons para o varejo, já que o objetivo da Selic alta é frear o consumo, justamente o que faz o setor andar.

O analista independente Ricardo Schweitzer ainda destaca a decisão das varejistas em investir no e-commerce durante a pandemia diante da percepção de que o online se tornaria mais importante que as lojas físicas. “Isto não só não ocorreu como provocou um brutal aumento de competição no e-commerce, com resultados questionáveis para a maioria dos players”, comenta.

Outro fator que faz com que as financeiras de varejistas precisem pagar mais aos investidores é o caso Americanas. A empresa pediu recuperação judicial no início do ano, causou uma crise no mercado de crédito privado e aumentou ainda mais a percepção de risco em seu setor.

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“Ligou-se um sinal de alerta e o cenário agora é de maior dificuldade para tomar crédito com o mercado pessimista com o setor”, diz Rodrigo Caetano, analista da Toro Investimentos.

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“Vamos fazer o cartão da loja?”

Ao encontrar os CDBs de financeiras das varejistas, o investidor pode se perguntar se é possível desvincular o emissor dos papéis das lojas, que atravessam um momento desafiador. Porém, especialistas recomendam olhar para o todo, já que as empresas fazem parte do mesmo ecossistema.

De fato, as financeiras exercem funções diferentes e seus principais produtos não são roupas e sapatos, mas a atividade delas pode ser considerada de alto risco. Os bancos ligados a lojas têm o cartão de crédito como principal produto, que é geralmente oferecido aos clientes na entrada dos estabelecimentos e no momento do pagamento.

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No Brasil, 78,5% das famílias estão endividadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O número mostra o quão arriscado é emprestar dinheiro no país e como as financeiras estão expostas a esse risco.

“A carteira de crédito dessas empresas é muito arriscada, com uma concentração muito grande em um público específico das varejistas; além disso, o cartão de crédito é um produto com alta inadimplência”, avalia Caetano, da Toro.

Schweitzer ainda pondera que “é difícil imaginar um cenário onde a varejista vá mal e a financeira vá bem, tendo em vista que as atividades do banco decorrem principalmente da varejista”. Portanto, não é possível isolar as financeiras da atividade varejista ao analisar esses CDBs.

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Vale a pena investir nesses CDBs?

Mesmo diante dos riscos que varejistas e suas financeiras representam agora, especialistas dizem que o retorno das aplicações é bom e defendem a compra desses papéis.

O principal motivo para as recomendações é a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que protege aplicações de até R$ 250 mil em CDBs – se um banco quebrar e não conseguir honrar suas dívidas, o FGC devolve o dinheiro ao investidor.

“Não acho que essas financeiras estejam em risco iminente de default; portanto, para quem gosta de risco, podem ser bons ativos”, defende Komura. “A situação deve começar a melhorar ao longo do segundo semestre e isso deve se tornar uma tendência ainda mais clara no ano que vem”, completa o analista.

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Mesmo com a proteção do FGC, é preciso analisar se o perfil do investidor é compatível com a aplicação. “O conservador não quer se expor a esse tipo de ativo, mas quem é focado em taxas, entende o processo do FGC e aceita esperar para receber os recursos de volta em caso de quebra pode investir nesses instrumentos”, diz Rodrigo Caetano.

O analista da Toro ainda chama atenção para a baixa liquidez dos CDBs, outro fator que pode afastar investidores. “É preciso saber que o ideal é pensar nesses títulos para carregá-los até o vencimento, já que a negociação de títulos bancários fica muito refém de mercados secundários internos das corretoras”.