Caso Scarpa: como funciona a Xland, empresa acusada de aplicar golpe milionário em jogadores de futebol?

Para atrair clientes, a Xland dizia ter como garantia supostas pedras preciosas

Lucas Gabriel Marins

Publicidade

A Xland, empresa brasileira de criptomoedas acusada de aplicar um golpe milionário nos jogadores Gustavo Scarpa e Mayke Rocha Oliveira, tem um modelo de negócio semelhante àqueles criados por conhecidos criminosos do mercado cripto, como o “Faraó do Bitcoin” e o “Sheik das Criptomoedas”, presos por crimes contra o sistema financeiro nacional.

Conforme contratos que a reportagem do InfoMoney teve acesso, a firma trabalha com locação de criptoativos. Em resumo, a empresa aluga tokens de terceiros e, em troca, promete pagamentos fixos mensais em cima do valor. A Xland garantia juros de 5%, pagos todo dia 5, em um contrato de 18 meses.

“O locatário (Xland) se compromete a remunerar o locador (jogadores) na variação de 5% ao mês sobre a cotação do ativo digital locado, especificado conforme o saldo em ativo digital sobre respectiva cotação na tabela de referência para locação. A remuneração proveniente do ativo digital seguirá as oscilações do mercado de criptoativos”, diz a empresa em contrato.

Aula Gratuita

Os Princípios da Riqueza

Thiago Godoy, o Papai Financeiro, desvenda os segredos dos maiores investidores do mundo nesta aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Promessas de ganhos fixos não são comuns no setor de criptomoedas, conhecido por sua extrema volatilidade. Esse tipo de garantia de pagamento, segundo Ministério Público, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Polícia Civil e especialistas, é um indicativo de fraude.

“Os criptoativos têm uma oscilação grande no mercado, tanto para cima quanto para baixo, e até por isso são considerados ativos de renda variável. Portanto, é no mínimo contraditório você ter investimento nesse tipo de ativo e oferecer para os investidores uma renda fixa que não se altera. É um comportamento característico de pirâmide financeira”, disse Felipe Américo Moraes, advogado no escritório Beno Brandão Advogados Associados e autor do livro “Bitcoin e Lavagem de Dinheiro”.

Legalmente, de acordo com Moraes, somente instituições financeiras podem oferecer o serviço de intermediação de investimento. Para isso, falou, é preciso ter autorização da CVM.

Continua depois da publicidade

“O que nós vemos largamente, no entanto, são pessoas jurídicas que oferecem a partipação nos lucros de investimento, como esses casos de empresas que ofertam participação nos trades de criptoativos ou aluguel de criptoativos. Na verdade, elas em si não são instituições financeiras, e, portanto, operam à margem da lei”.

A Xland, conforme consulta no site do regulador, não tem autorização para operar no mercado financeiro. Vale lembrar que, apesar de a CVM não ser o órgão regulador do setor cripto, há situações em que as moedas digitais podem ser caracterizadas como valores mobiliários, como em um contrato de investimento coletivo. Nesses casos, é preciso de autorização da autarquia.

Garantia

Para atrair os clientes, a Xland oferecia como garantia uma pedra preciosa chamada alexandrita, considerada uma das mais preciosas do mundo, além de apólices de seguro. Em áudio divulgado pelo programa Fantástico no último final de semana, Nascimento falou que a empresa supostamente tem R$ 2,1 bilhões em alexandrita.

Em processos vistos pela reportagem há um certificado de origem da pedra feito pela empresa R Andrade Gemas Preciosas Ltda, de Campo Formoso, na Bahia. O valor total do produto, no entanto, é de apenas R$ 6 mil.

Golpes que usam criptos como isca geralmente oferecem garantias para fisgar vítimas. A Rental Coins, do Sheik das Criptomoedas, por exemplo, dizia que tinha supostos terrenos. A GAS, do Faraó dos Bitcoins, oferecia seguro de vida em nome do próprio responsável pelo esquema, Glaidson Acácio dos Santos.

Investigação

No final de 2022, o Ministério Público do Acre (MPAC) instaurou um inquérito civil para investigar a Xland e pediu o bloqueio dos bens do negócio para garantir a indenização das possíveis vítimas.

Como justificativa, o órgão disse que a empresa engana pessoas com a promessa de lucros gigantescos, sem que exista realmente algum serviço prestado, negócio ou empreendimento, e tem “características comumente associadas aos chamados esquemas de pirâmide”. Alegou ainda que não há informação detalhada sobre os proprietários e responsáveis pelo dinheiro.

O pedido, no entanto, foi negado em dezembro pela Justiça do Acre, que pediu mais provas. O MP recorreu, mas ainda não saiu nova decisão.

A Xland, segundo dados da Receita Federal, foi fundada em 2019, em Brasília, pelos empresários Gabriel de Souza Nascimento e Jean do Carmo Ribeiro. O nome empresarial é Xland Holding Ltda e o fantasia é Xland Investment Ltda. Nos documentos, processos e e-mails trocados com clientes, a empresa se comunica como Xland Gestora de Investimentos Ltda.

Além de Nascimento e Ribeiro, no site constam dois outros integrantes: Elayne Nascimento, diretora de compliance, e Maria Heloiza, diretora financeira.

A reportagem contatou a Xland por meio de telefones disponíveis nas redes sociais e na Receita Federal, mas os números não estão funcionando.

Processos

O jogador Scarpa, que defende o Nottingham Forest, da Inglaterra, alega ter perdido R$ 6,3 milhões na Xland, enquanto Oliveira, atual Palmeiras, R$ 4,3 milhões.

Ambos entraram com processos contra o negócio na Justiça de São Paulo. Além da Xland, eles também acusam Willian Gomes de Siqueira (conhecido como “Willian Bigode”), ex-Palmeiras, e sua empresa, a WLJC Consultoria e Gestão Empresarial, por envolvimento no caso.

De acordo com eles, foi Willian, por meio da WLJC, que teria indicado a Xland para eles.

Em nota enviada na semana passada ao InfoMoney, a defesa de William Bigode disse que ele também foi vítima da Xland. Além disso, falou que ele teria perdido R$ 17,5 milhões. Na segunda-feira (13), o atleta divulgou um vídeo se defendendo.

“Estou relutando para poder gravar esse vídeo, mas quero aqui pontuar e deixar claro algumas coisas. Primeiro dizer que a WLJC é uma empresa de gestão financeira, não é uma empresa de investimentos, não é uma corretora. Não sou dono e nem sócio da Xland e muito menos golpista, até porque não peguei dinheiro de ninguém. Eu sou vítima, porque até hoje não recebi meu recurso”, falou.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney