BC eleva Selic a 2,75%, mas ativos de risco seguem na preferência de gestores; entenda por que

Com expectativa de alta limitada de juros e inflação ainda sob pressão, alocadores veem ações e fundos imobiliários como ativos mais atrativos

Beatriz Cutait Lucas Bombana

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SÃO PAULO – Depois de quase seis anos sem subir os juros, o Banco Central atendeu às expectativas do mercado financeiro e elevou a taxa Selic em 0,75 ponto percentual nesta quarta-feira, para o patamar de 2,75% ao ano. A alta era esperada, ainda que em menor magnitude, com um ajuste de 0,50 ponto.

Apesar da mudança com o início de um ciclo de aperto monetário para combater a inflação no país, por ora, as expectativas apontam para um juro ainda em um nível baixo até dezembro.

Na prática, significa dizer que suas aplicações mais conservadoras, de renda fixa, não voltarão a pagar retornos expressivos de uma hora para a outra. Até porque a inflação não deve dar trégua tão cedo.

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Pesquisa feita pela equipe de fundos da XP com 36 gestores de estratégia multimercado macro ao longo de segunda (15) e terça-feira (16) mostrou que a mediana das projeções para a taxa Selic ao fim do ano corresponde a 5,00%.

O patamar fica bem pouco acima da previsão dos gestores para a inflação medida pelo índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2021, de 4,87%. Isso significa que o rendimento das aplicações mal cobriria o avanço dos preços na economia, deixando o investidor com um retorno real próximo de zero.

Na prática, no melhor dos cenários, um investimento de R$ 10 mil com a Selic a 5% ao ano renderia apenas 3,50%, ou R$ 350, em um ano se aplicado na caderneta de poupança. Caso fosse contratado um produto com rendimento equivalente a 120% do CDI, por exemplo, o retorno subiria para 4,95%, já descontado o Imposto de Renda, muito pouco acima da previsão para a inflação.

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Com um espaço tão limitado para ter ganhos reais neste ano, isto é, um retorno acima da inflação, gestores e alocadores de recursos continuam a ver na renda variável brasileira a melhor alternativa à disposição hoje.

A queda da Bolsa nos dois primeiros meses do ano, em um contexto de preocupações fiscais, aumento dos casos e do número de mortes por Covid-19 e um ritmo lento de vacinação, não parece preocupar parte do mercado. Pelo contrário, é tida como oportunidade para ir às compras.

A TAG Investimentos recomenda ao investidor de perfil moderado ter 25% do patrimônio em ações, percentual que aumenta para 35%, no caso do agressivo.

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Atento ao que considera um cenário nada trivial da economia, Dan Kawa, CIO e sócio da TAG, responsável pela gestão e estratégia, vê o Brasil perto do pior momento da pandemia e se fia na melhora de países mais avançados na vacinação para traçar seu cenário futuro.

“Tudo nos leva a crer que vamos superar isso, ainda que com cicatrizes. Provavelmente daqui a quatro ou seis semanas, a situação de saúde do Brasil vai estar melhor”, diz Kawa, ressaltando que não vê o país em uma “situação catastrófica”, à beira de uma quebra.

Com R$ 9 bilhões sob gestão, a TAG está atenta aos descontos de muitas ações negociada em Bolsa por conta de “ruídos pontuais”. Por isso, não mudou desde o início do ano a aposta em renda variável. “Temos o mesmo risco, fizemos ajustes finos em poucos portfólios”, aponta Kawa.

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Alta dos juros com efeito limitado

A visão é parecida para a classe de fundos imobiliários. Ainda que ciclos de alta de juros coloquem esse mercado em alerta dada a redução de atratividade, o aumento moderado esperado pelo mercado para a taxa Selic deverá limitar o feito sobre os FIIs, afirma o CIO, reforçando que esses ativos vêm ainda de um período mais complicado por conta das medidas de isolamento impostas pela pandemia.

Mesmo com o aumento das taxas de juros visto no mercado de crédito, Francisco Levy, CEO e fundador da Allea Wealth Management, considera valer mais a pena buscar um risco equivalente em ativos de Bolsa, como ações e fundos imobiliários, nos quais aumentou a alocação.

“Os FIIs são ativos que andam muito correlacionados com títulos de inflação, mas que apanharam muito no último ano e têm upside [potencial de valorização] adicional”, diz.

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A alocação em Bolsa da Allea, que tem cerca de R$ 600 milhões sob gestão, também está acima do normal, conta Levy. “Prefiro colocar dinheiro em ativos arriscados e mais líquidos, do que carregar produtos de médio e pequeno risco para ganhar um pouquinho a mais.”

Chefe de pesquisa da Aqua Wealth Management e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP), Paulo Tenani ressalta que todo ciclo de subida dos juros é bastante preocupante, especialmente porque o último foi “extremamente violento” e jogou a economia brasileira em uma das piores depressões de sua história.

O especialista faz referência ao ciclo de aperto monetário que teve início em abril de 2013 e levou a taxa Selic para 14,25% em julho de 2015, tendo precedido a recessão econômica que viria logo a seguir.

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Dito isso, o especialista avalia que, pelo fato de os preços no mercado refletirem neste momento um pessimismo tão grande com as perspectivas para o país, vale a pena estar agora com uma visão mais positiva que a média em relação ao desempenho dos ativos domésticos de maior risco, como as ações. Em particular no caso daquelas que mais se beneficiam do ambiente global favorável para ativos de caráter mais cíclico, como as produtoras de commodities.

O nível de risco precificado pelo mercado hoje, diz Tenani, remonta aos idos da década de 1980, quando o país era muito mais vulnerável aos choques externos, na avaliação do especialista.

“Os preços refletem algo muito ruim, parecido com 1985, e não me parece que estamos em 1985”, afirma o professor , acrescentando que, assim como vê a queda recente da Bolsa acima do razoável mesmo frente aos desafios do país, enxerga na alta do mercado de juros um movimento mais agudo que o devido.

“Dado esse pessimismo tão grande do mercado, os maiores ganhos estão nas posições contrárias”, diz o especialista.

Subida da Selic, queda dos juros futuros?

Também chamando atenção para o contexto de uma economia global em franca recuperação e com a ausência do choque de demanda doméstica como pontos a favor da atividade local neste momento, a sócia da gestora de patrimônio Sonata, Patricia Palomo, entende que a alta da Selic pode representar um cenário propício para os ativos locais de maior risco, como as ações e o real, bem como para a redução do patamar dos juros de médio prazo.

A valorização da moeda brasileira, diz, deve contribuir para o arrefecimento da pressão inflacionária que o país vive neste momento, em especial nos preços do atacado.

Diante desse cenário, a gestora da Sonata entende haver espaço para uma queda dos juros futuros projetados para o médio prazo, hoje ao redor de 8% para 2026, no caso de papéis prefixados.

E como os gestores de ações usualmente se valem justamente dos vértices de médio prazo da curva de juros para fazer o valuation das ações, a queda desses prêmios tende a ser benéfica para o preço da Bolsa.

“Uma Selic em um nível mais equilibrado tende a melhorar a relação entre taxa de juros, de câmbio e expectativas de inflação”, afirma a especialista.

Ela lembra ainda que a alta projetada para a taxa Selic no fim de 2021 remonta ao mesmo patamar do início de 2020, portanto ainda bastante estimulativo para a economia. Esse ambiente, prevê a gestora, deve beneficiar os setores mais ligados ao consumo doméstico, assim como também o financeiro.

Por outro lado, com a possível desvalorização do dólar frente ao real, ações de exportadoras demandam certo cuidado neste momento, assinala.

Ainda que o ano até agora tenha revelado surpresas negativas no aspecto macroeconômico, Igor Lima, gestor de renda variável da Trafalgar, vê um ambiente micro mais favorável, com uma safra de resultados corporativos positiva.

“Mais de 60% das empesas divulgaram números melhores que os esperados em termos de lucro e Ebitda”, diz. “É uma boa safra considerado o contexto e alguns setores já estão operando acima do nível pré-pandemia.”

Para ficar um pouco mais protegida, contudo, por conta das incertezas, a Trafalgar tem optado por posições mais expressivas em commodities, por conta da relação direta com o ciclo de recuperação global, ainda que também possam sofrer com questões domésticas.

Renda fixa sem consenso

O consenso de alocadores brasileiros com relação aos ativos de risco não existe na renda fixa.

Levy, da Allea, tem posição “underweight” (abaixo da média) em papéis prefixados de curto e longo prazo e em títulos vinculados à inflação de longo prazo. A única alternativa para a gestora hoje recai sobre os papéis de inflação de curto prazo, com vencimento até 2022, como alternativa ao CDI mais baixo.

“Se a alta de juros não for rápida e forte, é uma proteção para um CDI que está sendo corroído pela inflação”, explica, ressaltando ainda ter preocupação com uma abertura adicional dos prêmios (subida de juros) de vencimento maiores, diante do nível de endividamento brasileiro. “Títulos prefixados de cinco anos pagando 8% começam a ficar atrativos, mas acho que ainda pode haver um exagero. Prefiro ficar quieto.”

As oportunidades hoje entre os títulos públicos, diz Tenani, parecem mais atraentes nos prefixados sob uma ótica de médio prazo, ao redor de cinco anos, que, pela maior liquidez, refletem com mais dinamismo o aumento da insegurança dos investidores por meio do aumento nos prêmios.

Já para o horizonte de longo prazo, continua, com o risco de inflação sempre à espreita, Tenani recomenda a alocação em títulos públicos corrigidos pelo IPCA.

Kawa, da TAG, por sua vez, vê alguns ativos de renda fixa voltando a ficar atrativos com a alta de juros, com destaque para papéis do tipo “high grade”, com maior qualidade de crédito e, portanto, com menor risco embutido.

“Se começarem a pagar CDI mais 2% ou 3%, estamos falando de 7% líquidos em uma CRA. Já é um retorno real atrativo, considerando uma inflação mantida em 4,5%”, diz o CIO.

Em paralelo, a TAG tem aproveitado as taxas de títulos prefixados de até cinco anos, sempre respeitado o limite de cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), para serem carregados até o vencimento.

No caso de papéis indexados à inflação, a preferência recai sobre a parte mais longa da curva de juros, ainda que a parcela intermediária tenha ficado mais atrativa.

Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.