Acompanhe um dia na vida de investidores da Bolsa que cuidam de R$ 2 bilhões

O InfoMoney passou um dia ao lado dos gestores de ações da Mauá Sekular, acompanhou reuniões estratégicas e conta como é a rotina de quem cuida de R$ 2 bilhões

Diego Lazzaris Borges

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SÃO PAULO – O relógio de ponteiro com a hora de Tóquio marca 8h50. Ao lado dele, outros três estão ajustados com o horário de Londres, Nova York e São Paulo. Antes das 9h, a capital paulista enfrenta uma de suas típicas manhãs, com frio e chuva fina. Num escritório espaçoso no 16º andar de um dos prédios do Itaim Bibi, em São Paulo, quatro homens conversam sentados à vontade em suas cadeiras, de costas para as bancadas.

Um deles é o ex-diretor do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, que veste uma camisa azul bem cortada e calça social escura, sem gravata. Entre uma tragada e outra num cigarro eletrônico, ele questiona a equipe sobre os acontecimentos importantes que estão no radar dos investidores no dia. Na mesma roda estão economistas e analistas experientes do mercado. Liderados por Figueiredo, eles fazem parte da equipe macro da Mauá Sekular Investimentos, uma gestora de recursos com mais de R$ 2 bilhões sob responsabilidade.

O ambiente é silencioso. Ainda é bem cedo, mas a maioria das mesas já está ocupada e mesmo assim não se ouve ruídos. O único burburinho vem da reunião entre os quatro homens – Figueiredo é quem mais questiona e aponta informações, sempre em um tom baixo. Na pauta do dia, os acontecimentos macroeconômicos da véspera, com foco na decisão do Fed (banco central norte-americano) de manter estímulos financeiros à economia dos Estados Unidos – no dia anterior, a Bolsa havia disparado e o dólar despencado por conta disso. O clima é ameno, mas todos têm olhar sério e compenetrado – e respondem prontamente aos questionamentos.

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Na bancada ao lado, a equipe de renda variável da gestora está concentrada nas telas de seus próprios computadores. Um dos sócios e gestor responsável pelos fundos de ações, Guilherme de Morais Vicente, tem quatro monitores à sua frente. Ao lado dele, o trader Andre Mello, sócio responsável pela execução das ordens de compra e venda dos fundos, divide a atenção entre seis telas. Gráficos, cotações, códigos e muitos números. Numa olhada rápida, é difícil entender alguma coisa.

Assim que termina a reunião da equipe macro, Vicente e Mello se reúnem com outros dois analistas para discutir os principais assuntos do dia. O trader canta a pauta e Vicente estimula a discussão. Comentam e analisam os fatos relevantes divulgados naquela manhã. Tudo normal: era mais uma quinta-feira comum na rotina dos gestores da Mauá Sekular.

Comitê de investimentos

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A manhã passa depressa e a tarde chega cinzenta. A chuva fina não dá trégua, deixando o dia de outono paulistano mais gelado do que de costume. No escritório, eles se preparam para a reunião do comitê de investimentos – acontece todas as quintas, quando a equipe de renda variável discute as posições atuais dos fundos e são apresentadas novas ações que poderão fazer parte da carteira. Na sala de reunião número 3, todos se acomodam em torno de uma mesa de madeira comprida, com 12 cadeiras. Do lado direito, além de Vicente, está o analista sênior Stephen Duvignau e o analista Flavio Santana. Do outro lado, sentam o trader Andre Mello e Felipe Moraes, da equipe de relacionamento com investidores.

 O primeiro assunto é o investimento nas Indústrias Romi. O projetor mostra planilhas com dados da empresa. Dezenas de linhas e colunas repletas de números indecifráveis para os leigos viram armas poderosas nas mãos de analistas que conhecem tão bem a companhia. No início daquela semana, a Romi tinha saído de um período de silêncio e entraria em outro na semana seguinte. Como Vicente faz parte do conselho de administração da empresa, eles não poderiam movimentar os papéis neste período. Na véspera da reunião, a gestora tinha vendido uma parte das ações depois de um movimento de alta. “Aproveitamos um movimento de curto prazo. Agora vamos aumentar novamente a posição”, diz Vicente. “Não podemos deixar a tartaruga escapar”, emenda Duvignau.

 A discussão era quanto comprar – se levariam ou não ao limite máximo do fundo. Para Mello, montar uma posição de 10% era arriscado naquele momento. “Vamos ficar 30 dias travados”, lembrou. “Meu voto é 7,5%”, opina Duvignau. Depois de alguma discussão, todos concordam com este percentual. “R$ 5,30 é o preço [ideal para a compra]. Só precisamos esperar a oportunidade”, diz Mello, responsável por ‘apertar o botão’ que concretiza a operação.

O caso da Romi reflete bem o tipo de gestão ativista da Mauá Sekular. Eles flertavam com o papel desde o ano passado. A empresa vinha mal, suas ações tinham caído para um terço do valor. Fizeram dezenas de reuniões, conversaram com clientes, fornecedores e concorrentes para entender o que estava acontecendo. Na mesma época, o BNDES, segundo maior acionista da companhia, passou suas ações para a carteira comercial da Caixa Econômica Federal, que não tinha interesse em permanecer com esses papéis. Já a Mauá apostava numa recuperação, mas precisava colocar alguém no conselho de administração para dar sentido ao plano. Quando a Caixa começou a desovar as ações no mercado, eles compraram quase tudo.

Na reunião para eleger o conselho da Romi, Guilherme Vicente contou, claro, com o voto do fundo aberto da Mauá, além do Mauá Participações, um fundo que a gestora usa para captação de recursos para investimentos de longo prazo. Também votou nele o Fundo Verde, da Credit Suisse Hedging-Griffo, maior “hedge fund” do Brasil, gerido por Luis Stuhlberger. No final, tudo saiu como planejado. Neste ano, a Romi acumula alta de 35%. Desde o dia seguinte da reunião de comitê relatada nesta reportagem (que aconteceu em setembro de 2013), as ações já valorizaram mais de 22%.

 Após a decisão de aumentar posição em Romi, a pauta da reunião passa para outra companhia que também faz parte da carteira da gestora, mas que não pode ter o nome divulgado por motivos estratégicos. Na presença de um jornalista, eles se referem a ela pelo código “Serra-Sul”. A discussão é sobre um aumento de participação da gestora na empresa. “É o tipo de oportunidade que não temos sempre”, diz Vicente.

 Ele é o típico jovem bem-sucedido do mercado financeiro. Aos 32 anos, além de ocupar uma cadeira no conselho da Romi, também está no conselho fiscal da PDG. Sócio da Mauá desde 2010, Vicente veio da Apoena Investimentos, gestora que fundou em 2008. Fala calmamente, mas sua voz transmite firmeza. Há pouco espaço para incertezas quando se lida com investimentos na casa dos milhões de reais.

 Duvignau concorda com a compra e explica os motivos. Quando ele fala, todos ouvem atentamente. O analista acompanha o dia a dia dessa empresa há um bom tempo, conhece os diretores, visita as fábricas regularmente. Sua palavra tem autoridade. “O cara entende profundamente o assunto. Bancos de investimento ligam para ele para pedir opinião. Então quando ele se pronuncia, a gente escuta”, conta Vicente, depois da reunião.

 No final das argumentações, eles decidem adquirir mais ações da Serra-Sul. O preço ainda é discutido – André Mello, como bom trader, insiste em comprar mais barato, enquanto Vicente e Duvignau defendem que eles não podem perder a oportunidade. Chegam num meio termo e estipulam um preço máximo. Agora só precisam esperar passar um ‘bloco’, ou ‘baleia’. No jargão dos investidores profissionais, esses termos significam uma quantidade grande de ações colocada à venda por outro investidor de grande porte – como no caso da Caixa com a Romi.

 Esse tipo de operação parece mesmo uma cena de caça e a estratégia é fundamental. “É preciso isolar o bloco (deixar o vendedor sem opções). Tem que cercar. Analisar se ele quer vender, discutir o preço. Depois falamos com todos os compradores. E vamos deixando o bloco sozinho. Isolado, ele vai limitando o preço”, explica Vicente. No caso da Serra-Sul, eles já sabem quem está vendendo. “Vamos falar diretamente com ele. Eu ligo. Se for preciso, vou pessoalmente encontrá-lo”, diz o gestor. E não se assuste se ele sair desse encontro com uma grande baleia a tiracolo.

* Essa matéria foi publicada na edição 48 da revista InfoMoney, referente ao bimestre janeiro/fevereiro de 2014. Para tornar-se um assinante da revista clique aqui

Diego Lazzaris Borges

Coordenador de conteúdo educacional do InfoMoney, ganhou 3 vezes o prêmio de jornalismo da Abecip