WeWork: medo e delírio em Wall Street

Empresa chegou a ser a ser avaliada em quase US$ 47 bi em janeiro, mas, agora, seu valor de mercado é estimado em menos de US$ 8 bi

Sérgio Teixeira Jr.

(Shutterstock)

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NOVA YORK – Uma das características comum a quase todas as startups, tanto as que viraram empresas de sucesso quanto as que morreram tentando, é a falta de preocupação com os lucros. Os investidores costumam estar mais interessados em crescimento rápido, pois o tamanho funciona como uma barreira para a entrada de concorrentes.

Talvez o melhor exemplo desse fenômeno seja a Amazon. Fundada em 1994, a pioneira do comércio eletrônico só começou a registrar lucros representativos 12 anos depois – e nove deles após o lançamento de ações na bolsa. Também não parece haver tinta azul no futuro próximo do Uber, que fez seu IPO em maio deste ano e só no último trimestre deu prejuízo de US$ 5 bilhões – isso mesmo, bilhões com “B”.

Essa também parecia ser a história da WeWork, empresa que aluga espaço de escritórios modernos e transados em 33 países. Mas a companhia anunciou no fim de setembro a suspensão do IPO, que deveria acontecer este ano, viu seu valor de mercado despencar e botou pra fora o fundador e ex-CEO da empresa, Adam Neumann. Para muita gente, a WeWork – recentemente rebatizada de We Company, mas ainda conhecida pelo nome antigo — é um ótimo exemplo do que está errado no capitalismo moderno.

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De acordo com o prospecto do IPO registrado junto à Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão que regula os mercados de capitais americanos), a WeWork previa perder dinheiro por um bom tempo, portanto os investidores que decidissem comprar papeis da empresa estavam mais que avisados.

O modelo de negócios da WeWork é simples: alugar grandes espaços comerciais, reformá-los e alugá-los em pedaços. O problema é que, segundo dados de junho, a empresa tinha se comprometido a pagar mais de US$ 47 bilhões em alugueis pelos próximos anos, mas tinha receitas previstas de apenas US$ 3,4 bilhões.

Os clientes vão de indivíduos (que alugam uma mesa e o direito de usar recursos como internet, impressora etc.) a empresas, que podem ocupar salas, andares ou até mesmo prédios. Mas os contratos de locação da WeWork nos Estados Unidos duram em média 15 anos; seus inquilinos costumam se comprometer por 15 meses.

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Os escritórios da WeWork são bonitos, iluminados e transmitem uma vibe de startup de sucesso a quem os ocupa: paredes de vidro, móveis retrô, plantas e cafés comunitários. Os espaços são projetados com a ajuda de sistemas de realidade virtual, e a linguagem fez tanto sucesso que a We Company abriu uma linha de negócio de design de interiores para grandes corporações.

Mas a beleza da história contada pela WeWork era só de fachada. Quanto mais atenção atraía a empresa, mais ficavam claras as esquisitices – ou a pura má-fé, segundo alguns – de seu fundador, Adam Neumann.

Ele contratou parentes para trabalhar em posições-chave da companhia. Comprou edifícios e os alugou para sua própria companhia. Registrou a marca WeWork em seu próprio nome depois cobrou quase US$ 6 milhões da empresa pelos direitos de usá-la.

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Mesmo comparado com os excêntricos empreendedores americanos, Neumann era um caso à parte. Numa reunião com os chefes da New York Stock Exchange e da Nasdaq — as bolsas que o cortejavam, interessadas em listar a empresa –, ele exigiu em troca compromissos com a sustentabilidade, uma de suas causas preferidas. A bolsa que quisesse negociar as ações da WeWork teria de parar de servir carne em seus refeitórios e proibir o uso de talheres de plástico descartáveis.

Neumann, 40, andava descalço no escritório e foi fotografado caminhando sem sapatos nas ruas imundas de Manhattan. Os pilotos que o levaram num jatinho até Israel, seu país natal, encontraram maconha na cabine para a viagem de volta. Ele também adora dar festas (sua bebida predileta é tequila).

Em público, fazia pronunciamentos grandiosos, ou talvez a expressão correta seja megalomaníacos. Neumann afirmou que um de seus objetivos era acabar com o problema da orfandade no planeta. “Existem 150 milhões de órfãos no mundo. Queremos resolver esse problema e dar a eles uma nova família: a família WeWork”, disse ele num evento que reuniu os funcionários da companhia no ano passado (ele não explicou como).

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A missão da We Company, segundo Neumann, era “elevar a consciência do mundo”. Seu objetivo, queria ser o primeiro trilionário da história.

Esse fervor ajudou a expandir a WeWork num ritmo alucinante. Um vídeo promocional da empresa fala em novos escritórios de co-working abertos por dia, em média. A empresa tem 853 espaços no mundo inteiro, espalhados por 123 cidades, em 33 países. No Brasil, a WeWork está presente em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre.

O apreço de Neumann por imóveis também se estendia à sua vida privada. Segundo uma reportagem publicada há uma semana pelo The Wall Street Journal, ele e a mulher gastaram cerca de US$ 90 milhões em propriedades espalhadas pelos Estados Unidos, incluindo uma townhouse e duas casas de praia na região chique dos Hamptons, entre outras aquisições. O dinheiro, segundo o jornal, foi tomado emprestado de bancos, com as ações da We Company como garantia.

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A companhia chegou a ser a ser avaliada em quase US$ 47 bilhões em janeiro, mas segundo as últimas estimativas agora seu valor de mercado é inferior a US$ 8 bilhões. O grupo japonês SoftBank, um dos grandes investidores da WeWork, teve um prejuízo enorme com a reviravolta na empresa e teve de intervir para salvar a companhia.

Apesar da queda vertiginosa do valor da empresa, Neumann não deve ter problemas para pagar a hipoteca das várias casas que comprou. Em troca de US$ 1,7 bilhão – entre pagamentos a título de consultoria e venda de ações – ele concordou em sair de cena para que outros arrumassem a bagunça.

Já os funcionários da WeWork – aqueles que ainda tiverem emprego depois da reestruturação prometida pelo SoftBank – provavelmente ficarão a ver navios. As opções de compra de ações que muitos detinham essencialmente não têm valor depois da nova avaliação da companhia.

O futuro do negócio também está longe de ser uma certeza. O modelo de negócios da WeWork não é novo nem difícil de replicar. Além disso, uma desaceleração da economia global levaria muito dos clientes a refazer as contas: será que um escritório de luxo é fundamental para o sucesso? Será que freelancers precisam alugar um espaço bem decorado ou a produção é a mesma numa mesa de um Starbucks?

O que parece certo é que a tolerância com fundadores “diferentes” pode não ser a mesma daqui para a frente. Como disse o ex-CEO do Twitter, Dick Costolo, sobre o WeWork: “O grau de conflito de interesses [declarado no prospecto do IPO] é tão absurdo, e vem numa época em que políticos e reguladores estão de olho no Vale do Silício, se perguntando se essas pessoas têm consciência do que estão fazendo.”

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York