Empresa brasileira promete “desospitalização” com novo formato de acesso à saúde

Podcast Rio Bravo entrevista Roberto Tolomei, CEO da Dealmed  

Paula Zogbi

(Bloomberg)

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SÃO PAULO – “No Brasil, existe uma cultura ‘hospitalocêntrica’, pois todos acham que devem ir para o hospital, quando, em vários países do mundo, não funciona dessa maneira. É preciso ir para o hospital em situações de emergência e de maior complexidade”. Essa é a visão de Roberto Tolomei, CEO da Dealmed. Sua empresa tem como missão desenvolver e gerir de centros cirúrgicos ambulatoriais em rede de forma a oferecer atendimento privado de boa qualidade à população que não possui plano de saúde.

“No Brasil, existe uma cultura ‘hospitalocêntrica’, pois todos acham que devem ir para o hospital, quando, em vários países do mundo, não funciona dessa maneira. É preciso ir para o hospital em situações de emergência e de maior complexidade”, diz o executivo. Ele foi o entrevistado do Podcast Rio Bravo mais recente. Confira as perguntas e respostas abaixo:

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Explique para nós um pouco do conceito da Dealmed. No que consiste a natureza dessa iniciativa?

A Dealmed é uma empresa de desenvolvimento e de gestão de centros cirúrgicos ambulatoriais em rede. Nós estamos há quatro anos nesse trabalho, desenvolvemos isso com muito cuidado, durante um bom tempo nós estivemos desenhando e testando o modelo em uma empresa que tem 30 anos de experiência em custos hospitalares, que é a Planiza, que é uma grande parceira nesse projeto.

Uma das principais questões para a viabilidade desse projeto é justamente a viabilidade econômico-financeira dele. Então nós temos um cuidado extremo com isso, em testar várias possibilidades, várias formatações, vários tamanhos, para que realmente isso fosse uma solução para o Brasil. Essa era a nossa principal, esse era o nosso principal desafio. Com que isso trouxesse de fato solução para o sistema de saúde privado, mas também público no Brasil.

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Eu gostaria que você contasse um pouco sobre a experiência desse conceito no exterior. Em que medida essa experiência pode ser replicada aqui no Brasil? Aliás a palavra é exatamente essa, replicar, ou se trata de uma coisa diferente?

Não, está correto. A nossa intenção desde o começo foi replicar essa experiência no Brasil. Como funciona isso nos Estados Unidos? Mais ou menos na década de 70 iniciaram nos Estados Unidos o desenvolvimento dos centros cirúrgicos ambulatoriais com o objetivo de oferecer uma alternativa aos hospitais de grande porte para a realização de cirurgias, que não precisam estar nesses hospitais. Isso foi uma experiência muito boa, foi aprovada pela Associação Médica Americana e reconhecida pelo Medicare, que é aquele sistema federal americano, como uma grande solução e que trouxe economias muito importantes e trouxe muita sustentabilidade para o sistema de saúde nos Estados Unidos. Hoje em dia são 6 mil unidades desse tipo nos Estados Unidos, enquanto no Brasil isso se equivaleria ao nosso Day Hospital, Day Clinical, Hospital Dia, usando a terminologia adequada, mas que no Brasil são muitos poucos ainda. Hospitais Dias dedicados a cirurgias de baixa e média complexidade em várias especialidades, como esse modelo dos Estados Unidos, são muito poucos. E iniciativas individuais. Não existe nenhuma rede. Nós estamos instalando a primeira rede de centros cirúrgicos dedicados a cirurgia ambulatorial no Brasil.

É muito importante o conceito de rede para que nós possamos buscar a economia de escala, para que nós possamos buscar uma formatação desse tipo de instalação que possa ser facilmente replicável, que possa ser instalada a um custo baixo e rapidamente para que entre em operação e ofereça ao sistema de saúde a possibilidade de “desospitalizar” essas cirurgias que não precisam estar dentro de hospitais, porque saem mais caras e não trazem maior segurança aos pacientes. Por que num hospital o paciente vai estar, ainda que vá fazer uma cirurgia de baixa complexidade, ela existe em todas as especialidades, vai desde a oftalmologia, otorrino, ortopedia, ginecologia, urologia, cirurgia geral, cirurgia neurológica periférica, cirurgia vascular, cirurgia pediátrica…. Enfim, todas as especialidades. Então são cirurgias eletivas, não são urgências e num hospital geral o paciente acaba estando em contato com outros tipos de ocorrências, de emergência, de infecções, enfim, que não haveria a necessidade. Então essa solução é muito interessante do ponto de vista assistencial, é muito interessante do ponto de vista econômico e o objetivo é trazer sustentabilidade. Esse é o grande desafio e a grande necessidade. A saúde no Brasil está em busca de soluções de sustentabilidade e é isso que a gente promete.

No Brasil, existe a percepção de que quanto mais tempo o paciente estiver no hospital, se ele estiver ainda sob o cuidado de uma equipe cirúrgica, do tratamento mais intenso, mais seguro esse paciente vai estar. Por que essa percepção não necessariamente está correta?

Essa percepção está errada. Na verdade, a cultura no Brasil é muito…. Vamos usar um termo que esclarece bem isso. Nós temos uma cultura “hospitalocêntrica”. Todo mundo acha que tem que ir parar dentro de um hospital, tanto os pacientes como até mesmo os médicos, e na verdade isso não é assim em vários países do mundo. É preciso ir para o hospital em situações de emergência, de maior complexidade, situações em que você precisa da interação de várias especialidades ao mesmo tempo, situações em que você precisa estar internado num sistema mais intensivo de observação e de atuação da equipe médica. Fora isso é um risco maior entrar num hospital para tratar uma situação médica em que a complexidade é baixa, é objetiva, é pontual. Você vai estar se expondo a um risco maior, não há necessidade disso.

E qual é o impacto desse modelo de gestão de redes para que o conceito funcione? Será que você pode dar um exemplo desse processo?

Sim, podemos. O que é importante nesse sistema de gestão em redes é a possibilidade de que a gente formate os processos para que a gente replique todo o modelo assistencial, que a gente tenha realmente uma condição de fazer gestão estratégica de custo. É fundamental que a gente tenha essa possibilidade de formatação em redes para conseguir aplicar esse tipo de estratégia tanto operacional como financeira.

Como faremos isso? A Dealmed se ocupou em montar uma plataforma com a participação de várias parcerias que vão desde as atividades iniciais de instalação de uma unidade hospitalar desse tipo, porque é muito simples, objetiva, até a parte de gestão financeira, gestão operacional, formatação de processos e preparação para acreditação. Da mesma forma que a indústria americana de ambulatórios, a Dealmed com a sua rede de hospitais especializados em cirurgias de baixa e média complexidade, que nós não vamos chamar de Day Clinical nem de Day Hospital, nós fizemos um estudo de branding e criamos a marca CirurDia, para expressar exatamente qual é o objetivo dessa instalação. É a cirurgia no dia. No dia, volta para casa, enfim, começa então a sua recuperação de forma muito mais rápida e objetiva.

Então o que nós vamos fazer? Nós criamos essa plataforma onde nós contamos com a parceria de todos os serviços e gestões de saúde, todos com uma experiência muito grande, usamos parcerias que têm 20, 30 anos de mercado, todas as nossas unidades vão ser preparadas para acreditação, nós contamos com formatação de processos assistenciais, com centrais únicas de compra para todas elas, de forma que a gente possa obter escala com serviços compartilhados de várias instâncias, serviços, por exemplo, de backoffice vão ser compartilhados, de forma que a gestão de cada unidade seja muito simples. E a Dealmed, que vai ser a gestora de todas as unidades, é que vai buscar essas oportunidades de ganho de escala para cada uma delas e acompanhar a gestão de custo em cada uma delas também, de forma que de fato a gente possa oferecer tanto para todas as empresas de planos e seguros de saúde, oferecer preços que realmente elas possam pagar e que cada unidade hospitalar dessa possa buscar a sua rentabilidade com excelência de gestão, e não sobreprecificando.

O sistema de saúde precisa agudamente de soluções de sustentabilidade. O que vem acontecendo é que as empresas de planos e seguros de saúde vêm sendo obrigadas a apresentar reajustes de 18%, 20% anuais às empresas, as empresas não estão suportando mais isso, e isso se dá em função da inflação médica, ou melhor dizendo, do aumento de custo de todos os procedimentos em saúde, que vêm sendo muito maiores que a inflação. Mas tudo isso também porque não aparecem soluções que podem oferecer segurança, qualidade a um custo mais previsível. O que nós temos capacidade também, que é muito interessante, é a possibilidade de oferecer previsibilidade num procedimento médico. Como essas cirurgias de baixa e média complexidade são muito previsíveis…. Nós não temos urgência, não vamos ter nessas unidades hospitalares um sistema aberto em que qualquer médico poderá vir e operar, não. Cada uma delas terá um grupo de médicos em todas as especialidades que estarão ligados a elas, serão sócios junto conosco. Em cada unidade, os médicos que vão atuar também fazem parte do negócio, e essa é uma grande diferença.

É assim que se estabelece, portanto, correlação de produtividade dos médicos com os planos de saúde, por exemplo?

Sim, tem a ver com a produtividade sim. O que acontece? Em geral, os hospitais, o modelo mais frequente, mais vigente, é que os hospitais são abertos. Eles podem ser frequentados por médicos que levam os seus pacientes, eles disputam uma participação na grade de horário para usar o centro cirúrgico, para poder operar, fazer a sua cirurgia. Os hospitais preferem cirurgias de maior complexidade em função do valor agregado da conta que vai ser gerada no final do processo. Nesse tipo de cirurgia, mais uma vez eu repito, vai estar presente em todas as especialidades e todas as nossas unidades serão multiespecialidades, é muito previsível. Então a gente tem como desenhar todo o processo. O tempo em que o paciente precisa chegar antes da cirurgia, o tempo que ele permanecerá em sala de cirurgia, o tempo que ele permanecerá em observação pós-operatória. Então nós temos a capacidade de calcular a melhor utilização da capacidade instalada de cada unidade. E cada médico convidado a participar conosco desse negócio, a Dealmed junto com parceiros investidores, ela terá uma participação em cada unidade e médicos locais em cada uma delas terá a participação complementar. Então é distribuído entre os médicos que farão parte da unidade, se ela tiver, por exemplo, cinco salas de cirurgia ou seis salas de cirurgia, ela tem a capacidade de produzir 500 a 600 ou até 700 procedimentos cirúrgicos por mês em várias especialidades. Calculamos isso, distribuímos entre os médicos, então o médico sabe que aquela grade horária é dele, ele vai poder utilizá-la da melhor forma possível dentro de um horário que ele vai combinar dentro da gestão de agenda daquela unidade. Então aumenta a produtividade dele, ele tem o compromisso de levar as cirurgias. A Dealmed vai negociar com as operadoras de planos de saúde, seguradoras, vai negociar o preço fechado desses atendimentos, de acordo com valores que eles possam pagar, mas também de acordo com a sustentabilidade de cada unidade hospitalar de forma que realinhamos os interesses e essa é a principal solução. Isso foi o principal ponto que nós focamos a nossa expertise para desenvolver uma solução que realinhe interesses. O maior problema hoje para o sistema de saúde é o desalinhamento de interesses. Os hospitais têm um interesse, as operadoras têm outro interesse, os médicos têm outro interesse, fornecedores têm outro interesse.

No meio de tudo isso está o paciente. É preciso que a solução seja fundamentalmente o melhor para o paciente. O que fazemos?  Trazemos o médico para dentro do negócio hospitalar, ele deixa de ser um simples usuário, passa a estar implicado com a operação, passa a estar implicado com o custo do serviço que está sendo produzido, está implicado com o custo que vai ser apresentado às operadoras. As operadoras por sua vez estão implicadas em fazer com que essa solução se perenize, ela seja perenizada, porque senão vai cair novamente na incerteza, vai cair novamente em situações em que não há previsibilidade nenhuma, e aqui nós podemos de fato negociar abertamente, com transparência absoluta, com operadoras, com fornecedores, com médicos, de uma forma que atenda a todos de uma forma razoável. Esse é o objetivo. O nosso objetivo então é que a rede de CirurDia, de condo-hospitais (condo-hospitais porque nós estamos em condomínio, investidores e médicos), seja realmente a sede de sustentabilidade para o sistema de saúde. É isso que nós procuramos.

O que faz essa iniciativa com tantos interesses distintos ser viável no Brasil, pensando nessa última resposta?

A equação é muito complexa mesmo. Quer dizer, o que nós tivemos o cuidado foi em tratar de uma forma profunda e minuciosa cada termo dessa equação extremamente complexa.  O que geralmente acontece é que se trata de um termo só. Não, vamos fazer um hospital de altíssima qualidade. No final, ele fica muito caro, para que ele tenha retorno, ele precisa apresentar preços caros às operadoras, e isso não atende às operadoras. Ah, vamos fazer um negócio muito barato. Ok, então ele fica barato, mas fica inseguro, traz riscos para o paciente. Ah, vamos fazer um hospital que seja seguro e atenda aos fornecedores e às operadoras. Enfim, os médicos não encontram atratividade nisso. Então nós procuramos exatamente para que seja viável tratar todos os termos dessa equação de forma que ela fosse sustentável. É preciso que o hospital tenha rentabilidade, ele precisa crescer, ele precisa comprar mais equipamentos, precisa dar retorno para os seus investidores, então isso está tratado, minuciosamente estudado. Isso vai ser muito transparente.

Os investidores são tanto investidores, profissionais especializados em health business que nós estamos convidando a participar ou que queiram participar de health business, como também médicos que essencialmente são os atores principais desse negócio. É preciso que eles estejam envolvidos, é preciso que eles também participem da construção desse modelo de sustentabilidade. As operadoras de planos de saúde são um elemento também extremamente importante e que têm que ser atendidas. É preciso que a gente traga solução para eles. Sabemos, por exemplo, que cerca de 40% dos gastos de uma operadora são com internações cirúrgicas. E nós sabemos também, pela experiência americana, europeia, pela experiência em outros países como Canadá, até África do Sul, que até 60% das cirurgias não precisam estar dentro de hospitais gerais e que, ao estarem no centro cirúrgico ambulatorial, objetivo, específico para esse atendimento, esse mesmo procedimento pode sair de 40% a 45% até 50% mais barato do que quando realizado no hospital, que tem um custo fixo muito maior.

Então veja bem como essas coisas se multiplicam. Estamos falando de 40% da despesa de uma operadora, ela pode ser 40% mais barata. Isso traz sustentabilidade. E se nós estamos dentro de uma instalação cirúrgica, em que ela é preparada para dar rentabilidade com preços baixos, porque ela tem uma gestão estratégica de custos centralizados, nós estamos falando de um bom negócio e que traz sustentabilidade, e que traz viabilidade também aos pacientes, mesmo particulares. Veja que interessante, nós estamos no momento da história em que volta a aparecer o paciente privado. Mas não é o paciente privado que pode pagar muito caro. É um paciente privado que pode pagar, sim, alguma coisa e não tem solução para ele. Não tem solução adequada. Os hospitais são muito caros, não tem interesse em paciente particular…. Esse tipo de hospitais. Se nos Estados Unidos couberam para atender toda a população 6 mil unidades desse tipo, calculamos e sabemos exatamente quantas precisamos desse tipo no Brasil. Para atender realmente a possibilidade de “desospitalização” do Brasil de até 60% das cirurgias, precisaríamos implantar mais de 400 unidades no Brasil.

A Dealmed pretende implantar em todo o Brasil, a começar pelas regiões Sudeste e Sul, onde está concentrada a população assistida por planos de saúde em grande parte, nós pretendemos implantar pelo menos 100 unidades no Brasil em várias partes. É isso que de fato vai dar uma possibilidade de termos uma rede muito forte, muito bem estruturada, capaz de oferecer preços baixos à população, aos pacientes particulares e também aos planos de saúde. Falávamos então que surja aí uma camada da população que nem tem plano de saúde, mas também quer um atendimento melhor do que o SUS. Então nós vamos colocar à disposição a preços sustentáveis a toda a rede CirurDia.

Na sua avaliação, como essa iniciativa pode contribuir para desafogar o gargalo que existe no atendimento aos pacientes no Brasil? Eu estou pensando especificamente nos pacientes da rede pública.

Isso também está no nosso cenário e a gente olha para isso também. Nós vamos conversar com isso com os agentes específicos do sistema público, mas sabemos que o gargalo é muito grande. Por exemplo, para terem uma ideia, uma cirurgia de catarata, hoje se alguém precisa de uma cirurgia de catarata, e não é uma coisa que dá para se adiar muito, porque na hora em que você chega à conclusão que precisa operar catarata é porque a vista já está prejudicada, então precisa operar.

Enfim, nós podemos sim negociar um percentual da capacidade instalada de cada unidade da rede CirurDia, cerca de 10, talvez até um pouco mais por cento da capacidade instalada, e não é pouco. Se cada unidade dessas pode produzir 500, 600 cirurgias por mês, estamos falando em cada unidade de colocar à disposição do atendimento público 60, 70, 80 cirurgias por mês em várias especialidades. Isso de uma forma sistemática em todas elas vai contribuir sim para diminuir esse gargalo e a gente pode negociar isso diretamente com as secretarias de saúde, onde estiverem instaladas essas unidades. Queremos fazer isso, vamos tentar negociar e viabilizar isso para oferecer e colocar isso à disposição também do sistema público.

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Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney