Gafisa (GFSA3): o que explica uma alta de mais de 200% em cinco dias?

"Tempestade perfeita” que envolve boa notícia com uma briga entre acionistas ajuda a justificar o primeiro grande rali da Bolsa em 2023

Rikardy Tooge

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A Gafisa (GFSA3) vem protagonizando um dos maiores ralis da Bolsa dos últimos tempos, sob um contexto de disputa entre acionistas e venda da participação da construtora no Hotel Fasano, em São Paulo (SP), por R$ 330 milhões. Entre 27 de dezembro e esta terça-feira (3) o papel acumula alta de 230%, de R$ 6,44 para R$ 21,30 (alta de 50,4% apenas no pregão desta terça).

Analistas de mercados ouvidos pelo InfoMoney traçaram um cenário de “tempestade perfeita”, em que junta uma boa notícia com a briga entre acionistas para justificar uma disparada de cerca de 200% nos últimos cinco dias. Em um momento em que o mercado não está nada eufórico diante dos primeiros sinais do novo governo, a forte alta encontra mais apoio em movimentos técnicos.

O principal deles é conhecido como short squeeze, em que traders que estavam operando vendidos no papel tiveram que comprar as ações a preço de mercado para devolvê-las aos acionistas titulares. Com o desmonte em massa dessas posições, o papel encontra espaço para valorizar.

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Um analista de mercado com grande conhecimento no papel destaca que o setor de construção é um dos mais “shorteados” da Bolsa em função do aperto monetário que ocorre no país, o que acaba desestimulando a compra de casas e apartamentos.

“A Gafisa é um papel que, embora seja controverso, tem uma das maiores liquidez entre as construtoras. Essa liquidez acaba atraindo traders para realizar operações com ela”, lembra o profissional.

Assembleia de acionistas no radar

A justificativa para um short squeeze massivo vem da disputa entre a Esh Capital com o acionista de referência da Gafisa, Nelson Tanure. Em uma briga que envolveu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Justiça de São Paulo, a Gafisa conseguiu manter sua data proposta para a AGE no dia 9 de janeiro.

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Com vistas a este encontro, muitos titulares das ações começaram a parar de alugar o papel para que possam votar na assembleia.

No entanto, a leitura dos analistas é de que os movimentos técnicos estão pulverizados, sendo difícil saber se eles partem de institucionais ou de pessoas físicas – embora esses investidores não tenham o hábito de participar de AGEs.

O que motiva a AGE, na avaliação dos agentes de mercado, é que Tanure, que assumiu posição relevante na companhia em 2019, tem deixado de lado os minoritários das discussões que envolvem emissão de dívidas e aumento de capital da companhia – o que acaba diluindo a participação de todos os investidores na empresa.

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Prova deste descontentamento surgiu no último dia 25 novembro, quando o conselho de administração da Gafisa aprovou um aumento de capital de R$ 150 milhões, o que poderia diluir a participação da Esh, atualmente em 15%.

No dia 30 do mesmo mês, a gestora pediu a convocação de uma AGE para questionar os rumos da empresa e cancelar o aumento de capital.

Além disso, há pedidos também para responsabilização judicial contra os administradores e membros do conselho fiscal da companhia pelos prejuízos causados à Gafisa entre 2019 e 2022. Também solicita a destituição dos membros dos conselhos de administração e fiscal, além da eleição de novos administradores.

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Embora a AGE ocorra no dia 9, ainda há a previsão de que a confirmação do aumento de capital ocorra antes disso, no próximo dia 5 – a decisão sobre este ato ocorrerá ainda nesta terça-feira, em reunião do conselho de administração da Gafisa. Em fato relevante sobre o tema, a companhia diz que o aumento de capital teve adesão de 1.479 acionistas, mas Esh afirma que o número não é relevante em relação ao total da base acionária da Gafisa.

“Ao contrário do que a Gafisa quer fazer parecer, o aumento de capital proposto teve adesão de 1.500 acionistas de uma base acionária de mais de 51.000, conforme site da B3. Isso dá menos do que 3 % da base acionaria”, apontou a gestora, em nova enviada ao InfoMoney. “O referido aumento de Capital não pode ser concretizado antes da AGE do dia 9, uma vez que a mesma deliberará sobre  questão. Cabe aos acionistas e não aos detentores de bônus de subscrição aprovar ou reprovar o aumento de capital”, prosseguiu a Esh Capital.

Outro analista que cobre Gafisa reforçou que a empresa vem passando por uma grande reestruturação desde a venda da participação da GWI Asset Management, do polêmico sul-coreano Mu Hak You, em 2019.

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A fonte lembrou que, desde então, o novo bloco de controle realizou operações que tem forçado a diluição da base acionária – o que poderia ter provocado a reação da Esh. “Não sei se o fundo realmente tem apenas um interesse no setor ou se quer ‘passar um recado’ ao acionista de referência”, apontou.

Venda de hotel

Tirando apenas os movimentos técnicos, a venda da participação da Gafisa em 80% do empreendimento Fasano Itaim, em São Paulo, por R$ 330 milhões, sendo R$ 246,6 milhões em assunção de dívidas, também traz um viés positivo ao papel.

A participação, comprada em 2020 por R$ 310 milhões, traz um pequeno lucro e um potencial grande de desalavancar a dívida líquida da Gafisa, estimada em R$ 1,4 bilhão no terceiro trimestre de 2022.

“Visualizamos esse movimento como positivo pelo fato de que demonstra a capacidade de execução da companhia na restruturação de ativos”, avaliou o analista Lucas Lima, da VG Research.

No entanto, o possível comprador da fatia no hotel causou estranheza entre alguns analistas. Segundo apuração do colunista Lauro Jardim, de O Globo, quem comprou o negócio foi o Banco Master, que seria muito ligado a Nelson Tanure. Em resposta à notícia, a Gafisa diz que “desconhece qualquer relação de pessoa física com a compra do Fasano, que foi concretizada por um fundo ao final de 2022”.

Prossegue ainda afirmando que a negociação tem como objetivo geração de caixa; desalavancagem da companhia, com a venda de vários ativos; aceleração das vendas de estoque de imóveis, a partir de uma política comercial mais eficiente; e foco na alta renda. “A venda do Hotel Fasano, portanto, é apenas uma dessas ações da nova gestão”, conclui a construtora.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br