A volta do crescimento: varejo se recupera após anos de crise, mas ainda há um fator de incerteza

Setor se recupera depois de acumular perdas por dois anos, mas enfrenta as dúvidas com as eleições

Equipe InfoMoney

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Aos poucos, fica para trás uma das maiores crises econômicas da história do País. Como um todo, a economia brasileira avançou 1% em 2017, encerrando oficialmente a recessão iniciada em 2014. Apesar dos números positivos, o momento ainda é de cautela entre os empresários do setor. ”Estamos com expectativa positiva para a retomada do varejo neste ano, mas ainda não podemos afirmar que esse movimento esteja garantido. Em 2017, o setor observou uma pequena retomada do emprego, o que influenciou positivamente o aumento do nível de confiança dos consumidores e investidores, mas, de fato, não enxergamos uma melhora refletida no chão da loja”, diz Ronaldo Iabrudi, CEO do GPA, que deixará o posto no final de abril, quando será substituído pelo atual presidente da Via Varejo – braço do GPA que cuida das marcas Casas Bahia e Pontofrio –, Peter Estermann. A companhia tem acelerado a expansão da rede de atacarejo Assaí, que ganha espaço em relação aos supermercados e hipermercados – estes passam a ser mais voltados para o cliente premium.

Um dos resultados perenes trazidos pela crise é a consolidação dos atacarejos, um movimento que é seguido por outras redes de supermercados. O GPA também tem sido mais agressivo no uso da base de dados de clientes para as operações online integradas com as lojas físicas. Com as modificações, o grupo registrou vendas líquidas de R$ 44,6 bilhões em 2017, um crescimento de 8,2% em relação a 2016. Estermann conseguiu reverter dois anos de prejuízos na Via Varejo, que teve lucro líquido de R$ 129 milhões em 2017, com receita líquida de R$ 25,6 bilhões.

Pesquisa da Associação Paulista de Supermercados (Apas) mostra que 49% dos empresários estão confiantes. No último ano, ainda que o País tenha cravado a maior taxa de desemprego da história, a Apas registrou crescimento de 8,6 mil vagas de empregos formais (em um universo de 530 mil) e espera 12 mil novos postos em 2018. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e a Fundação Getulio Vargas apontaram em fevereiro um crescimento dos índices de confiança. O Índice de Confiança do Empresário do Comércio (Icec), da CNC, subiu 3,3% em relação a janeiro, para 113,2 pontos. Na FGV, o indicador de confiança do varejista atingiu em fevereiro o ponto mais alto dos últimos quatro anos – 95,5 pontos em uma escala que vai de 0 a 200.

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A percepção mais otimista acompanha as expectativas com o crescimento do PIB em 2018 – o governo prevê alta de 3% – e os juros em patamares históricos baixos. “Há um conjunto de fatores favoráveis, que são a queda do desemprego, o aumento da confiança, a volta do crédito, a inflação baixa e a injeção de recursos do PIS/Pasep, semelhante ao que aconteceu com o Fundo de Garantia no ano passado”, afirma Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. “O crescimento nominal do faturamento do setor deve ser de 4% a 8% no ano de 2018 [em relação a 2017]. Serão quatro pontos percentuais em um cenário mais negativo ou oito em um cenário mais otimista. Alimentos tiveram um desempenho abaixo do que se imaginava em 2017, porque a categoria sofre muito com inflação baixa. Não é porque o arroz e o feijão estão mais baratos que o consumidor vai comprar 30% mais… O mercado não recupera em volume o que se perde em valor. Os eletroeletrônicos, por outro lado, tiveram um ano muito bom, principalmente no segundo semestre de 2017, com um crescimento acima de 10%.”

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) trouxe em fevereiro, finalmente, números animadores para o varejo brasileiro. Depois de dois anos de retração, as vendas no setor cresceram 2% em 2017. Foi o melhor ano desde 2014 (2,2%) e contrasta com a quedas expressivas em 2015 (-4,3%) e 2016 (-6,2%). Já o volume de vendas do varejo ampliado, que inclui o comércio de automóveis e material de construção, registrou crescimento de 4%. Foi o melhor resultado desde 2012, quando havia avançado 8%. O crescimento em 2017 foi praticamente generalizado no varejo, e entre os destaques positivos estão móveis e eletrodomésticos (alta de 9,5%) e material de construção (9,2%).

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Um dos principais riscos para a trajetória ascendente é o aumento de impostos, segundo Antonio Carlos Pipponzi, chairman da rede Raia Drogasil e presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), entidade que reúne pesos-pesados do varejo nacional. “Algo que pode atrapalhar é a ideia de fazer reformas tributárias de última hora. Ou anunciar medidas de simplificação, como mudanças no PIS e na Cofins”, diz Pipponzi. “O IDV olha com muita cautela, porque a gente sabe que toda e qualquer transição de impostos, até por uma questão de segurança do governo, acaba provocando elevação.”

Se os índices econômicos têm trazido confiança, as eleições permanecem uma grande incógnita. Isso torna o consumidor mais cauteloso na hora da compra e faz com que empresários adiem investimentos, receosos com a possibilidade de escolha de um presidente que não dê continuidade às reformas e à atual agenda macroeconômica. Além disso, a Copa do Mundo sempre é um fator a se considerar para o varejo. “Não fosse o ano de eleição, tudo seria mais previsível”, diz Terra. “A Copa influencia muito o varejo de eletroeletrônicos e de alimentos, e exerce menos influência sobre medicamentos e móveis. O que acontece é que, em ano de Copa, há aquela dinâmica de celebração, e isso puxa o varejo de supermercados.” Para Pipponzi, a Copa provoca uma queda durante os jogos do Brasil, mas já afetou muito mais em outros tempos. “Os efeitos são pontuais. As vendas normalmente acabam sendo antecipadas, não é que deixam de acontecer.”

O Magazine Luiza, que está entre os grupos de melhor performance do varejo nacional em 2017, aposta que este ano também será muito positivo. “Mantemos nosso otimismo em função principalmente da retomada da economia. Vai ser o primeiro ano em muito tempo que temos um vento a favor e também temos a Copa Mundo”, diz Frederico Trajano, CEO do grupo. “Nossa característica corporativa de não ter medo de mudança foi um tanto relevante. Graças a ela, conseguimos vencer os três piores anos da história da economia brasileira. E coroamos com o melhor resultado da história do Magazine Luiza”, afirma. As vendas totais da empresa aumentaram 28% em 2017, atingindo R$ 14,4 bilhões. O lucro da companhia em 2017 foi praticamente quatro vezes maior do que o de 2016 (349%). A Guararapes, dona da Riachuelo, também exibiu resultados recordes em 2017. A empresa teve uma receita líquida consolidada de R$ 6,4 bilhões, uma alta de 8,8% em relação a 2016. “Completamos 70 anos de existência e 2017 foi o melhor ano, mesmo com a recessão”, diz Flávio Rocha, presidente da companhia. “Esse é um aspecto cruel da crise, principalmente do varejo. Quando a crise vem, ela se abate sobre o varejo mais vulnerável, menos competitivo. Foram números estarrecedores. Em dois anos, 200 mil lojas fechadas, como se todos os shopping centers do Brasil fechassem duas vezes. Oito pontos perdidos do varejo nesses dois anos que não vão deixar saudade. Mas, claramente, desde a metade do ano passado, o caminho é de recuperação.”

*Esta reportagem foi originalmente publicada na edição de número 68 da revista LIDE, em 19/03/2018.