Aportes em startups caminham para normalidade após ‘anomalia’ de 2021 e 2022, aponta estudo

Levantamento da Endeavor em 40 mercados pelo mundo confirma desaceleração de aportes e busca dos investidores por startups mais rentáveis

Rikardy Tooge

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O acesso de startups a capital novo tem sido um desafio desde meados de 2022, quando o custo do dinheiro voltou a subir nas principais economias globais. Mas o que, aparentemente, seria uma seca do venture capital (VC), se consolida mais para uma normalização do padrão de aportes, de acordo com estudo feito pela Endeavor, que mapeou o perfil das rodadas de investimento antes e depois da pandemia em mais de 40 mercados pelo mundo.

Dados da pesquisa mostram que, em 2019, os investimentos em startups somaram US$ 36,5 bilhões, em 35 rodadas, em uma média de quase nove aportes por trimestre. No ano seguinte, também foram 35 operações, com US$ 27,9 bilhões envolvidos. Em 2021, o número de rodadas mais que dobrou, para 74, ou cerca de 19 investimentos por trimestre e US$ 69,3 bilhões. Já 2022 foi o pico de volume financeiro, com US$ 72,7 bilhões em 59 operações, ou pouco mais de 14 por trimestre.

“Observamos que 2021 e o primeiro semestre de 2022 são ‘anomalias’, distantes do padrão normal de mercado”, contextualiza Karina Almeida, coordenadora de pesquisa da Endeavor. No primeiro trimestre deste ano, foram cinco rodadas e US$ 5,3 bilhões envolvidos, no menor nível desde a pandemia. “A injeção de capital do primeiro trimestre de 2023 está em linha com o padrão do segundo semestre de 2020, à medida que o mundo recua para ativos seguros e lida com incerteza macroeconômica”, acrescenta.

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Foguete e dinheiro; inovação, ideia, startup, venture capital
Startups encontram mais dificuldades para escalar com ‘seca’ de aportes (Pixabay)

O estudo também constatou um espaçamento maior entre novas rodadas. Atualmente, o intervalo entre as rodadas Series A (injeção de capital para consolidar a tese) e a Series B (aporte em que a startup investe para buscar escala) chegou ao recorde de 2,4 anos nos Estados Unidos – mercado referência em venture capital – e a tendência de crescimento continua.

“Considerando a escassez de capital e o aumento no tempo entre rodadas, as empresas têm adotado um mindset de longo prazo, focando na preservação de caixa”, diz a pesquisa. Outra dificuldade é de empresas que estão na Series B conseguirem uma rodada C, na qual os aportes miram expansão e aquisições e, logo, o cheque tende a ser mais robusto.

‘Morte’ de unicórnios

A seca de recursos e a necessidade de caixa das startups também têm provocado ajustes no valuations das empresas, embora muitas delas evitem assumir isso publicamente. O estudo aponta que “flat rounds”, em que a avaliação de mercado é mantida, e “down rounds”, em que o market cap da companhia é depreciado, ganharam tração neste ano.

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“Os down rounds estão mais comuns e menos estigmatizados”, resume Karina. “Os up rounds [crescimento do valuation] ainda estão acontecendo, mas demorando mais e ocorrendo principalmente para empresas com lucratividade comprovada”.

Outra tendência é a procura por uma operação chamada de venture debt, em que a startup obtém empréstimo com VCs em que uma participação da empresa é usada como garantia da dívida. “Isso ajuda a evitar um down round, por exemplo”, explica a pesquisadora.

Na prática, prossegue o estudo, isso significa que alguns unicórnios, que são startups que atingiram precificação de US$ 1 bilhão ou mais, estão caminhando para perder ou já perderam esse status. “O título de unicórnio será reservado para um pequeno grupo de empresas com receita e indicadores econômicos”, reforça o estudo.

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Tendências

A pesquisa conclui que teses ligadas à fintechs foram as mais afetadas pelo aumento do custo do dinheiro e a retração dos fundos de venture capital. Por outro lado, iniciativas de Software as a Service (SaaS), Climatech e Agtech têm ganhado a preferência dos investidores. Em comum, são empresas que atuam com o cliente empresarial (o chamado B2B) e possuem receita recorrente e previsível.

“As melhores empresas continuarão a receber financiamento, em especial se sua estratégia estiver alinhada com sustentabilidade financeira. Antes, era algo que não se dava atenção, mas voltou a ter importância. Agora, não adianta mais ter uma boa ideia”, completa a pesquisadora.

A Endeavor se baseou em dados do Catalyst, seu fundo de co-investimento que atua em conjunto com mais de 200 fundos de venture capital na América Latina, América do Norte, Europa, Ásia e África, em países como Brasil, Colômbia, Estados Unidos, Romênia, África do Sul, Líbano e Indonésia. No país, Neon, Pismo, Ebanx e Hotmart são algumas das startups que fazem parte do ecossistema da Endeavor.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br