O que defendem os democratas e os republicanos? Foi sempre assim?

Plataformas dos grandes partidos americanos se consolidaram durante décadas nos séculos XX e XXI, mas mudaram junto com a sociedade nesse período; fronteiras estão mais delimitadas atualmente

Roberto de Lira

Pessoas em Nova York acompanham debate entre Trump e Kamala - 10/09/2024 (Foto: Adam Gray/Reuters)
Pessoas em Nova York acompanham debate entre Trump e Kamala - 10/09/2024 (Foto: Adam Gray/Reuters)

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Quais são as linhas mestras do pensamento dos partidos Republicano e Democrata nos Estados Unidos?

Nos dias atuais parece mais fácil identificar a agremiação que abriga Donald Trump como aquela associada ao capitalismo laissez-faire, impostos baixos, menor presença federal e políticas sociais conservadoras. Do lado do grupo de Kamala Harris, por sua vez, se aliam os que defendem maior regulação federal, os sindicatos, os direitos civis de minorias e as reformas mais progressistas.

Mas nem sempre foi sempre assim, pois essa marcas e ideologias foram se transformando e se cristalizaram ao longo de décadas nos séculos XX e XXI.

Conforme lembra Enciclopédia Britânica, o Partido Democrata é o mais antigo dos Estados Unidos: suas raízes remontam a 1792, quando curiosamente os seguidores de Thomas Jefferson adotaram o nome “Republicano” para enfatizar suas visões antimonarquistas. A agremiação venceu todas as eleições presidenciais de 1828 a 1856, exceto duas (1840 e 1848).

Escravidão

Nas décadas de 1840 e 1850, o Partido Democrata, como passou a denominar oficialmente em 1844, sofreu muitas divisões internas, especialmente por conta de como diferentes estados encaravam a escravidão.

Os democratas do sul, liderados por Jefferson Davis, queriam permitir a escravidão em todos os territórios, enquanto os democratas do norte, liderados por Stephen Douglas, defendiam que cada território decidisse a questão por meio de referendos.

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Foi essa cisão que rachou o partido na eleição de 1860 e que abriu caminho para a vitória de Abraham Lincoln, candidato do recém-criado (em 1854) e antiescravagista Partido Republicano. Lincoln teve apenas 40% dos votos nacionais, mas foi eleito, e o país atravessou uma guerra civil que mostra impactos na sociedade americana até hoje.

Essa eleição de 1860 é considerada por observadores políticos como uma das eleições “críticas” do país, aquelas disputas que produziram mudanças bruscas, mas duradouras, nas lealdades partidárias em todo o país.

Grandes empresas e regulação

A “cara” mais parecida com o Partido Democrata recente só começou a aparecer nas gestões de Woodrow Wilson (1913-1921), que fez várias reformas econômicas, incluindo a quebra de monopólios comerciais e uma regulamentação federal mais ampla do setor bancário e da indústria.

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Mas o idealismo e a opção de internacionalismo de Wilson não prosperou na década seguinte e coube aos republicanos liderar o país na era da formação dos grandes conglomerados empresariais, vencendo as disputas presidenciais de 1920, 1924 e 1928.

Após a quebra da bolsa de valores em 1929 e a subsequente Grande Depressão, o democratas ganharam a eleição de 1932, liderados por Franklin D. Roosevelt. São dessa época os grandes programas sociais como o New Deal, a previdência social e o salário-mínimo estatutário, conquistas que o partido coloca em seu histórico com orgulho.

O partido manteve a presidência até 1952, quando os republicanos nomearam como candidato o ex-comandante supremo das forças aliadas na 2ª Guerra Mundial. Dwight D. Eisenhower.

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O militar era mais centrista, preferindo adotar um tom de “republicanismo moderado”, mas o partido já vinha adotando uma plataforma bastante conservadora, levando a uma forte postura anticomunista nas relações exteriores

Outros temas defendidos eram reduções na regulamentação governamental da economia, impostos mais baixos para os ricos e resistência à legislação federal de direitos civis, um perfil que o partido tem mantido até hoje.

Nessa época, se consolidou o apoio tradicional de grandes e pequenas empresas à causa republicana, com adesão crescente dos cidadão suburbanos de classe média. Também foi nessa década que sulistas brancos se afastaram dos democratas, por conta de defesas de políticas pró-integração racial.

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Direitos civis

Com os novos tempos de contestação, os democratas recuperaram a Casa Branca na eleição de 1960, quando John F. Kennedy derrotou Richard M. Nixon. Após o assassinato de Kennedy, coube a Lyndon Johnson carregar a bandeira da defesa dos direitos civis e da dessegregação racial. O partido conseguiu aprovar a Lei dos Direitos Civis, de 1964, e da Lei dos Direitos de Voto, de 1965.

Mas o custo foi o afastamento definitivo da lealdade tradicional de muitos de seus apoiadores do sul. Em 1964, o Partido Democrata venceu em 5 estados do Sul. Em 1968, só conseguiu se sair vencedor em um.

Richard Nixon ganhou duas eleições, mas teve de renunciar em 1974 após o escândalo Watergate, e seu vice, Gerald Ford, não conseguiu bater o democrata do sul Jimmy Carter em 1976.

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Cortes de impostos

Em 1980, Ronald Reagan, líder da ala mais conservadora do Partido Republicano, derrotou Carter e ajudou os republicanos a recuperarem o controle do Senado, que mantiveram até 1987.

Reagan introduziu profundos cortes de impostos e investiu pesado nas forças militares dos EUA. Sua popularidade pessoal e uma forte recuperação econômica após a difícil década de 1970 contribuíram para sua vitória em 49 estados sobre o democrata Walter Mondale, em 1984.

Somente em 1992 os democratas recuperaram a Casa Branca, com Bill Clinton, que imprimiu um forte apoio aos acordos comerciais internacionais. Mas ele se indispôs com grandes sindicatos ao defender cortes de gastos em programas sociais para reduzir o déficit orçamentário.

Por conta disso e de problemas com o plano de saúde federal, em 1994, os democratas perderam o controle de ambas as casas do Congresso. Mas o país teve um período de prosperidade não visto desde a década de 1920.

País dividido

A eleição de 2000 foi um marco porque os EUA estavam fortemente divididos e a contestada vitória de Al Gore na Flórida motivou uma recontagem de votos, que deu a vitória ao governador do Texas, George W. Bush. Ainda assim só garantida após semanas de impasse judicial.

Nas eleições gerais de 2008, o candidato presidencial democrata, Barack Obama, derrotou o republicano John McCain, tornando-se o primeiro afro-americano a ser eleito presidente dos Estados Unidos.

Mas foi no seu segundo mandato que surgiu o “Tea Party”, movimento populista cujos adeptos geralmente se opões à tributação excessiva e ao gigantismo do governo, duas das bandeiras de Donald Trump, que venceu em 2016 e tenta um novo mandato na disputa de 2024.