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Seguradoras abrem consulta para atuarem com letra de risco de seguros

Mecanismo é um meio de as companhias transferirem parte dos riscos associados a eventos climáticos extremos e catástrofes para agentes do mercado financeiro

Gilmara Santos

(Crédito: GettyImages)

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Os riscos das operações de seguro e resseguro já podem ser financiados pelo mercado de capitais, e as seguradoras já estão de olho nesta possibilidade, inclusive, com algumas delas consultando a Susep (Superintendência de Seguros Privados) para a constituição de uma SSPE (Sociedade Seguradora de Propósito Específico) para lançar as primeiras LRS (Letras de Risco de Seguro e Resseguro).

“Temos duas consultas prévias para constituição de seguradora que encontram-se em fase de análise da documentação. Sendo aprovada, será emitida uma carta homologatória não opondo óbices ao prosseguimento do projeto, podendo fazer a constituição da sociedade e, posteriormente, após os atos assembleares, solicitar a autorização para funcionamento”, diz a Susep por meio de nota. “Além disso, a área técnica de licenciamento teve reuniões técnicas com outros interessados, que ainda não deram prosseguimento ao projeto”, complementa o órgão.

De acordo com informações da Susep, o processo de licenciamento de uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico é constituído por 3 fases:

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Alexandre Leal, diretor de estudos e relações regulatórias da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras), explica que em 2020, a Susep publicou uma resolução que permitia a emissão de títulos, o ILS (Insured Linked Securities), para a aceitação de riscos para seguradoras e resseguradoras. Para isso, as empresas tinham que constituir uma sociedade específica para tratar do assunto, mas, à época, não teve demanda. Em dezembro, o governo publicou uma lei que trata do assunto, criando a LRS.

“A diferença da lei para resolução é que a mesma sociedade de seguradora para propósito específico permite que vários ILSs sejam emitidas. Na resolução da Susep, não tinha essa possibilidade e isso gerava uma burocracia grande. A lei aumentou a possibilidade, mas ainda carece de uma regulamentação com solução conjunta da CVM [Comissão de Valores Mobiliários] e da Susep, e também de regulamentação da própria Susep de como essa sociedade seguradora de propósito vai caminhar”, considera Leal.

O advogado Thomaz Del Castillo Barroso Kastrup, sócio da área de seguros do escritório Machado Meyer Advogados, considera que com a recente retração do mercado de resseguro em função de alta severidade e frequência de sinistros e o encarecimento de coberturas para diversos tipos de riscos, as LRS podem ser um importante suporte à cobertura de riscos com baixa aceitação no mercado (como é o caso de riscos catastróficos e riscos cibernéticos), com prêmios mais competitivos em relação ao mercado tradicional.

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“Isto tem uma importância ainda mais acentuada em um momento de intensificação de riscos climáticos, os quais têm contribuído para a redução da disponibilidade de cobertura. A emissão de LRS pode, ainda, ser uma alternativa inteligente para alívio do balanço de sociedades seguradoras e resseguradores locais, o que, no entanto, dependerá da estrutura dos contratos de seguro, resseguro ou retrocessão relacionados a tais títulos”, comenta o advogado.

“A novidade trazida pela Lei 14.430/2022, que cria a Letra de Risco de Seguro e Resseguro, é que aparece no mercado nacional como uma nova fonte de captação de recursos ao mercado de seguros e do ponto de vista de investimento ela pode se tornar atrativa tanto para as companhias securitizadoras, isto porque as seguradoras poderão compartilhar os riscos com as companhias securitizadoras e o mercado de capitais, uma vez que as potenciais perdas com seguros, saúde e previdência complementares e resseguro, prima facie serão diluídos entre os seus operadores”, destaca o advogado Marcos Poliszezuk, sócio fundador do escritório Poliszezuk Advogados.

O que é a letra de risco de seguro?

As letras de risco de seguro (LRSs) são títulos livremente negociáveis emitidos exclusivamente por sociedades seguradoras de propósito específico (SSPEs) para financiar a subscrição de riscos de seguro e resseguro.

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“No exterior, esse tipo de título também é conhecido como insurance-linked securities e é amplamente utilizado por governos, segurados, seguradores e resseguradores para financiar, por meio do mercado de capitais global, a subscrição de riscos catastróficos, a exemplo de riscos nomeados decorrentes de furacões na Flórida e terremotos no Chile”, diz Kastrup. “Instrumentos como a LRS já são tradicionalmente utilizados em outros países do mundo e representam não apenas uma oportunidade para investidores, mas também uma forma de contribuir com o aumento da oferta de seguros para eventos que antes não seriam segurados”, complementa o advogado.

Como funciona?

Sob a perspectiva do investidor, explica Kastrup, a dinâmica é bastante simples: ao comprar o título, o investidor passa a fazer jus a uma remuneração equivalente à soma entre os prêmios cobrados pela SSPE junto à cedente e o resultado da aplicação pela SSPE dos recursos do investidor em títulos financeiros, descontada a remuneração da SSPE e eventuais indenizações e despesas incorridas em razão da liquidação de sinistros. Vale lembrar que tal remuneração só será paga ao investidor após o decurso da vigência do título e a liquidação de todos os sinistros ocorridos dento da referida vigência.

A SSPE, de outro lado, utiliza os recursos aportados por investidores e os prêmios (res)securitários recebidos de cedentes para constituir provisões técnicas (com a aplicação de tais recursos em ativos financeiros permitidos pela legislação e regulamentação), as quais podem, então, ser consumidas para pagamento de despesas e indenizações securitárias resultantes de sinistros ocorridos.

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Para quem é destinada?

Por ora, a LRS é destinada somente para investidores profissionais locais e estrangeiros, nos termos da regulamentação da CVM. Para tais investidores, o investimento em LRS pode ser uma forma de diversificação de portfólio, em vista da ausência de correlação entre as LRS e diversos índices macroeconômicos. Quer dizer, a remuneração do investidor da LRS depende apenas da ocorrência (ou não) de sinistros cobertos sob o respectivo contrato de seguro, resseguro ou retrocessão vinculado a tal título.

Como funciona este mercado hoje?

Atualmente, a emissão desse tipo de título é concentrada predominantemente em Bermuda, um hub tradicional de resseguro, ainda que veículos importantes também estejam sediados nos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia. No entanto, cedentes de todo o mundo utilizam estes mecanismos, ainda que os veículos emissores estejam concentrados em tais jurisdições.

Outra característica é seu foco no mercado de property (e, em especial, na cobertura de riscos catastróficos, como terremotos, tempestades e furacões/tufões). Há notícia de emissão de LRSs vinculadas a outras linhas de negócios (res)securitários, a exemplo de riscos cibernéticos e de responsabilidade civil (casualty). No entanto, esse nicho de mercado ainda é pouco desenvolvido, em virtude da falta de apetite de investidores por riscos de cauda longa. “Para referência, segundo especialistas, estima-se que o capital em risco alocado em estruturas de insurance-linked securities supere US$ 40 bilhões, mas apenas US$ 500 milhões estariam vinculados ao mercado de casualty”, diz Kastrup.

De acordo com ele, nos últimos anos, também tem se popularizado a emissão de greend bonds, em iniciativas envolvendo governos, (res)seguradores globais e investidores privados. Nesse tipo de estrutura, as cedentes se comprometem a utilizar as sobras de recursos geradas pelo alívio de balanço associado à cessão de risco em iniciativas verdes (exemplo disso é a utilização de mecanismo similar no Equador para financiamento de projetos sustentáveis na Ilha de Galápagos). Em função do apetite redobrado de investidores por títulos ESG e da centralidade do Brasil para a agenda verde global, este nicho pode ser amplamente explorado localmente.

Aumento de eventos climáticos

A LRS, diz Kastrup, é um instrumento capaz de gerar ganhos sistêmicos para a sociedade no contexto das alterações climáticas que o Brasil vem enfrentando, na medida em que pode facilitar a contratação de coberturas securitárias para eventos que, de outro modo, não seriam seguráveis, seja por ausência de apetite das seguradoras e resseguradoras em assumir tais riscos ou pela inviabilidade econômica relacionadas à cobertura de catástrofes naturais.

“Um bom exemplo é o agronegócio, um setor estratégico para a economia brasileira e que pode se beneficiar em larga escala com as LRSs para minimizar as consequências adversas decorrentes de secas, chuvas excessivas, geadas, vendavais e outros eventos climáticos adversos que têm se intensificado nos últimos anos”, afirma.

Além disso, as LRSs podem ser mecanismos eficientes para ressarcir e recompor o patrimônio dos segurados, evitando a necessidade de intervenção estatal emergencial diante da ocorrência de catástrofes naturais – permitindo que recursos financeiros cheguem mais rápido a quem mais precisa, em momentos de extrema necessidade.

“Importante ressaltar que esta modalidade beneficiará o mercado brasileiro, na medida em que se observa um aumento considerável nas condições climáticas e das apólices que cobrem eventos relacionados a ela, denominadas como “bônus de catástrofe” mais comumente no Brasil oriundo das chuvas ocasionais que resultam em enchentes e seus desdobramentos como perda patrimonial e também de vidas.
Todavia, nem tudo são flores, uma vez que para este tipo de operação ser altamente benéfica aos olhos dos investidores, que receberá uma parcela dos prêmios securitizados além de retorno sobre o capital alocado, desde que não haja qualquer sinistro que resulte em pagamento de indenização, ou seja, estes investidores terão que assumir os riscos da letra, e os eventos climáticos negativos podem se tornar um entrave, ainda que o investidor não possua risco de perda adicional além do recurso efetivamente aportado”, diz Poliszezuk.

Quais os cuidados o investidor deve ter?

Assim como em todas as modalidades de investimentos disponíveis no mercado de capitais, o investidor precisa ter conhecimento dos riscos envolvidos, já que todo valor investido pode ser consumido em caso de sinistros, e sempre buscar se proteger mediante a diversificação do seu portfólio de investimentos.

Não é à toa que a regulamentação de LRS exige que para se investir nesse título o adquirente seja um investidor profissional.

Vislumbra-se também o potencial de expansão de utilização da LRS para outros ramos além dos riscos de property/catastróficos. Em mercados mais desenvolvidos, por exemplo, já foram emitidas LRS vinculadas a riscos cibernéticos. Dado a baixa penetração desse tipo de título na subscrição de riscos não-catastróficos, o mercado brasileiro pode se posicionar na dianteira global, considerando a experiência de diversos players nacionais na gestão de riscos e projetos complexos.

Além disso, vemos também uma oportunidade de cobertura de riscos relacionados a carteiras de saúde, planos de assistência à saúde e, até, planos de previdência privada.

Custos menores

O Eduardo Pachi, sócio do escritório VNP Advogados, explica que a LRS é um título de crédito nominativo emitido por SSPE, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, vinculado a riscos de seguros e resseguros, sendo tais riscos de seguro, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão.

De acordo com ele, o objetivo principal da LRS é pulverizar no mercado de capitais o risco das seguradoras, resseguradores, entidades de previdência complementar e operadoras de saúde suplementar, gerando a possibilidade de fomentar a quantidade e tipos de seguros oferecidos no mercado, na medida que as entidades emissoras das apólices terão mais apetite para emissões dos seguros, já que dividirão os riscos com os investidores da LRS.

“Outra possibilidade trazida pela LRS é baratear os custos para o consumidor final, uma vez que o custo de captação de recursos no mercado de capitais tende a ser mais barato do que o custo de capital da entidade emissora de apólice”, afirma Pachi.

“Outro fator importante é que a operação destas SSPEs possuem independência patrimonial, garantindo uma maior segurança ao pagamento dos sinistros, quando ocorridos”, diz Poliszezuk.

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Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC