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Portinari, Aleijadinho e terrorismo: obras de arte famosas têm seguro?

Do instante em que sai da parede até a chegada em outro país, obra de arte precisa de ampla proteção

Jamille Niero

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Você já se imaginou voltando da Rússia em um avião que tinha toda a primeira classe ocupada por obras de arte em vez de poltronas com passageiros? Essa história aconteceu na vida real e foi contada em detalhes pela museóloga Maria Ignez Mantovani Franco, que também é diretora da empresa de assessoria museológica Expomus, no segundo episódio do podcast “Tá Seguro”, sobre como funciona o seguro para obras de arte e museus. O episódio já está disponível no canal do InfoMoney no YouTube e nas principais plataformas de podcast.

Ao lado do corretor de resseguros Marcio Ribeiro, que também é fundador e CEO da KNW Brokers, Maria Ignez contou outras situações muito curiosas envolvendo os bastidores de exposições que já passaram pelas mãos deles, além de explicar todo o processo envolvendo a contratação desse tipo de proteção.

Segundo a museóloga, a história que abre esse texto foi um projeto que aconteceu em 1988 em um contexto de uma visita presidencial brasileira à Rússia. A coleção, composta por cerca de 400 obras, já estava na Europa porque havia uma previsão da exposição na França e em Portugal, então houve um convite do Itamaraty para que as obras de arte representassem o Brasil nessa visita. A exposição aconteceu na Academia de Belas Artes de Moscou.

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Na volta ao Brasil, a exposição foi desmontada um dia antes, e as obras ficaram em uma área reservada junto com os tesouros do Kremlin aguardando o voo. Maria Ignez explicou que acompanhava pessoalmente a operação, mas, quando embarcaram na aeronave, houve uma surpresa: o comandante informou que oito caixas com as obras de arte não cabiam na área do avião destinada à coleção, portanto, deveriam ficar aos cuidados da embaixada brasileira para embarcar posteriormente.

“Isso era impossível porque as condições seguradas previam que essa coleção viajasse integrada e não podia ficar desacompanhada. Eu me lembro que usei a seguinte expressão: vou embarcar sem um braço e isso é impossível, para que ele entendesse a gravidade da situação. Ele me perguntou se eu tinha sugestão e pensei comigo que ele nunca devia ter me feito essa pergunta. Então, falei que não tinha ninguém embarcado na primeira classe. Sugeri que ele desmontasse e retirasse as poltronas da primeira classe, colocássemos as caixas e acondicionássemos de forma correta. Tinha que consultar a equipe em terra e os passageiros já estavam embarcando porque o voo tinha horário. Por sorte mesmo não tinha ninguém na primeira classe. Como mágica, os mecânicos entraram, tiraram as poltronas e deixaram na neve, cobri as caixas com os cobertores e usamos os cintos de passageiros para fazer a amarração necessária”, relembra Maria Ignez.

O corretor de resseguros Marcio Ribeiro ressaltou o principal ponto dessa história em relação aos seguros: a gestão de riscos. “Porque ao preencher o formulário, e as apólices têm regras que são obrigação do segurado ou do contratante para cumprir alguns procedimentos mínimos e adequados ou especiais, no caso dela foram as duas coisas”, aponta, salientando que mesmo em casos de imprevistos como esse que ocorreu, é essencial mostrar que o cliente contratante fez tudo o que era possível. “E se tiver acidente ou dano, tem seguro válido porque buscou-se tudo o que era possível dentro do contexto”.

Quem são as partes envolvidas?

Ribeiro explica que em projetos complexos como esse, que envolvem o deslocamento e a exposição de obras de artes, podem existir vários interessados em contratar o seguro, mas somente um fica responsável pela contratação, que é quem vai executar o pagamento e a emissão do seguro em prol de todos.

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Entre os interessados estão:

“Tudo pelo mesmo seguro, conhecido como ‘prego a prego’, que vale do ponto de partida, manuseio, embalagem e transporte”, salienta Ribeiro.

Como avaliar o risco?

Os convidados também explicaram no programa como funcionam os seguros quando há mais de um país envolvido – caso da história contada por Maria Ignez. De acordo com Marcio, atualmente há uma lista pública de países que não são cobertos, por conta de sanções por estarem em guerra, por exemplo, como é o caso de Rússia e Ucrânia. Na época da história, 1988, a Rússia (então União Soviética) era um país coberto.

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Como a situação sempre pode mudar, é essencial que o contratante informe todo o caminho para a seguradora. “O corretor que vai dar assistência ao cliente também tem que ter essa consciência para explorar o máximo de informação possível para trazer à realidade um seguro adequado. Ele é detentor da logística e todo o processo, tem que transformar em informação para a seguradora analisar o risco”, ressalta Ribeiro.

Por isso, ambos apontam a importância de incluir o seguro no primeiro momento do projeto, desde o planejamento e antes mesmo da captação de recursos, até para considerar o valor da contratação da apólice mais adequada. “Se o projeto vai custar 10 milhões, capta 11, porque talvez esse um milhão possa bancar o seguro. Se deixar para o final, pode virar uma despesa enorme, aí começa a negligenciar e comprar qualquer coisa para ficar barato e caber no orçamento. Ideal é pensar em todas as despesas no dia 1: segurança, iluminação, transporte, seguro como parte do orçamento do projeto”, alerta o corretor. “Na verdade, o seguro não é para cobrir uma insegurança. É o contrário. Tem que ter a operação planejada e combinada com todas as partes”, reforça a museóloga.

E mesmo com tudo planejado e combinado, imprevistos podem acontecer. Outra história contada neste episódio do “Tá Seguro” aconteceu com outra exposição realizada com auxílio da Expomus no Masp (Museu de Arte de São Paulo), a “Brasil dos Viajantes”, que posteriormente viajou do Brasil para Portugal.

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O problema aconteceu durante o embarque, no aeroporto de Guarulhos (SP), que foi atingido por uma tempestade no momento em que os pallets com as obras estavam sendo embarcados. “Claro que estava tudo coberto, mas o volume de água foi excepcional. A restauradora que estava acompanhando entrou em contato comigo, que já estava em Lisboa, e perguntou o que faríamos. Minha recomendação foi o embarque, porque tínhamos mais condições de atender qualquer demanda em Portugal do que aqui se fosse um dano de volume maior. Conversei com a diretora do instituto português de museus, e deixamos o centro de restauro em alerta, caso fosse necessário”, conta Maria Ignez.

Felizmente, os pallets chegaram quase totalmente secos em Lisboa, além de terem sido liberados rapidamente pela alfândega, que entendeu a importância da agilidade nesse momento para não prejudicar as obras devido ao eventual dano, que acabou não acontecendo.

Da esq para dir.: Maria Ignez (museóloga); Marcio Ribeiro (corretor de resseguros) e Jamille Niero (apresentadora do Tá Seguro)

‘Guerra e Paz’, de Portinari

Outra grande operação tocada por Maria Ignez e Marcio Ribeiro foi realizada para a vinda ao Brasil dos painéis “Guerra e Paz”, do artista brasileiro Candido Portinari (1903-1962), que foram presenteados à ONU (Organização das Nações Unidas) pelo Brasil na década de 1950.

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O empréstimo por esse período foi motivado porque o prédio da ONU seria fechado para reforma, um período também ideal para o restauro das peças. A obra passou ainda pelo Memorial da América Latina, em São Paulo, e pelo Cine Brasil, em Belo Horizonte, antes de ir para mais uma exposição no Grand Palais des Beaux-Arts, na capital francesa, antes de ser devolvido à ONU, em um projeto que durou 5 anos.

Maria Ignez e Marcio Ribeiro contaram como foi todo esse processo, incluindo a negociação com o Itamaraty e a ONU, além das obras que ficaram expostas enquanto eram restauradas no Palácio Capanema, no Rio de Janeiro.

“Foi um restauro aberto ao público. Montamos uma exposição sobre os painéis. E o público podia ver o restauro com todas as informações do histórico da obra. Na medida em que as escolas passavam ao longo do trabalho de restauro, os restauradores paravam e conversavam com os alunos. Teve todo um trabalho educativo”, observou Maria Ignez.

Ribeiro conta que o seguro contratado para a ida do “Guerra e Paz” ao Grand Palais tinha uma exigência curiosa, que cobrisse guerra e terrorismo, além do ‘prego a prego’, já que foi uma exposição que aconteceu após o 11 de setembro, situação que deixou todos em alerta. “Foi curioso porque naquele contexto veio a exclusão: cobre guerra, terrorismo, mas não guerra mundial. São aprendizados interessantes. Porque seguro é um contrato que reflete o que prometeu: de direito, de serviços e obrigações”.

Os convidados também avaliaram o preparo atual dos museus brasileiros para lidar com o risco, a exemplo dos casos do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que sofreram incêndios de grandes proporções, perdendo parte do acervo.

O CEO da KNW Brokers conta que o Museu Nacional não tinha seguro, mas o Museu da Língua Portuguesa tinha seguro da exposição e o predial, que foi o que gerou indenização. “Esse seguro ressarciu a instituição, mas, para a surpresa da gestão de museologia, descobriu-se uma franquia absurda. Talvez para gerar economia na aquisição, entra uma franquia muito alta. É inversamente proporcional. Franquia é a participação do cliente segurado numa parte do dano. É dedutível dessa indenização, que é a participação de quem contrata”, explica.

Para Maria Ignez, os museus brasileiros ainda estão se qualificando do ponto de vista dos planos de emergência e estratégias de segurança.

“Tem havido, principalmente depois desses dois episódios, conscientização maior e investimento público e privado para isso. Mas ainda é pouco pelo volume de coleções que temos. Precisaríamos estar muito melhor preparados”, pontua. Uma opção, de acordo com ela, seria o incentivo do patrocínio via Lei Rouanet também ao seguro.

Confira mais curiosidades sobre os seguros para museus e obras de arte e entenda como funcionam todas as coberturas no novo episódio do “Tá Seguro”, videocast que aborda de uma forma leve as histórias reais de quem já precisou usar o seguro e quais seriam as proteções mais adequadas conforme cada caso. O conteúdo editorial tem apoio de XP Seguros, CNseg e BB Seguros.

Jamille Niero

Jornalista especializada no mercado de seguros, previdência complementar, capitalização e saúde suplementar, com passagem por mídia segmentada e comunicação corporativa.