Embrião tem direito? Novo Código Civil pode regular fertilização e barriga de aluguel

Proposta trata do destino de embriões, responsabilidade médica e direito sucessório em procedimentos feitos após a morte de um dos parceiros

Anna França

Mulher grávida (Pixabay)

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Em 1978, nascia a primeira criança fruto da fertilização in vitro no mundo. No Brasil, a técnica começou a ser realizada na década de 1980, mas sempre ficou envolta em debates relacionados a questões éticas e legais. Com uma pergunta recorrente: embriões têm direitos?

A resposta a esta pergunta pode estar em um novo capítulo que consta na proposta de mudança do Código Civil, cujo texto foi entregue recentemente por juristas ao Senado Federal.

Legalmente, os embriões congelados não são considerados pessoas sob o ponto de vista jurídico, por isso, segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, não possuem personalidade jurídica de acordo com as normas brasileiras.

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Eles são tratados como “entidades” em estado potencial de desenvolvimento humano. Isso significa que eles não possuem juridicamente os mesmos direitos atribuídos a uma pessoa efetivamente nascida.

“No entanto, são protegidos por normas éticas que visam respeitar a vida e a dignidade humana potencial que representam. Dessa forma, qualquer manipulação ou utilização de embriões deve seguir rigorosos critérios éticos e legais, visando sempre a melhor prática médica e o respeito aos direitos dos futuros pais e da sociedade”, explica o advogado Mozar Carvalho, fundador da Carvalho de Machado Advocacia.

Ao dedicar um capítulo sobre os embriões, os juristas estabeleceram regras especificas que irão reger o consentimento dos doadores sobre o que fazer com os gametas gerados no procedimento de fertilização, afirma a advogada Fernanda Haddad, especialista em Gestão Patrimonial, Família e Sucessões do Trench Rossi Watanabe. “Todas as utilizações desse material terão de ser especificadas e só poderão ser feitas com consentimento expresso das duas partes. Assim, em caso de divórcio ou morte, o parceiro não pode fazer uso do embriões sem o consentimento mútuo”, explica.  

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No caso de morte, por exemplo, há um item específico que fala que é possível implantar embriões post morten, desde que o consentimento do falecido esteja bem detalhado e tenha sido dado em vida. “Não será possível mais só a família dar o consentimento, como acontece hoje. Assim, na hora de gerar, os pais, ainda vivos, precisam estar de acordo com tudo que será feito com essa pessoa gerada”, diz ela.  

Questão de sucessão

A proposta do novo Código Civil aponta que o filho gerado, em até cinco anos após a fertilização, terá direitos de herdeiros necessários assim como os outros irmãos.

“Há ainda um novo entendimento a respeito da sessão temporária de útero, a chamada barriga de aluguel sem pagamento, que poderá ser facilitada com as novas regras”, diz Fernanda.

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Outro ponto importante diz respeito à responsabilidade do médico nos processos de  fertilização em clínica de reprodução, como proibição de criar humanos geneticamente modificados.

Segundo a advogada Laísa Santos, especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório, embora o ordenamento jurídico ainda fosse omisso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece a possibilidade de reprodução assistida póstuma, desde que haja a autorização prévia específica do falecido para o uso do material genético. Mas, agora, esta possibilidade consta no texto do novo Código Civil sob análise.  

Para a advogada Ana Clara Martins Fernandes, da área de Planejamento Patrimonial Sucessório do Briganti Advogados, passados alguns anos do início dos procedimentos, a questão envolvendo embriões congelados gerou impasses. “O anteprojeto para a reforma do Código Civil apresentado pela Comissão de Juristas trouxe uma inovação no campo do direito de família e sucessões, no que diz respeito à presunção da filiação e ao uso do material genético, especialmente após o falecimento de uma pessoa”, diz.

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Segundo a especialista, a nova redação assegura que a vontade da pessoa falecida seja interpretada de maneira inequívoca, de modo a afastar interpretações, o que poderá dar maior segurança jurídica para essas práticas. “São mudanças bastante positivas que visam adequar o Código Civil às novas realidades sociais e tecnológicas, mostrando que o Direito precisa evoluir para acompanhar a sociedade”, diz Ana Clara.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro