Crédito consignado: BC recebe milhares de denúncias de irregularidades e correspondentes são suspensos

Crédito consignado lidera ranking de reclamações ao BC: foram 6,8 mil denúncias de oferta ou prestação de informação de forma inadequada no 1º trimestre

Roseli Loturco

(Crédito: GettyImages)

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SÃO PAULO – O crédito consignado é apontado com frequência como uma boa alternativa para quem precisa de um empréstimo e quer evitar as taxas altíssimas do cheque especial e do empréstimo pessoal.

Mas essa linha de crédito tem um lado que não é tão conhecido, mas que pode encarecer o empréstimo e torná-lo pouco vantajoso: os abusos cometidos pelos correspondentes bancários – empresas contratadas pelas instituições financeiras e autorizadas a atuar como intermediárias na concessão de crédito para consumidores.

Dados do Banco Central (BC) mostram que o crédito consignado lidera com folga o ranking de reclamações da instituição. Foram 6,8 mil denúncias de oferta ou prestação de informação de forma inadequada sobre o produto no primeiro trimestre deste ano.

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Por comparação, em segundo lugar no ranking de reclamações do BC aparecem 3,2 mil denúncias relativas a irregularidades como integridade, confiabilidade, segurança, sigilo ou legitimidade dos serviços relacionados a operações de crédito em geral.

Os problemas em relação ao consignado são variados, aponta o BC. Há denúncias de empréstimos contratados sem a autorização do devedor e outras que mostram que os correspondentes procuraram os devedores para fazer a liquidação antecipada – sem explicar como isso funciona e, principalmente, que era uma opção, e não uma obrigação.

Mas quase 80% das reclamações dizem respeito à portabilidade. O consumidor reclama dos entraves que se criam para que não consigam fazer a transferência da operação de um banco para outro.

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O alto número de problemas levou os bancos a criarem uma autorregulação para advertir, ou até mesmo suspender, os correspondentes que operam fora das regras.

Com um ano de vigência, as novas regras da Federação Nacional de Bancos (Febraban) concebidas em parceria com a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que reúne instituições de menor porte, já puniu 318 correspondentes, sendo que dez deles tiveram suas atividades banidas do sistema financeiro nacional.

“A autorregulação é um compromisso complementar ao que já existe na lei e cria um código de conduta para dar proteção extra às pessoas. A nossa atuação tem mais amparo nos órgãos de defesa do consumidor, como Procon e Senacon”, diz Amaury Oliva, diretor de Sustentabilidade, Cidadania Financeira, Relações com o Consumidor e Autorregulação da Febraban.

Só em janeiro de 2021, foram autuados e punidos 71 correspondentes, sendo 37 advertidos e 20 suspensos. O número representa o dobro do registrado em dezembro. No período, mais de 1,2 milhão de pessoas solicitaram o bloqueio telefônico deles por meio da plataforma “Não me Perturbe” para não receber ofertas ostensivas de crédito consignado, segundo dados consolidados pela Febraban.

“Foi o dobro de dezembro porque, no final do ano passado, implementamos um capítulo novo que trata do cartão consignado. Era possível fazer saque por telefone e o consumidor não entedia o que estava fazendo. Resolvemos proibir esta operação”, explica Oliva.

Até o dia primeiro de abril, o país tinha 444.750 correspondentes bancários, segundo registros do BC. Mas o mesmo correspondente pode ser contratado por uma instituição financeira mais de uma vez – quando opera uma sede e uma filial, por exemplo. Assim, esse número pode contar mais de uma vez o mesmo correspondente.

De acordo com o BC, mesmo se a reclamação registrada for em relação ao correspondente, quem é notificada é a instituição financeira – que é a responsável por aquela operação.

O banco digital C6 é o líder disparado em reclamações relacionadas ao consignado e ocupa o primeiro lugar tanto no ranking do BC quanto na lista do Procon-SP. A instituição foi intimada a pagar uma multa de R$ 7 milhões pela frequência de incidências e por não solucionar 30% dos danos causados a aposentados pelo INSS.

No total, foram 2.549 reclamações contra o C6 de janeiro a abril deste ano. “Todas elas eram relativas a crédito consignado feito na conta do aposentado sem a sua solicitação e sem sua autorização”, afirma Renata Reis, coordenadora das áreas técnicas do Procon-SP. Procurado, o C6 Bank não respondeu.

A especialista do Procon diz que, no ano passado, no estado de São Paulo, houve um aumento de 160% de reclamações em relação ao consignado, com 6,5 mil registros. Apenas em janeiro de 2021, foram 831 atendimentos.

“É bem grave. Muitas ofertas são feitas para pessoas que não sabem quando vão receber a aposentadoria. E elas recebem telefonemas de gente que sabe. Na maioria das operações, a empresa apresenta contrato supostamente assinado pelo consumidor”, alerta Renata.

Correspondentes reclamam e notificam BC

Se por um lado, a autorregulação surgiu para inibir abusos dos correspondentes bancários, por outro, a categoria protesta contra o que classifica de “desvio de finalidade”.

A Associação Nacional das Empresas Promotoras de Crédito e Correspondentes no País (Aneps), entidade que representa o setor, diz que a mudança de regras não foi discutida com os correspondentes e criou parâmetros incorretos, o que levou a retenção, de 16 de fevereiro para cá, de 30% da comissão já contratada e devida à categoria. Ao fazer isso, os bancos atingiram quase 2 milhões de agentes financeiros, diz a Aneps.

No Sistema de Registro de Crédito Consignado (SRCC), foi estabelecido o CPF do tomador de crédito como padrão e não o contrato assinado.

A Aneps explica que isso causa distorção porque cada pessoa pode, por lei, assinar até dez contratos de crédito consignado, desde que respeite os limites estabelecidos de comprometimento de renda.

“O parâmetro correto seria por contrato, porque quando o sistema lê o CPF, todos os contratos daquela pessoa ficam comprometidos. E o banco que retém os contratos recebe por eles e não está remunerando os correspondentes”, afirma Edison Costa, presidente da Aneps, que enviou dois ofícios à Febraban e à ABBC e outro ao BC denunciando o que classifica como desvio de finalidade da autorregulação.

O BC tem 20 dias, a partir do protocolo do ofício, em 29 de abril, para dar uma resposta à entidade. Procurada, a Febraban não deu resposta específica à denúncia feita pela Aneps. A instituição afirmou em nota que a autorregulação do crédito consignado foi criada com o objetivo de dar mais transparência à oferta de crédito consignado e combater o assédio comercial e as más práticas relacionadas à contratação do produto.

Carteira recheada

O crédito consignado é um filão perseguido pelos bancos e considerado de baixo risco, devido aos lastros que carrega. O valor de pagamento do empréstimo é descontado diretamente do salário ou da aposentadoria de quem o contrata.

O total da carteira de consignado hoje no país é de R$ 446,68 bilhões: houve um crescimento de 13,6% nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro de 2021 – último dado disponível.

Para chegar a cidades em que não têm agências e também para ampliar sua capilaridade de atuação nas grandes cidades, os bancos costumam contratar os correspondentes. “A Lei 3.954 fala que as instituições podem contratar esses agentes para atuarem em nome delas e define todas as responsabilidades do banco contratante. Mas, diante do BC, quem responde é o banco”, afirma Paula Ester Leitão, chefe-adjunta do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro, do BC.

A Lei 10.820 trata dos detalhes das operações do consignado para as pessoas contratadas via CLT e também para os pensionistas do INSS. A Instrução Normativa 28 do INSS diz quais são as condições especiais em relação a taxas de juros. O teto é de 3% ao mês para aposentados pelo INSS.

No fim de 2020, houve uma mudança de regra. A Medida Provisória do Consignado – que se tornou a Lei 14.131 – ampliou a possibilidade de as pessoas se endividarem e elevou em 5% o limite de empréstimos no produto.

O limite anterior era de 30% do salário ou da aposentadoria, mais 5% no cartão consignado. “As pessoas, que estavam no limite do crédito, puderam pegar um pouco mais dinheiro. Nos últimos 12 meses, tivemos vários eventos. E a vigência desta lei, que era só até o dezembro de 2020, foi postergada para dezembro de 2021. Tudo isso impacta”, Carlos Eduardo Gomes, chefe do Departamento de Atendimento ao Cidadão, do BC.

Procurados, Bradesco, Itaú e Santander não quiseram se manifestar. Já o Banco do Brasil informou, por meio de nota, que “segue as orientações para a autorregulação na oferta do crédito consignado e conta com canais de serviço ao consumidor para a comunicação tempestiva e resolutiva para o atendimento das reclamações relativas à atuação desses prestadores de serviço.”

Disse ainda que o “BB monitora a conduta dos seus correspondentes por meio de ferramenta que permite acompanhar as rotinas de contratação do empréstimo e suspender eventuais operações classificadas como não sustentáveis. Quando identificado esse tipo de situação, o correspondente sofre sanções contratuais, o que desestimula esse tipo de prática, e, em caso de recorrência, o Banco pode bloquear o correspondente para a atuação no consignado”.

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