Como o planejamento sucessório pode evitar dor de cabeça na partilha de herança?

Nem mesmo o registro de testamento garante facilidades na divisão dos bens; veja o que é preciso fazer

Anna França

Ilustração mostra casal idoso assinando testamento (Getty Images)

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A morte de um ente querido, por si só, causa desarranjo na família. Mas a dor de cabeça, sobretudo, quando o parente deixa bens pode ganhar proporções ainda maiores. Que o digam as famílias de famosos como Gugu Liberato, Chico Anysio, Mussum, Marcos Paulo e tantas outras.

Nem mesmo o registro de um testamento garante que tudo será fácil. Muita gente também desconhece todas as obrigações legais, como o fato de os herdeiros necessários, como filhos e cônjuges, serem contemplados com 50% do legado.

Para Daniela Rocegalli Rebelato, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, o planejamento sucessório precisa seguir etapas. “Não existe fórmula pronta. Cada caso precisa ser planejado de forma detalhada, especialmente diante de patrimônios mais complexos”, afirma.

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Se houver empresas envolvidas, fica ainda mais complexo, porque é preciso determinar quem assumirá o comando dos negócios. Tudo isso precisa ser levado em conta considerando o objetivo real de quem quer estabelecer as regras do jogo.

No decorrer do tempo também pode haver alteração em legislações, divórcios, nascimento de herdeiros. “Muitas coisas podem acontecer no meio do caminho e precisam ser reavaliadas. Por isso, o planejamento sucessório não pode ser estático”, explica.

Tudo vai depender dos objetivos da pessoa, e o processo demanda análise detalhada, considerando a família, o patrimônio e o objetivo até que esse planejamento entre em vigor.  Por isso surgem tantas discussões sobre testamentos feitos há muitos anos e que podem se tornar ineficazes. “Muitos pensam que vão se sentar com o advogado e ele terá uma resposta ou fórmula pronta, mas não é assim que acontece”.

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Em 2003, entrou em vigor nova atualização do Código Civil. Nele, os cônjuges, que não eram considerados herdeiros necessários, ganharam esse status. Se alguém faz um testamento, sem levar isso em consideração, é passível de questionamento, como aconteceu no caso do apresentador Gugu Liberato, quando a mãe dos filhos, Rose Miriam, questionou o testamento para ser reconhecida como companheira.

Se a pessoa constitui uma holding familiar da qual seus filhos são sócios e de repente, um dos filhos começa a ter problemas financeiros é preciso rever o planejamento e analisar se aquele instrumento vai continuar a funcionar.

Se o testamento é feito de forma correta, levando em consideração os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiros de união estável), o restante dos bens estará disponível para ser deixado para quem quiser. Caso, no momento da abertura do testamento, surgir um filho fora do casamento o testamento cai por terra, de acordo com a especialista.

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Há ainda duas possibilidades para deserdar alguém. Uma delas é a pessoa definir em testamento que está deserdando algum herdeiro e colocar o motivo disso, que precisa ser sério, para torná-lo indigno. A indignidade de um herdeiro também pode ser colocada por outros herdeiros, quando confirmada em sentença transitada em julgado contra aquele que pratica crimes, como homicídio ou qualquer tipo de violência, ou uso de meios fraudulentos para dispor dos bens do autor da herança.

É o caso de Suzane Von Richthofen, que perdeu o direito da herança dos país porque foi condenada criminalmente pela morte deles. O irmão dela ingressou com ação de indignidade, e ela até tentou recorrer, mas desistiu. “Isso porque existe um crime. Não foi uma simples desavença ou litígio entre as partes.”

De qualquer maneira, é necessário pensar sobre o assunto, na opinião de advogados consultados pelo InfoMoney. “É preciso que seja feita a avaliação, até para conservar os bens conquistados”, acentua Daniela.

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Ela lembra ainda que o planejamento sucessório não pode ser visto como uma coisa só para pessoas com grandes fortunas. Mesmo quem tem nível médio é preciso avaliar o planejamento diante dos custos sucessórios.

Em São Paulo, por exemplo, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) é de 4% do valor da herança, podendo sair caro para os herdeiros. O que leva muita gente que não faz o inventário a perder o imóvel.

Isso porque, se não for pago em 180 dias, incide em multa e juros e quando tiver de regularizar o bem, a dívida pode ficar mais alta que o valor venal. Já existe, porém, formas de parcelar os valores do ITCMD. “O importante é nunca deixar de regularizar”.

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Veja mecanismos que podem ser utilizados na sucessão:  

Doação

Os pais podem antecipar a herança através da doação com reserva de usufruto. Ela pode ser feita em cartório, com pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), que é de 4% do valor do bem em São Paulo.

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A família pode entrar em consenso, e o doador estabelece em vida o que cabe a cada um. Entre as vantagens de se fazer a doação em vida, está o planejamento sucessório e a melhora dos aspectos tributários da sucessão.

Testamento

O testamento é a manifestação de última vontade pelo próprio indivíduo para distribuição dos seus bens. No documento, os pais podem fazer a partilha que desejam para que os filhos saibam o que lhes foi deixado.

União estável

Caso a pessoa tenha um companheiro, uma forma é a formalização prévia da união estável para garantir a divisão igualitária entre a pessoa e outros herdeiros.

Holdings familiares

A holding familiar é uma empresa criada com o objetivo específico de administrar, preservar e perpetuar o patrimônio adquirido pela família ao longo dos anos. Todos os ativos são transferidos para a empresa holding, onde os herdeiros são os sócios. Além disso, a constituição de uma holding familiar economiza uma quantia considerável em tributos e evita a morosidade e o desgaste emocional de um processo de inventário. Com a holding familiar, o processo de inventário pode ser simplificado ou até mesmo evitado quando ocorrer o falecimento.

Mas se nada for feito e as brigas começarem?

Há uma forma amigável e mais rápida para resolver os conflitos. Com o programa “Viva na Paz” (www.vivanapaz.com.br), é possível acertar as diferenças entre os familiares sem sair de casa, através de mediação ou conciliação, de forma 100% online e com economia.

Relembre casos famosos de briga por herança

Gugu Liberato

O caso do apresentador Gugu Liberato, que morreu em um acidente doméstico nos Estados Unidos, em 2019, aos 60 anos, é o mais emblemático. A mãe dos três filhos do comunicador questionou o testamento, pedindo para ser reconhecida como companheira dele.

O apresentador, em seu testamento, não reconhece Rose como companheira e nomeou a irmã, Aparecida Liberato, como responsável por seu espólio, dividido entre os herdeiros. Nele, Gugu deixa 75% dos bens, avaliado em R$ 1 bilhão, para os três filhos e os 25% restante para os cinco sobrinhos.

Chico Anysio

Desde sua morte, em 2012, segue em disputa o patrimônio de R$ 20 milhões deixado pelo humorista. Isso porque o testamento escrito por ele, que excluiu o ator Lug de Paula, herdeiro necessário, foi impugnado pois a lei brasileira não permite a deserção de filhos sem motivos reais.

A última mulher do humorista, Malga di Paula, defende o desejo do marido, que era que os filhos conservassem o patrimônio intelectual, enquanto ela ficaria com os materiais. Mas os oito filhos contestaram.

Pelé

Avaliada em mais de US$ 15 milhões, a herança do rei do futebol também é alvo de disputa judicial que envolve o ex-goleiro Edinho, filho mais velho; Gemima Lemos, enteada do ex-jogador, e a viúva Márcia Aoki.

Os outros dois filhos de Pelé, Joshua e Celeste, entraram com pedido na Justiça para que Gemima fosse reconhecida como filha socioafetiva, o que lhe daria direito à herança. Mas Edinho contesta.

Marcos Paulo

As três filhas do ator e diretor da Globo, morto em 2012, brigam na Justiça com a última esposa de Marcos Paulo, Antônia Fontenelle. Mariana e Vanessa Simões e Giulia Costa questionam um documento feito em 2006, onde Fontenelle se tornava a principal herdeira e as filhas dividiriam a outra parte.

Avaliada em R$ 30 milhões, a herança foi dividida pela Justiça deixando 25% do patrimônio para Fontenelle. Mas essa decisão foi contestada, e nove anos depois, Fontenelle decidiu pôr um fim na batalha judicial ao ficar com 12,5% do patrimônio do ator, que morreu de câncer de esôfago.

Marilia Pêra

Com um patrimônio avaliado em R$ 40 milhões, a atriz Marília Pêra morreu em 2015. O valor seria dividido entre os três filhos, o viúvo Bruno Faria, e a irmã dela Sandra Pêra. Os filhos ficariam com 25% cada e a irmã e o marido dividiriam os 25% restantes. Mas Faria, que foi casado com a atriz durante 17 anos, não aceitou e questionou a partilha. Mas, em 2019, as partes entraram em acordo e aceitaram o estabelecido por Marília.

Mussum

Com a estreia do filme “Mussum, o filmis”, em novembro passado, marcando os 30 anos da morte do humorista, voltou à tona o impasse que ainda não foi resolvido pela Justiça. A divisão do patrimônio do comediante continua em aberto, porque o cirurgião dentista Igor Palhano, de 31 anos, só foi reconhecido por exame de DNA em 2019. Com isso, ele entrou na disputa pela herança junto com os outros quatro filhos do ator.

Emílio Santiago

O cantor deixou um patrimônio estimado em R$ 10 milhões, que vem sendo disputado por Hercília Santiago, que tenta provar ser irmã dele; Marcio Tadeu, que teria namorado o artista; e Aleksander Nunes, que tenta provar que é filho do cantor. O corpo do cantor foi até exumado para realização do exame de DNA, mas o resultado deu negativo.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro.