Yuan digital: por que a moeda virtual da China pode ameaçar a hegemonia do dólar?

Chineses testam yuan digital desde 2019 enquanto Estados Unidos ainda discute se dólar digital vale a pena

Paulo Barros

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A China tem o projeto de moeda digital de banco central (CBDC, na sigla em inglês) mais avançado do mundo, com US$ 14 bilhões já transacionados em uma longa fase de testes realizada em larga escala nas principais províncias do país desde 2019.

A dianteira é grande frente a projetos como o do Brasil, que ainda estuda o modelo de real digital a ser adotado e se prepara para examinar provas de conceito ainda em fase de desenvolvimento. Já os Estados Unidos estão ainda mais atrasados, sem nem mesmo consenso sobre a necessidade de o país ter ou não um dólar digital oficial do governo.

No entanto, isso não significa que os EUA não estejam atentos à ascensão da moeda digital chinesa – a preocupação, na verdade, é pública e vem se intensificando em 2022. Em fevereiro, o senador americano Pat Toomey, membro do Comitê Bancário do Senado, alertou sobre o impacto do yuan digital nos interesses econômicos e de segurança nacional dos EUA em uma carta à secretária do Tesouro, Janet Yellen, e ao secretário de Estado, Antony Blinken.

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No texto, ele alertou para o que chamou de um aumento de “potencial do eCNY (nome oficial do yuan digital) para subverter as sanções dos EUA, facilitar fluxos de dinheiro ilícitos, melhorar as capacidades de vigilância da China e fornecer a Pequim vantagens de ‘pioneiro’, como estabelecer padrões em pagamentos digitais transfronteiriços”.

A mensagem foi enviada no contexto das Olimpíadas de Inverno que ocorreram naquele mês em Pequim, um dos palcos escolhidos pela China para ampliar os testes da moeda digital. Na Vila Olímpica, atletas e visitantes podiam fazer compras apenas com dinheiro, cartão Visa ou o yuan digital.

“O principal motivo da China é mais interno, de tirar o controle dos meios de pagamentos chineses de duas empresas privadas (Tencent e Alibaba)”, explica o economista Gustavo Cunha, fundador da empresa de investimentos Reset Funds, focada em blockchain e ativos digitais, em entrevista ao Cripto+ (confira a íntegra no player acima). “Mas, ao mesmo tempo, pode ser uma forma de aumentar sua hegemonia no mundo”, conta.

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As moedas de bancos centrais são ativos nativamente digitais que podem, a depender do modelo, ser emitidos pelo banco central de um país diretamente aos cidadãos, sem intermediação de bancos – desse modo, o dinheiro digital seria um passivo direto do governo, e não da instituição financeira.

Há ainda um componente tecnológico importante que permite usar esse tipo de ativo para soluções financeiras inovadoras, como empréstimos geridos por softwares e liquidação imediata de transações, além do potencial de alcance global.

No comércio exterior, por exemplo, a rapidez e confiabilidade proporcionada pela tecnologia blockchain seria capaz de finalizar uma transação quase que instantaneamente quando comparada com o método tradicional.

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“O câmbio no mundo, para a grande maioria dos lugares, ainda depende de dois dias para chegar. Quando muito no mesmo dia. A tecnologia associada a uma CBDC pode fazer isso em questão de segundos”, explica Cunha. “Um produtor de soja que vai exportar para a China pode receber, em vez de dias, em questão de segundos”.

A inovação propõe, na visão do especialista, um desafio aos EUA, que têm um sistema financeiro mais atrasado – o país, vale lembrar, ainda não tem um sistema unificado de pagamentos instantâneos, como o Pix no Brasil.

Este ano, o yuan digital também tem tirado o sono de parlamentares americanos pelos possíveis efeitos geopolíticos em meio à invasão russa na Ucrânia. Ainda em março, logo após a eclosão da guerra, nove senadores republicanos apresentaram uma proposta legislativa para tentar regular a moeda digital chinesa.

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“Se não forem controladas, tecnologias como o yuan digital capacitarão a Rússia a evitar sanções globais em sistemas como o Swift e permitirão que o PCC continue a vigiar e ameaçar seus cidadãos”, disse o senador Blackburn, um dos líderes do projeto, em comunicado à imprensa na época.

Na semana passada, Mu Changchun, chefe do instituto de pesquisa de moeda digital do banco central chinês, disse que os dados dos usuários só serão rastreados se houver suspeita de prática criminosa. Atualmente, os cidadãos que participam dos testes podem abrir quatro tipos de carteiras digitais, com limites de transações diárias correspondentes à quantidade de informações pessoais fornecidas.

Apesar da preocupação dos americanos, no entanto, ainda existem entraves tecnológicos a serem superados para transformar algo como o yuan digital em uma moeda de alcance global – capaz, por exemplo, de driblar sanções econômicas.

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Para Cunha, da Reset Funds, o grande desafio ainda é construir a infraestrutura de comunicação entre moedas digitais de diferentes entre si, algo que ainda não está no horizonte dada a fase atual de testes. “Para passar de testes para um modelo que será utilizado no mundo inteiro, e esse modelo ser interoperabilizado para vários países, ainda demora. De 5 a 10 anos”.

Paulo Barros

Editor de Investimentos