Vale (VALE3): pessimismo “da moda” com China pode ser uma oportunidade para as ações?

Na última semana, alguns bancos reiteraram recomendação de compra para as ações, tanto de olho no macro quanto na evolução da companhia

Lara Rizério

Mineração da Vale em Minas Gerais (Mario Tama/Getty Images)

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As ações da Vale (VALE3) acumulam perdas de 3,66% em agosto (até o fechamento do dia 29), praticamente em linha com o desempenho do Ibovespa no período, que cai 2,9%. Isso num contexto de diversas manchetes negativas sobre a China que cada vez mais ganham lugar, com crise imobiliária e dados fracos da economia aumentando a aversão ao risco dos investidores. O minério de ferro, contudo, segue na casa dos US$ 110 a tonelada, de olho nas medidas de apoio à economia do gigante asiático e perspectivas de demanda de curto prazo.

Vale destacar, porém que, no ano, VALE3 ainda acumula baixa de 23,38%, enquanto o Ibovespa sobe 7,9% em 2023, com as incertezas ainda rondando a companhia.

Em meio a esse cenário de forte queda das ações no ano e de notícias negativas para a China, algumas casas têm reiterado uma visão positiva para os papéis da mineradora, como é o caso do Bradesco BBI e do BTG Pactual. Ambas reiteraram nos últimos dias recomendação equivalente à compra para os ativos, com preços-alvo respectivos de R$ 92 e R$ 94 para VALE3, ou potenciais de valorização de 42% e 45% para os ativos frente ao fechamento de terça-feira.

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O BTG Pactual aponta que a economia chinesa enfrenta claramente desafios que desencadearam uma série de medidas por parte dos políticos para tentar inverter o fraco momento e o tempo dirá até que ponto estas medidas serão eficazes.

Porém, avalia, parece haver uma clara desconexão com os mercados físicos de matérias-primas, sugerindo um ambiente muito mais normalizado/apertado do que a narrativa.

“Com tanto ceticismo já no preço, aconselharíamos os investidores a construírem lentamente posições em teses expostas a China, sendo Vale e Suzano SUZB3 duas das nossas teses favoritas”, aponta o BTG.

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O banco deu algumas indicações dos mercados de commodities que corroboram a tese de “desconexão”.

O preço de minério de ferro acima de US$ 110 a tonelada (t) aparece como um dos pontos. O banco aponta que o minério de ferro é indiscutivelmente um dos melhores indicadores da saúde da economia e do setor imobiliário chinês, dado que: (1) a China é responsável por 73% da demanda e; (2) o setor imobiliário representa 1/3 da demanda siderúrgica chinesa.

“Quem poderia imaginar que o minério de ferro se manteria acima dos custos marginais de produção (por volta de US$ 80-100/t) em meio a uma crise deflacionária no importantíssimo mercado imobiliário da China?”, questionam os analistas.

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Eles atribuem  a força do minério de ferro ao: aumento das exportações de aço, menores taxas de uso de sucata e crescimento do investimento em ativo fixo (investimentos em infraestrutura).

Os analistas também ressaltam terem feito  uma série de reuniões com os executivos da Vale no exterior, e a mensagem principal foi de que as condições de negócios na China permanecem normais, com carteiras de pedidos lotadas para os próximos trimestres.

“Portanto, parece não haver ‘crise’ para as mineradoras aumentarem os volumes na China, apesar das manchetes negativas e da desaceleração nos indicadores de atividade”, avalia.

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Enquanto isso, a produção chinesa de aço bruto (CSP) já está crescendo 2% no acumulado do ano, a partir de uma base enorme.

“Durante anos, o consenso foi que a produção estava atingindo o pico e deveria corrigir para níveis inferiores a 900 milhões de toneladas por ano (Mtpa). Estamos agora confortavelmente posicionados pelo 4º ano consecutivo acima de 1 bilhão de CSP na China, o que é um nível muito sólido para os mercados/demanda de minério de ferro”, aponta.

Além disso, os estoques de aço chineses permanecem inferiores aos níveis dos anos anteriores. Assim, apesar dos receios de forte aumento da oferta (de aço) e de queda na demanda, o consumo de aço continua bastante decente.

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Na véspera, em entrevista à Reuters, o vice-presidente Executivo de Soluções de Minério de Ferro da Vale, Marcello Spinelli, e a demanda por aço de sua principal cliente, a China, está declinante, mas não tanto quanto alguns indicadores mostram, e considera que a segunda maior economia do mundo é resiliente, apesar de sofrer com as incertezas sobre estímulos que garantam as metas de crescimento.

As ações subiram cerca de 3% ontem, com sinalizações de incentivo ao mercado imobiliário pelo governo chinês. Há fraqueza no setor, mas outros setores demandantes dos produtos da mineradora têm uma atividade aquecida. Os investimentos em ferrovias subiram 25% nos primeiros sete meses do ano, as fábricas de máquinas subiram 15% e as montadoras tiveram alta de 12%, segundo dados da Bloomberg.

Projeções para o minério mantidas

Para o Bradesco BBI, embora o quadro global permaneça confuso, especialmente porque a reabertura chinesa não conseguiu ganhar força, as suas estimativas de preço do minério de ferro de US$ 110/tonelada em 2023 e US$ 100 em 2024 (preços spot atualmente perto de US$ 115) foram mantidas.

Os analistas destacaram ainda alguns dos principais fatores relativos à tese de investimento da Vale, muitos dos quais parecem estar num ponto de inflexão, apontam. Muitas das teses do banco na companhia são baseadas nas operações da companhia e menos no cenário macro.

Eles têm uma visão positiva para a companhia uma vez que vê a produção de minério de ferro dela saltando quase 20% no segundo semestre de 2023 (2S23).

Para o BBI, a Vale está no caminho certo para entregar o guidance de produção de 310 a 320 milhões de toneladas para 2023, especialmente porque está desbloqueando gradualmente a produção em seus diferentes sistemas, como no Sudeste, no Norte (em que o S11D está se beneficiando de maior estabilidade operacional).

“Aumentamos nossa estimativa de produção em 2023 para 320 milhões de toneladas, das 315 milhões de toneladas anteriores (o que implica uma produção de 175 milhões de toneladas no 2S23, alta de 17% no semestre)”, avalia.

No médio prazo, a Vale deverá progredir gradativamente sua produção para 350 a 370 milhões de toneladas (o BBI modela 350 milhões de toneladas em 2026 e 370 milhões de toneladas em 2028).

O banco também aponta que o pior ficou para trás em termos de custos. Os custos caixa C1 da Vale (excluindo a compra de minério de terceiros) aumentaram de US$ 17 a tonelada em 2021 e US$ 19,60 em 2022 para US$ 23,50 no 2T23, devido principalmente à menor produção e maiores custos no Sistema Norte (problemas de cavidade na Cordilheira Norte e com minério Jaspilito em S11D), bem como inflação geral de custos. Os custos com entrega total aumentaram de US$ 44/tonelada em 2021 e US$ 49 em 2022 para um máximo de US$ 58 no 1T23 (recuando para US$ 53 no 2T23).

“Esperamos que os custos C1 se aproximem de US$ 20/tonelada nos próximos trimestres (a orientação da Vale para o ano inteiro de 2023 é de US$ 21,50 a 22,50), enquanto os custos totais entregues devem voltar abaixo do limite de US$ 50/tonelada, provavelmente atingindo US$ 47 a 49”,apontam.

De uma perspectiva normalizada, acreditam que todos os custos provavelmente retornarão à faixa de US$ 40 a 45, à medida que a Vale aumenta a produção (o BBI modela US$ 43 em 2024 e US$ 42 em 2025).

Além disso, a divisão de metais básicos acelerando sua busca para desbloquear valor. “Depois de vender uma participação de 13% para a Manara Minerals (10%) e Engine No 1 (3%), por US$ 3,4 bilhões, avaliando a empresa em US$ 26 bilhões, acreditamos que a Vale agora irá focar em transformar a VBM (Vale Base Metals)”, aponta o BBI.

O banco também aponta que as negociações de Mariana ainda são um ponto de interrogação, mas acredita que um acordo é provável.

Enquanto isso, a remuneração dos acionistas continua a ser uma parte fundamental da estratégia de alocação de capital. A Vale continua a gerar caixa significativo (o BBI estima US$ 5,1 bilhões em 2023 e US$ 4,5 bilhões em 2024), devolvendo a maior parte aos acionistas.

Os analistas da casa estimam que os dividendos e recompras deverão representar 14% do valor de mercado nos próximos 12 meses (considerando US$ 6,2 bilhões em dividendos totais no 1T24 e 3T24 e US$ 2 bilhões restantes em recompras de ações).

“No futuro, um tema a ser observado é como a empresa tratará os dividendos e fará referência à Dívida Líquida, considerando a separação da divisão de Metais Básicos e sua diferente estratégia de alocação de capital, que será mais focada no crescimento do que nos dividendos”, avalia.

Por fim, o banco vê amplo desconto em relação aos pares. “Embora entendamos que os acidentes com as barragens de rejeitos e ruídos político no Brasil pesem sobre o desconto, acreditamos que a Vale fez importantes avanços nas frentes de segurança de barragens de rejeitos e ESG”, avalia.

Além disso, também observa que a Vale tem um crescimento de produção mais forte em relação à Rio Tinto e BHP, o que por si só garantiria um múltiplo mais elevado.

“Por último, mas não menos importante, acreditamos que a Vale está progredindo no sentido de liberar mais valor em sua divisão de Metais Básicos, o que poderia contribuir com cerca de US$ 15 a 20 bilhões em uma eventual reavaliação”, reforça a equipe de analistas.

De acordo com compilação feita pela Refinitiv, de 19 casas que cobrem VALE3, 12 possuem recomendação de compra para os ativos, 6 de manutenção e 1 de venda, com preço-alvo médio de R$ 93,57, o que representa um potencial de valorização de 44% em relação ao fechamento da última terça-feira.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.