Vacilações de Temer mostram excesso de dependência da cúpula do PMDB

Semana passada foi o ministro do Planejamento, ontem o ministro da Transparência, nomes que o presidente interino demorou a demitir para não contrariar peemedebistas. O que levanta dúvidas sobre a capacidade de operação política do Palácio do Planalto.

José Marcio Mendonça

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Em menos de 20 dias, depois de mais um dia de especulações, protestos, críticas da oposição e de aliados, o presidente em exercício Michel Temer viu-se forçado a demitir ontem outro ministro flagrado em gravações tentando criar obstáculos ao prosseguimento da Operação Lava-Jato.

A bola da vez agora foi o ministro da Transparência (ex-Corregedoria-Geral da União), Fabiano Silveira, funcionário do corpo técnico do Senado e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça. Silveira caiu nas malhas do grampo do ex-senador e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, conversando com Renan Calheiros sobre táticas para contornar a Lava-Jato. Renan, embora negue, foi o responsável pela indicação do advogado do Senado para o Ministério da Transparência.

Na semana passada, o abalado havia sido ministro do Planejamento, Romero Jucá, um dos principais auxiliares e conselheiros de Temer, apanhado na mesma trama de Machado e com os mesmos propósitos: burlar a ação da chamada (por Lula) República de Curitiba.

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Ainda nos grampos (apenas os vazados até agora) do ex-presidente da Transpetro caíram também o próprio Renan Calheiros e o ex-presidente e o ex-senador José Sarney. Sobre eles, porém, Temer não tem ascendência direta – apenas, como os acontecimentos estão comprovando, uma umbilical dependência política.

Tanto no caso de Jucá como no de Silveira o modus operandi de Temer foi o mesmo: apesar de todas as evidências trazidas pelos grampos de condutas “não republicanas” de seus auxiliares, ele demorou a agir – vacilou, tergiversou, tentou mantê-los e só aceitou a saída deles depois que as pressões se tornaram insuportáveis.

Com Jucá, ainda Temer lhe deu, por sua força na cúpula peemedebista, o benefício da dúvida, aceitando um afastamento “temporário”. Com Silveira, tais as reações que provocou – renuncia de delegados regionais do Ministério, protesto público dos funcionários, nota de repúdio da Transparência Internacional – Temer teve de aceitar um “pedido” irrevogável de demissão.

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Os dois episódios trouxeram (como já comentado no “Primeiras” por ocasião do afastamento de Jucá) um fortíssimo desgaste político para o presidente. Eles deixaram transparente demais o que já estava no ar, visível desde a montagem do governo: sua extrema dependência da cúpula do PMDB. Incluindo nesta lista o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, responsável pela escolha do líder do governo André Moura, um deputado encalacrado no STF.

Agora, ficou patente a força de Renan Calheiros – Temer temeu contrariar o presidente do Senado. Renan tem cartas na manga e o impeachment da presidente Dilma não está oficializado, ela está apenas temporariamente afastada. E porquanto pareça no momento improvável, os tropeços do governo Temer podem acender as esperanças de Dilma e do PT de reverter o jogo no Senado. O Eurásia Group, por exemplo, em 20% as chances de o afastamento de Dilma não vingar.

Déficit da Previdência vai

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chegar a R$ 146 bilhões

Além do mais, o vice-presidente do Senado é Tião Viana, do PT do Acre, e um cerco muito grande sobre Renan, também citado em denúncias em delações premiadas da Lava-Jato e investigado no STF, pode levar o senador alagoano ano mesmo destino de Eduardo Cunha e a entrega da presidência do Senado a um petista.

Para o mundo externo à política – os cidadãos e os agentes econômicos (empresários e investidores) – esses episódios já causam apreensões, dúvidas e até decepções.

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Em primeiro lugar, por mostrar que Temer não tem força para se livrar mesmo da “velha política”, o mote que levou multidões às ruas e ao apoio da maioria ao impeachment.

Em segundo lugar porque levanta dúvidas sobre o real amparo político que o presidente em exercício terá para aprovar no Congresso Nacional, sem excesso de concessões, a pauta de medidas, boa parte delas um tanto quanto amargas (“impopulares”), necessária para a correção do rumo da economia nacional. Reportagem do “Valor Econômico” registra esses temores provocados nos investidores pelas incertezas políticas.

Os dados divulgados ontem sobre o desempenho das contas do governo federal até abril mostram a calamidade da situação. Embora tenha registrado um superávit de R$ 9,75 bi no mês, o resultado no quadrimestre foi o pior desempenho em 20 anos. E o grande responsável por isto foi a Previdência Social, cujo déficit cresceu 60% de abril passado para abril deste ano.

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O rombo projetado para 2016 no INSS, segundo a “Folha de S. Paulo”, é de R$ 146 bi, evidenciando o quanto é vital a reforma da Previdência. Uma mudança, como já visto, com pesadas resistências e que só poderá andar com um governo influente politicamente.

Veja o próximo texto nesse campo: Temer começa a jogar esta semana, na Câmara, a partida de aprovação da Desvinculação das Receitas da União (DRU). Eduardo Cunha é peça-chave.

Outros destaques dos

jornais do dia

– “Governo pretende dar seis meses de moratória para os estados” (Globo)

– “Governo vai propor desconto de 60% na dívida dos estados” (Estado)

– “Bolsa família: R$ 2,5 bilhões sob suspeita” (Globo/Valor)

– “Governo tem superávit de R$ 9,75 bi em abril” (Estado)

– “Relator vai pedir cassação de Cunha na Câmara” (Globo/Estado)

– “Odebrecht formaliza com Procuradoria negociação de leniência” (Folha)

– “Visitas de Odebrecht contradizem Dilma” (Globo)

– “Preso ex-presidente do PSDB por suspeitas de desvios” (Globo/Estado/Folha)

– “Operação Zelotes: filho de Lula recebeu cerca de R$ 10 milhões” (Estado)

– “Filho de [Sérgio] Machado também faz delação” (Estado)

– “PF apura superfaturamento de R$ 170 milhões em trecho do Rodoanel” (Valor)

LEITURAS SUGERIDAS

1. Merval Pereira – “O paradoxo Temer” (diz que ligação com a cúpula do PMDB tira independência de Temer) – Globo

2. Daniel Aarão Reis – “Todas na bandeja” (diz que se as coisas continuarem como estão não há a menor dúvida de que o sistema todo vai desabar, arrastando todos) – Globo

3. Sérgio Fernando Moro – “A Justiça e os decaídos” (diz que preocupa a proposição de projetos de lei que , sem reflexão, buscam proibir que presos possam confessar crimes e colaborar com a Justiça) – Estado

4. Editorial – “Maus sinais da inflação” (diz que intensificação da alta dos preços tem ocorrido em vários segmentos e observado no varejo e no atacado) – Estado

5. Bernardo Mello Franco – “Presidente a reboque” (diz que Temer tento segura o ministro Silveira não por apreço a ele, mas por medo de contrariar Renan, responsável por sua nomeação) – Folha

6. Delfim Netto – “Recuperar a perspectiva de crescimento” (diz que nosso problema é combinar o ajuste fiscal de curto prazo com as reformas que darão perspectivas de investimento, pois sem elas é pouco provável que se tenha sucesso no quaro fiscal – as reformas não são ‘maldades’, são ‘benignidades’) – Valor