Trump se contrapõe a Obama e conquista apoio após bombardeio nebuloso na Síria

Para o internacionalista e professor Pedro Costa Júnior, velhos falcões da política externa da Era Bush voltaram a assumir o controle das ações em Washington em novo governo republicano

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O lançamento de 59 mísseis Tomahawk de navios localizados no Mar Mediterrâneo por parte dos Estados Unidos contra a Síria na noite da última quinta-feira (6) foi uma demonstração de força do governo Donald Trump em um momento conturbado de contestações em nível doméstico e internacional. A decisão do republicano por retaliar o governo de Bashar al-Asad por um suposto uso de armamento químico contra civis — o que é expressamente proibido por tratados internacionais, mas cuja autoria é negada pelo mandatário sírio e seus aliados — recebeu o apoio de grupos importantes dentro dos EUA e de outros atores da política internacional.

[Donald] Trump quis dar uma resposta ao uso de armamento químico. Ele quis mostrar que não é o [Barack] Obama, que tem palavra e força. Durante a campanha presidencial, ele cansou de dizer que Obama era fraco”, observou o analista político e internacionalista Pedro Costa Júnior, professor das Faculdades de Campinas (FACAMP), Faculdades Integradas Rio Branco e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Durante a gestão do democrata, o governo sírio foi acusado de usar armamentos químicos e recebeu a ameaça de interferência caso a ação se repetisse. As advertências não foram respeitadas, mas o então presidente norte-americano recuou, articulando com ajuda da Rússia a destruição de parte do armamento proibido síria.

No entendimento do professor, episódios recentes apontam para uma recuperação do controle da área da política externa por parte da ala conservadora do partido republicano na era Trump, o que traz similaridades ao período George W. Bush, quando o mote foi um conjunto de ações intitulado “Guerra ao Terror”. “Os chamados velhos falcões republicanos estão voltando a assumir o comando. Foram eles que estabeleceram a política externa de Bush. É uma política expansionista, diferentemente do que ele (Trump) propôs na campanha. Inclusive, John McCain fez uma carta aberta elogiando as medidas. Isso vai alinhando o partido republicano novamente”, observou.

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O consenso em torno de uma condenação ao uso de armamentos químicos fez com a ação de Trump conquistasse apoio da população norte-americana, parlamentares republicanos e democratas, além de países que ainda demonstravam reticência com seus primeiros passos na presidência. “Trump conseguiu preencher um vácuo. A Europa ocidental imediatamente manifestou apoio aos EUA, assim como o Irã apoiou a Rússia”, afirmou Costa Júnior. Para ele, ainda não está claro quais serão os próximos passos de Washington, mas uma piora nas relações com Moscou está clara, uma vez que Assad é um dos principais aliados de Putin na região. Também não está claro se Trump reverá posições sobre a permanência do presidente sírio — o que não é muito provável, observando-se os efeitos colaterais de uma decisão nesse sentido sobre a correlação de forças com grupos extremistas.

Há uma série de peças soltas no quebra-cabeças do mais recente episódio na complexa guerra síria. A principal pergunta em aberto e que espalha dúvidas para toda a história dos mísseis é o que motivaria Assad, em um momento de vantagem no conflito após recuperar com apoio russo a cidade de Aleppo em dezembro, a promover um ataque químico que seria condenado pela sociedade internacional e poderia colocar seu governo em posição mais desconfortável. É nesse sentido que vem a narrativa russa de que o bombardeio norte-americano representou uma “agressão a um Estado soberano”, baseado em “pretextos inventados”.

“A grande questão que se coloca é se realmente foi Assad que usou as armas químicas ou se foi alguém que quis incriminá-lo. Os próprios rebeldes poderiam estar por trás desses ataques químicos”, disse o professor. “Também é estranho nessa história que estoure tudo justamente no momento em que Xi Jinping (presidente da China) está em solo americano. Jiping é aliado da Rússia”, complementou. Para Costa Júnior, os próximos dias prometem ser tensos e podem trazer novos contornos à guerra civil síria e suas complexas implicações sociais, políticas e até econômicas. “Toda ação tem uma reação. Provavelmente haverá ação de Assad e reação dos rebeldes. Quem ama os rebeldes são os norte-americanos. Os interesses da indústria bélica são contemplados”, concluiu.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.