Rali do minério de ferro chegou ao fim? Os fatores destacados por analistas para acreditar que sim

Depois de um primeiro trimestre forte, guiado por otimismo por China, cotações do minério caem queda em abril e podem perder mais força no 2º semestre

Lara Rizério

Minério de ferro (Getty Images)

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Após um primeiro trimestre de alta para as cotações do minério de ferro, com a commodity à vista com pureza de 62% passando da casa dos US$ 112 a tonelada no fim do ano passado para US$ 128 nos últimos dias de março (ou alta de 14%) em meio ao otimismo com a reabertura da China, analistas de mercado têm visto sinais de enfraquecimento nos preços do ingrediente siderúrgico.

Nesta quinta-feira (13), o minério negociava na casa dos US$ 119 a tonelada, uma queda de mais de 6,6% no acumulado de abril. Já o contrato futuro da commodity mais negociado (para setembro) na Bolsa de Dalian teve queda de 3,1%, a 769 iuanes (US$ 111,89) a tonelada apenas nesta sessão.

O pessimismo sobre a demanda por aço na China tem prevalecido nas últimas sessões, mesmo com os traders monitorando um forte ciclone que pode interromper os embarques da Austrália, importante fornecedora do insumo. O enfraquecimento dos preços do aço na China indicou uma demanda fraca em um momento em que a atividade de construção no maior consumidor de minério de ferro está se recuperando. O aumento dos riscos de recessão também obscureceu as perspectivas para as exportações chinesas de aço, de acordo com analistas.

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O plano da China, ainda não confirmado, de limitar sua produção anual de aço bruto, em meio à busca para conter a especulação do preço do minério de ferro, também tem sido um empecilho para o mercado.

A China deve divulgar um plano em que limita a produção das siderúrgicas domésticas aos níveis de 2022, informou a Bloomberg nesta quinta-feira.

“O minério de ferro está enfrentando pressão do controle de preços e os riscos políticos continuam a aumentar”, disseram analistas da Sinosteel Futures em nota.

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Na avaliação do Goldman Sachs, os preços do minério de ferro foram sustentados até o momento por uma combinação de sentimento positivo em relação à reabertura da China, sazonalidade positiva (forte demanda de aço e fraca oferta de minério de ferro) e reabastecimento após o Ano Novo Chinês.

Mas a equipe de Materiais Básicos do banco apontou também que as carteiras de pedidos de aço foram mais fracas do que o esperado, o que se traduziu em um apetite reduzido das siderúrgicas para fazer um reabastecimento (os estoques atingiram um pico abaixo do nível do ano anterior).

Ao mesmo tempo, o sentimento positivo em relação ao minério de ferro e ao aço na China após a reabertura está enfraquecendo, pois os investidores têm percebido que o setor de consumo provavelmente se beneficiará muito mais do que o de commodities, que dependem de investimentos em ativos fixos e imóveis, como minério de ferro/aço. Por fim, a oferta de minério de ferro geralmente cai no 1T-2T e um aumento de material é esperado daqui para frente, o que deve pressionar as cotações na segunda metade do ano.

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Mais especificamente para este ano, as exportações da Índia e da Austrália estão aumentando, enquanto a oferta de sucata na China provavelmente pressionará os fundamentos do minério de ferro, avaliam os analistas. Indo para a segunda metade do ano, a fraqueza da demanda como resultado de lançamentos imobiliários mais fracos em 2022 também ficará mais evidente.

“Em resumo, os preços do minério de ferro estão lentamente perdendo o suporte do sentimento positivo e da reposição de estoques, mas a sazonalidade ainda não atingiu seu pico. Esperamos que a atual força da oferta/demanda seja seguida por uma fraqueza significativa na segunda metade do ano, uma vez que o aumento da oferta se segue ao enfraquecimento da demanda da China”, avaliam os analistas do banco. O Goldman espera que o preço do minério de ferro caia dos atuais US$ 120 a tonelada para US$ 105 a tonelada no quarto trimestre de 2023 (4T23) e US$ 90 a tonelada em 2024.

Também com uma visão cautelosa, a Genial Investimentos aponta que a consolidação de alguns fatores na China deverão frear e começar a inverter o sentido da curva de minério de ferro também a partir do segundo semestre de 2023, levando a curva de precificação da commodity para patamares mais racionais.

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São esses os fatores: (i) cortes de aço bruto; (ii) inspeções regulamentares, levando a liquidação parcial do posicionamento especulativo; (iii) aumento dos embarques, criando um excedente de mercado a partir da segunda metade do ano e basicamente anulando a restrição de oferta; (iv) mercado imobiliário ainda com uma performance preocupante e (v) menos espaço fiscal para incentivos do governo na economia chinesa.

Os analistas Igor Guedes, Ygor Araujo e Renan Rossi apontam que o 1T23 foi o primeiro trimestre completo após a reabertura da economia chinesa e que nele se enxergou alguns sinais de recuperação importantes que contribuem com uma conjuntura de curto prazo positiva para a commodity ferrosa, como o aumento das taxas de utilização dos alto-fornos nas siderúrgicas chinesas para cerca de 90%.

Porém, ainda que tenham ocorrido esses sinais, os movimentos de aceleração no preço foram apenas de curto prazo para a commodity, de forma que não enxergam sustentabilidade na curva de minério 62% de pureza a preços acima de US$ 110 a tonelada, dado o cenário observado hoje na China.

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Os analistas acreditam que a recuperação econômica da China está ainda longe de se mostrar fortificada como a média do mercado inicialmente imaginava.

Eles observam que o estoque de minério de ferro nas usinas siderúrgicas permanece em níveis baixos e as usinas provavelmente reabastecerão o minério antes do pico sazonal da construção civil (abril/maio), o que deve suportar a curva de referência de minério com pureza de 62% para o patamar ainda acima dos US$ 100 a tonelada, mas ainda assim, não o suficiente para mantê-la acima dos US$ 120.

Fim do rali no radar?

Para os analistas da Genial, a pergunta se o rali do minério chegou ao fim é difícil de responder, uma vez que a aceleração de preços como o comportamento clássico de um rali ocorre, quase sempre, por expectativas futuras e não lastreadas na racionalidade dos agentes de mercado.

“Ainda que, para nós, todos os números apontam para uma queda na curva de minério daqui para frente, o mercado nem sempre é racional, e considerando que a China historicamente costumava surpreender positivamente os investidores, alguns acabam confiando mais na narrativa de superação do que necessariamente olhando mais atentamente para as dinâmicas de oferta e demanda atuais, e dos desafios que a China vai enfrentar daqui para frente”, avaliam.

De qualquer forma, eles apontam que a China pós-pandemia não deverá ser igual a China pré-pandemia. O crescimento do PIB da China perto dos 10% não será mais a regra, e se acontecer, será excepcionalidade de alguns anos (definitivamente, 2023 não será um deles, segundo a Genial). Dessa forma, os ajustes na curva de preços do minério deverão enquadrar essa nova realidade, e a média de US$ 125 a tonelada vista no 1T23 não leva essa realidade em consideração, na visão deles.

“E olhando para o comportamento da curva nas últimas duas semanas, saindo do pico de US$ 130 a tonelada (t) e chegando a US$ 119/t, acreditamos que finalmente os agentes de mercado estão começando a se comportar de maneira mais racional, então podemos estar sim, diante do final do rali”, afirmam.

Impacto nas companhias

Olhando para as individualidades de cada companhia, os analistas da Genial esperam um 1T23 pior para Vale (VALE3), onde as mesmas dificuldades de licenciamento ambiental serão somadas ao aumento de provisão para a joint venture com a BHP (Samarco/ Fundação Renova), sobre o acidente de Mariana (MG).

Já para a CSN Mineração (CMIN3), operacionalmente o resultado deve demonstrar melhoras no 1T23, com uma gradual elevação de margem, com um preço realizado superior ao visto no 4T22 (acima dos US$ 90 a tonelada), porém, com um volume de embarques levemente menor, o que já parece um feito grande, considerando que sazonalmente o volume dos primeiros trimestres são bem mais fracos que os dos quarto trimestres pela maior incidência de chuvas.

“Em termos de eficiências de custos, gostamos mais da CMIN3 para o curto prazo, uma vez que os contratos de arrendamento das embarcações próprias da Vale não a permitem capturar todo o arrefecimento no custo do frete na rota Tubarão-Qingdao (SSY). Esperamos uma contração nesse 1T23 para a marca de US$ 18,15/t versus US$ 20,80/t no 4T22”, avalia a casa.

Considerando um cenário mais adiante, a recente decisão da Opep de cortar a produção em 1,1 milhão de barris dia pode ocasionar uma alta do preço do óleo diesel e uma subsequente aceleração, novamente, do frete SSY. Mediante a isso, o cenário se inverte, e os analistas veem a Vale mais protegida que a CMIN, que possui mais exposição ao preço spot do frete.

“Tanto para a Vale quanto para CSN Mineração reiteramos o nosso rating de manutenção, e preferimos observar a curva de preços do minério se aproximar ainda mais do valor que acreditamos ser mais racional, para então enxergarmos com mais visibilidade oportunidades de entradas em ambos os papéis a valuations mais atrativos do que os atuais”, avalia a casa.

Apesar desse cenário desenhado por analistas, após conferência com investidores e empresas do setor, o Bradesco BBI apontou que a Vale segue vendo um mercado equilibrado nos níveis atuais, enquanto as projeções (guidance) de produção e custos para 2023 foram reafirmadas. No radar dos mercados, contudo, estão possíveis mudanças regulatórias (como elevação da alíquota dos royalties pagos sobre a extração de minérios), que causam mais preocupação aos investidores. O BBI tem recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado, equivalente à compra) para Vale.

(com informações da Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.