Quais os significados e as consequências do ataque de Donald Trump à Síria?

Retaliação a uso de armamento químico pelo governo Bashar al-Assad coloca Washington e Moscou em novo antagonismo

Marcos Mortari

Publicidade

SÃO PAULO – A retaliação do governo norte-americano a um ataque químico realizado na Síria, que matou 86 pessoas, trouxe mais incerteza ao caldeirão geopolítico. Na noite da última quinta-feira (7), a gestão de Donald Trump comandou um ataque de 59 mísseis a bases aéreas do governo Bashar al-Assad. Segundo a agência estatal síria Sana, nove civis morreram, incluindo quatro crianças. Os governos sírio, russo e iraquiano condenaram a ofensiva estadunidense e defendem não ter havido ataque químico por parte do regime, o que seria uma afronta a tratados internacionais. Por outro lado, os governos de Reino Unido, Turquia, Austrália, Nova Zelândia, Israel, Arábia Saudita e Japão declararam apoio aos EUA.

Em nível doméstico, o episódio pode marcar a possibilidade de maior apoio popular ao governo do magnata republicano após demonstrações de fraqueza dadas no Congresso e choques no Judiciário. No parlamento, diversos legisladores republicanos e democratas apoiaram a decisão. Para o presidente da Câmara de Representantes, o republicano Paul Ryan, conforme noticia a AFP,  o ataque foi “apropriado e justo”. No mesmo sentido, o líder da minoria democrata no Senado, Chck Schumer, declarou que “fazer Assad pagar um preço quando comete atrocidades com estas é algo bom”.

Na prática, Trump faz o que seu antecessor, Barack Obama, prometeu em 2013 mas não colocou em prática. Na ocasião, o democrata havia estabelecido uma “linha vermelha” e prometido atuação em caso de persistência no uso de armas químicas pelas forças de Assad. Mas recuou e, com apoio do governo russo, conseguiu que o governo sírio entregasse parte do armamento químico que possuía. No entanto, poucos entenderam o desfecho como uma vitória de Washington, uma vez que regime não se desfez completamente do armamento ilegal.

Continua depois da publicidade

No plano internacional, o novo episódio modifica a pauta do encontro a ser realizado entre o presidente russo Vladimir Putin e o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson. Além da questão da interferência russa nas eleições locais, agora a questão síria vai ao centro do debate, lembrando que a Rússia é um dos grandes aliados do governo Assad.

O cenário ainda é de grandes dúvidas. Antes dos ataques químicos, o quadro na guerra civil síria era de vantagem do governo, que havia virado o jogo com o apoio da Rússia, tendo retomado a segunda maior cidade do país (Aleppo) em dezembro. O governo Trump já havia sinalizado que não tinha interesse em derrubar Assad, mas sua prioridade era combater o Estado Islâmico. Então por que o governo sírio atacaria civis com armas químicas? Enquanto esse questionamento segue sem respostas, algumas das consequências já são observadas. A colunista da Folha Patrícia Campos Mello lista algumas delas, sendo a principal a mudança no discurso de Trump sobre permanência de Assad para um tom de retaliação ao presidente sírio. A especialista em política internacional vê como grande a probabilidade de os EUA fazerem uma intervenção militar limitada na Síria, o que seria positivo para a imagem de Trump em um momento em que se investiga interferência russa nas eleições norte-americanas.

David Sanger, do jornal The New York Times chama atenção para os riscos que o presidente dos EUA corre nas próximas semanas à medida que o sentimento de satisfação com retaliação a Assad começa a se dissipar. Ele lembra que o primeiro risco seria exatamente a Rússia. Por mais que Moscou tenha preferido uma vitória de Trump à de Hillary, Putin não tende a entrar em um acordo que ameace sua influência na Síria, localidade da maior base militar russa fora de suas fronteiras. O segundo risco seria uma ofensiva contra Assad prejudicar o principal objetivo do republicano na região: derrotar o Estado Islâmico. Um colapso da Síria, escreve o jornalista, poderia representar um paraíso para terroristas do EI. O terceiro risco é o faro de Trump não ter nenhum plano real para trazer a paz à Síria. O fracasso do plano de John Kerry e a indisposição de Rex Tillerson para iniciar novas negociações inspiram poucas esperanças. Claramente, a ação do governo norte-americano entra em contradição com o lema do presidente republicano “America first”. Resta saber até quando será conveniente e eficaz a postura agressiva na Síria para aglutinar apoio doméstico.

Tópicos relacionados

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.